Isolamento social. Mudanças bruscas de rotina. Internação hospitalar. Fim dos momentos de lazer. Perda de emprego. Pessoas queridas gravemente doentes. De uma forma ou de outra, a pandemia do novo coronavírus impactou a todos. Com o avançar da crise sanitária – já são cinco meses de muitas restrições – diferentes impactos são percebidos e documentados através de números. Um dos mais impactantes vem da área da saúde mental. Cresceu o número de pessoas que buscou por atendimento psicológico em Montenegro, no Ambulatório Interdisciplinar de Saúde Mental (AISME) e no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS). Também aumentaram as tentativas de suicídio na região, segundo dados apresentados pelas casas de saúde com ala de saúde mental no Vale do Caí, Hospital Montenegro e Hospital Sagrada Família, de São Sebastião do Caí.
O Hospital Sagrada Família realizou na psiquiatria entre março e julho 481 atendimentos. Já o número de internações alcançou 159 pelo Sistema Único de Saúde e 67 por convênio no mesmo período. O psicólogo Giovane dos Santos, que atua no Hospital Sagrada Família, destaca que esse número é maior que nos anteriores, tendo em vista que a pandemia causou crescimento, também, nos casos de atentado contra a própria vida. “Houve um aumento de 32% de tentativas de suicídio entre maio e julho, aumentou em 800% a procura de tratamento psicológico durante a pandemia e em 38% o consumo abusivo de álcool”, diz Santos, apresentando dados preocupantes, que, na sua avaliação, podem ser atribuídos ao desgaste e trauma emocional que uma calamidade como esta pandemia pode causar devido ao isolamento e insegurança frente à situação.
Em Montenegro os dados também chamam à atenção. Em uma live realizada no final de julho, o prefeito Kadu Müller chegou a citar que, entre abril e junho, houve aumento de 300% no número de atendimentos na saúde mental do município. Questionada, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), através da assessoria de imprensa, confirmou um “aumento considerável no número de atendimentos psicológicos e psiquiátricos realizados pelo município” prestados tanto no ISME quanto no Caps, no período de janeiro a julho de 2020. Esse acréscimo é atribuído como “provavelmente” à pandemia. Em julho de 2020 foram realizados 662 acolhimentos no AISME, entre atendimentos psicológicos e psiquiátricos. Já no Caps foram 426 atendimentos registrados no mesmo mês. A SMS não confirma, porém, aumento significativo das notificações de tentativas de suicídio em relação aos meses anteriores à pandemia. O AISME atende demanda de pessoas que vem apresentando transtornos psíquicos leves e moderados, enquanto o Caps atende transtornos mentais mais graves.
A equipe multidisciplinar da Unidade de Atenção Integral a Saúde Mental do HM também apresentou aumento considerado pequeno nas internações, mas é destacado pela administração da casa de saúde 100% Sus que as internações psiquiátricas, independente de período de pandemia, sempre apresentaram grande demanda. Foram 32 em março, 34 em abril, 40 em maio, 39 em junho, e 34 e julho. “Percebe-se que, entre os meses de maio e junho, houve um aumento nos sintomas relacionados à depressão e ideação suicida, ocasionando um aumento na busca por atendimento psiquiátrico. Neste momento, há um aumento de sentimentos negativos nas pessoas, como medo, angústia, desesperança, desvalia, aumentando a incidência de transtornos mentais, uso de substâncias psicoativas e ideação suicida” diz Elisabeth Maurer, técnica de Enfermagem do HM e coordenadora da Saúde Mental.
O que está levando à busca por atendimento
Os motivos pelos quais as pessoas buscam atendimentos são diversos, já que cada um enfrenta de uma forma as diferentes dificuldades que a vida apresenta. As psicólogas do AISME, Aline Massena da Silva e Catiane Mello da Silva, afirmam que diante do cenário atual, em que vivemos uma pandemia, as pessoas têm apresentado quadros ansiosos e depressivos com maior incidência. “O momento é de incertezas em relação ao futuro, de receio pela vida daqueles que se ama e algumas perdas (pessoas, trabalho, relacionamentos…). Todo esse contexto vem gerando angústias e sofrimento psíquico, o que faz com que muitas pessoas acessem o serviço de saúde mental do município”, explica Catiane. Geralmente o que faz com que a pessoa busque ajuda é o mal-estar, as crises de ansiedade, o choro sem controle, a tristeza persistente. “Diante de sintomas como estes, as pessoas têm buscado o serviço, através de encaminhamentos dos profissionais da rede que detectam a necessidade do serviço especializado da Psicologia, Psiquiatria ou de ambos”, detalha Aline.
