Daqui uns quinze, vinte anos, a dona de casa Fernanda do Amaral Persch e o motorista Paulo Victor Fae Bastos, muito provavelmente, vão sentar com o filho, o pequeno Victor Guilherme, hoje com poucos dias de vida, para contar a história do ano um tanto atípico em que ele nasceu. O Victor veio ao mundo no dia 18 do mês passado, no Hospital Montenegro, para a alegria da família moradora de Portão. “Esse incomodou, foi trabalhoso pra sair”, lembra Paulo, o pai, com o alívio de quem pôde levar o segundo filho para casa com saúde e cheio de vida. “Agora é ficar em casa!”
Tanto gestantes quanto bebês recém nascidos são considerados grupo de risco para possíveis complicações em decorrência do coronavírus. Por isso, a preocupação e os cuidados com mães e com filhos nas maternidades, que já era grande, se intensificou. Isso no mundo todo. E não é diferente em Montenegro. A pandemia, que mudou a rotina de todos, tem imposto protocolos diferentes para o precioso momento da vinda de uma criança ao mundo.
Ginecologista e obstetra no Hospital Montenegro, Túlio Farret explica que, para além dos protocolos de higienização que foram redobrados para todos, a casa de saúde da cidade separou dois fluxos diferentes para o atendimento das gestantes. Um é para as que podem estar ou estão com a Covid-19 e outro é para as assintomáticas. Essa separação se faz já na porta da instituição.
“Em toda paciente que chega ao hospital, são verificados os sinais vitais e isso inclui temperatura, frequência respiratória e cardíaca. Isso já antes do coronavírus”, explica o médico. “Se ela referir sintomas gripais, nessa triagem, ela já é colocada no fluxo Covid.”
Procedimento parecido vale também para o acompanhante, como foi feito para o papai Paulo Victor. Ele teve a temperatura medida. Se apresentasse sintomas gripais, o que não foi o caso, já seria encaminhado para consulta na emergência e não poderia acompanhar Fernanda. Pessoas idosas ou com doenças crônicas, então, que também são grupo de risco, nem passam da entrada. O uso da máscara é obrigatório para todos e, inclusive, recomendado para a própria gestante na hora do parto, independentemente do fluxo em que ele entrar.
Paciente com sintomas gripais vai pro fluxo Covid
A paciente com suspeita da doença vai para a Ala Covid, criada recentemente para atendimentos relacionado à doença no HM. É o obstetra, então, que se desloca para este espaço, devidamente paramentado com os equipamentos de proteção individual, para fazer o atendimento. “Depois do atendimento, não sendo urgência em que ela precise de procedimento naquele exato momento, a gente transfere ela para nossa referência de atendimento de gestantes com coronavírus, que é o Hospital da Ulbra, em Canoas”, conta Farret.
Até o fim do mês passado, apenas uma paciente precisou dessa transferência. Um exame já tinha confirmado que ela estava com a Covid-19.
O Hospital Montenegro, no entanto, já tem uma sala de parto separada das demais que está preparada para o caso de uma paciente confirmada ou com suspeita de portar o vírus chegar já ganhando o bebê, sem chance de ida para Canoas. “Aí tanto a equipe médica quanto a parte da enfermagem vai usar uma paramentação específica para atender essa paciente”, aponta o coordenador de medicina hospitalar da instituição, Felipe Canello Pires. O espaço, aí, também passa por um protocolo de higienização diferenciado; e a paciente fica num quarto privativo.
Canello explica que não há comprovação de transmissão do coronavírus da mãe para o feto, durante a gestação. “Pós parto, no contato do bebê com a mãe, é possível haver transmissão; mas antes do parto, a gente não tem essa evidência ainda, o que não significa que não aconteça”, coloca, expondo que ainda não se passaram nove meses desde a descoberta do vírus.
O risco de contaminação que se conhece, caso a mãe esteja doente, é após o nascimento, pelo contato respiratório próximo entre ela e o bebê. A preocupação, no entanto, não justifica a separação dos dois. “Seria muito mais malefício do que benefício. O que a gente recomenda, nesse caso, é o mesmo indicado para mães com tuberculose e outras doenças que são transmitidas por via aérea, por exemplo. Medidas de higiene de mãos, uso de máscara e ventilação do ambiente”, aponta o coordenador de medicina hospitalar. Também não há indício de transmissão pela amamentação.
Paciente sem sintomas segue o fluxo convencional, mas com cuidados redobrados
De volta à porta do Hospital Montenegro, o paciente que não apresente indicações do coronavírus segue o que seria o fluxo normal, ainda que com a máscara e a restrição ao acompanhante, que não pode ter sintomas, nem ser do grupo de risco. Este segue com o direito de acompanhar o parto na sala com a gestante. Nascido o bebê, ainda são de 36 a 48 horas até a alta. “A gente não consegue reduzir esse tempo de internação pela segurança do bebê, independentemente da pandemia”, aponta o obstetra Túlio Farret.
Houve mudanças no horário de visitação neste período, também com as mesmas restrições aos grupos de risco. O quarto, que não é privativo, fica com um acompanhante e pode receber o visitante num horário que foi limitado a 30 minutos, diariamente, das 17h às 17h30.
Instituição ainda oferece apoio psicológico
“A condição de gravidez, naturalmente, muda tudo”, comenta o médico Túlio Farret. “A mãe que está aguardando o nascimento já tem uma série de medos, vai ter que enfrentar o trabalho de parto, ter o bebê; e tudo isso gera uma série de expectativas. Dentro de uma situação onde, mesmo não grávida, a gente não sabe o que vai acontecer, é claro que tudo isso fica agravado.”
O impacto emocional de uma crise como a gerada pela pandemia do coronavírus levou o HM a reforçar os atendimentos psicológicos na maternidade. O serviço do setor de Psicologia, que já fazia acompanhamento, foi intensificado. E no caso das pacientes isoladas na ala Covid-19, a periodicidade é ainda maior. “Eles têm ido diariamente na unidade ver os pacientes que estão lá, porque eles ficam sem acompanhante, sem receber visita, é uma situação bem pesada psicologicamente”, diz Felipe Canello Pires.
Para as mamães, a conversa com os psicólogos são uma preparação, também para a volta para casa. “A pessoa quer receber visitas, quer que as pessoas vejam a criança e, hoje em dia, isso não é recomendado”, complementa Pires. “Vão ter padrinhos, tios, avós, que vão ver os netos, sobrinhos e afilhados que nascerem nesse momento só muito depois.”