Notícias de maio de 1958

Segundo o boletim do tempo do jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro, 4 de maio de 1958 foi um dia de tempo bom, com temperatura estável no Rio Grande do Sul. Achar um jornal da época digitalizado criou esta estranheza de buscar o tempo daqui num veículo tão distante. Mas, enfim… começava a aldeia global.

E enquanto o mundo girava da forma como sempre girou, as pessoas tentavam não ser da forma como sempre foram. O que não é nada fácil. Por isso que no dia 4 de maio de 1958 via-se na Folha da Manhã, de São Paulo uma charge de um deputado contra a corrupção. A mesma corrupção de hoje.

Também era notícia, discurso de Dom Vicente Scherer no Dia do Trabalho sobre capitalismo e comunismo. Sobre como a Igreja devia combater o capitalismo desalmado assim como o comunismo do leste europeu, que escravizava trabalhadores. A fúria de ficar em cima do muro.

A Colômbia tinha eleições dias depois de frustrar mais um golpe de estado. E Eisenhower, presidente americano, já falava em fazer um acordo entre os países do mundo para a exploração da Antártida. O predador repetindo-se.

E como água na boca, uma pequena propaganda chamava para um show de Maísa na boate Chicote, em São Paulo, no dia 4.

E naquele domingo, um alvoroço de dores, gritos e correria de parentes e parteiras para os lados do bairro Santo Antônio, anunciavam novo rebento, mais um filho da progressista cidade de Montenegro.

Cidade que também vira nos últimos dias e veria adiante acontecimentos de vulto histórico. Conforme o jornal O Progresso de então, eram motivo de júbilo dois fatos consagradores. A prefeitura de Montenegro, tendo à testa Hélio Alves de Oliveira, trazia luz elétrica de Brochier até Reta Grande e iniciava a construção da extensão para Poço das Antas. Um feito. E, na noite do dia 5 de maio, segunda-feira, uma comitiva de Porto Alegre, tendo à frente nada menos que o chefe de polícia do Estado, estivera em Montenegro para inaugurar três sinaleiras automáticas e luminosas em esquinas da cidade. Outro feito.

Onze da manhã, o rebento nasceu. Refugou o leite materno e o leite de vaca. Sobreviveu por conta do leite de cabra. Já tivera sorte antes, quando a mãe, desesperada pela pobreza, pediu ao médico um abortivo e ele lhe deu vitaminas. Nos dias, meses e anos que sobreviriam àqueles acontecimentos de maio de 1958, o moleque franzino – que permaneceu franzino a vida inteira – veria de tudo.

Viveu tanto as alegrias efêmeras da criação quanto a audácia do terror que muitas famílias escondem entre as paredes da casa. As lendas familiares são repletas de segredos.

O mundo girava sua roda eterna e o moleque cresceu, vicejou e depois sucumbiu, como todas as flores, como todos os meninos. E por mais que tivesse tentado, como todo ser humano tenta, acabou por não fazer mais do que repetir o que toda a gente já fizera.

À beira dos sessenta anos, descobriu que a corrupção é o mesmo bicho de sete cabeças daquele dia 4 de maio. E que a única coisa que pode fazer com que uma vida seja diferente é o cruzamento com outra. Foi outra a vida que ele teve depois que cruzou por ela naquela noite num bar. E perdeu o interesse a vida que poderia ter tido se não a tivesse conhecido.

A única forma de não nos repetirmos eternamente é encontrar alguém. E temos pouco tempo antes que o mundo acabe de tanto nos repetirmos. É o que avisam as notícias de maio de 1958.

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