Elisabeth Maurer, coordenadora da Saúde Mental do Hospital Montenegro, segue na mesma linha, citando que determinados sintomas e comportamentos podem interferir no convívio familiar e social, gerando sofrimento e conflitos que muitas vezes provocam uma desorganização pessoal. É onde se faz necessário uma intervenção profissional intensiva, sendo indicado a internação psiquiátrica para atender os casos mais graves e as desintoxicações, proporcionando a estabilização do quadro, reabilitação psicossocial e estimulando a continuidade do tratamento. Giovane dos Santos, do Hospital Sagrada Família, cita que os principais diagnósticos foram de depressão com tentativa de suicídio, dependência de álcool e outras drogas, além de transtorno de ansiedade, transtorno de humor bipolar.
Como uma orientação para o bem-estar emocional e psicológico os profissionais de saúde mental indicam que as pessoas procurem se distrair com atividades de rotina desenvolvidas em seu lar. “Procurando interação entre os familiares, além disto, é um momento propício para o desenvolvimento da cultura individual por meio de livros, fontes de comunicação, desenvolvimento de habilidades manuais ou outras atividades que proporcione satisfação pessoal, sempre lembrando-se do distanciamento social”, diz Cristina Reinheimer, secretária de Saúde de Montenegro.
E quando a pandemia passar?
Infelizmente, a expectativa dos profissionais da saúde não é para uma rápida queda nos atendimentos de saúde mental. Acredita-se que pós-pandemia enfrentaremos uma busca ainda maior por atendimentos em saúde mental, pois as pessoas estão sofrendo perdas importantes como de familiares, trabalho, relacionamentos. É preciso lembrar que os próprios locais de atendimento também foram afetados pelas medidas contra a contaminação pela Covid-19. No caso de Montenegro, diante do medo instaurado pela pandemia, os grupos de apoio que eram realizados nas comunidades, como as rodas de conversas, por exemplo, foram interrompidos devido ao distanciamento social, o que faz com que as pessoas busquem auxílio/suporte diretamente no AISME.
Nos hospitais os atendimentos os atendimentos também precisam ocorrem com cuidado redobrado quanto ao distanciamento social, além das medidas de higiene, como lavagem das mãos, uso de máscara e cuidados pessoais. “É feita triagem na avaliação e os pacientes com sintomas gripais suspeitos ficam isolados no setor clínico do hospital até o descarte da suspeita ou confirmação ficam no isolamento clínico e são acompanhados pelos profissionais de saúde mental”, relata Giovane dos Santos.
Estrutura hospitalar na região
No HM, a Unidade de Atenção Integral em Saúde Mental conta com 26 leitos para internação. A equipe multidisciplinar que atende no setor é composta por médicos, psiquiatras, enfermeiras, técnicos de enfermagem, psicóloga, arteterapeuta e assistente social. A equipe da casa de saúde de Montenegro salienta que deve-se procurar o atendimento no hospital em casos de emergências e urgências psiquiátricas agudas, como casos de surtos psicóticos, agitação psicomotora, tentativas de suicídios e outros sintomas de graves dentro das comorbidades psiquiátricas.
O Centro de Saúde Mental do Sagrada Família conta com 32 leitos SUS e 21 leitos convênio e particulares. A equipe é composta por dois psiquiatras, psicólogos, enfermeiras, enfermeira coordenadora, técnicos em enfermagem, assistente social, nutricionista, educador físico e terapeuta ocupacional. A forma de ingresso para tratamento no hospital de São Sebastião do Caí é através do Caps, onde o paciente é avaliado e encaminhado para a central de leitos do Estado e havendo vaga ele vem para o hospital. “Também em caso de crise aguda o paciente procura a emergência do hospital, sendo avaliado pelo psiquiatra sobre a necessidade de internação, se houver riscos”, Giovane dos Santos.
Busque ajuda
Se apresentar entristecimento, desatento, apatia, choro ou apresentar falta de motivação de rotinas, é indicado buscar ajuda. Assim como nas situação mais críticas como ideações suicidas. A secretária de Saúde de Montenegro Cristina Reinheimer explica que o município atende este tipo de caso mediante apresentação de encaminhamento, entretanto diante da situação trazida pela pandemia, algumas situações vindas por demanda espontânea e compreendidas como de risco, estão sendo acompanhadas pelos profissionais do município, pois garantir o acesso nesse momento é imprescindível. Outra alternativa disponibilizada é o atendimento por ligação telefônica, minimizando os riscos do atendimento presencial para paciente e profissional, evitando assim possibilidade de contágio pela Covid-19. O telefone do Tele Saúde Mental é o 3632-1342 (AISME) e 3632-5317 (CAPS).
Anota aí!
Montenegro
Ambulatório Interdisciplinar de Saúde Mental (AISME): na Secretaria Municipal de Saúde, próximo aos setores de Pediatria e Farmácia. Rua Campos Neto, nº 177, Bairro Senai. Telefone: 3632-1342 ou 3632-3102 (SMS).
Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS): Rua Bruno de Andrade, 1847, Bairro Timbaúva. Telefone: 3632-5317.
Brochier
Posto de Saúde do Centro. Telefone 36971496 ou 36973073
Maratá
Centro de Saúde do Centro. Telefone: 3614 4151 ou 3614 4157
Centro de Referência de Assistência Social (Cras): Avenida Bernardo Rech, nº 100. Telefone 996940340
São José do Sul
Centro de Saúde: Av Antônio Kirch, n° 336. Telefone: (51) 3614 – 8073
Pareci Novo
Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Amor Perfeito: rua João Inácio Teixeira , nº 70B. Telefone 36339155 ou 998026404
São Sebastião do Caí
Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Ancoragem São Sebastião do Caí: Rua Pinheiro Machado, 509, bairro Centro. Telefone: 3635-2568.
Triunfo
Caps: rua Demétrio Ribeiro, nº 104, bairro Centro. Telefone 36546447
Estudo estadual mostra cenário preocupante
O governo do Estado lançou um estudo que reúne os primeiros dados disponíveis sobre o total de internações por transtornos mentais no Rio Grande do Sul desde a chegada do novo coronovírus e lançou um alerta sobre a saúde mental da população. Desenvolvida no âmbito do Comitê de Dados do governo do Estado, a pesquisa elenca, com base em artigos científicos analisados, as principais iniciativas que devem ser adotadas em situações de emergência e identifica ao menos cinco grupos de pessoas entre os de maior risco de serem afetados em relação à saúde mental. As maiores prevalências de transtornos comuns foram identificadas entre os professores (média de 36,9%) e profissionais da saúde (27,7%).
As pessoas que apresentam transtornos mentais pré-existentes podem ver aumentados os seus sintomas de ansiedade. Quem está em tratamento do alcoolismo, por exemplo, está sujeito a complicações por conta do isolamento social forçado. Outro grupo citado pela pesquisa que pode ser impactado é formado por crianças e adolescentes. Com o fechamento das escolas, crianças e jovens tendem a vivenciar a violência doméstica e o abuso infantil, e o próprio isolamento social pode trazer efeitos psicológicos ao longo de muitos anos.
O quinto grupo considera a parcela da população mais pobre e que enfrenta uma série de obstáculos objetivos em função da pandemia. “São pessoas que trabalham na informalidade e que, por esta condição, acabam forçadas a se exporem mais para garantir seu sustento. Isso amplia a sensação de angústia e ansiedade”, descreve a coordenadora do grupo de trabalho de Política Sociais e Educação do Comitê de Dados, Daiane Menezes.
O trabalho menciona que os impactos da pandemia na saúde mental podem perdurar em momentos distintos e apresentar diferentes motivações. Efeitos como ansiedade, depressão, transtorno do estresse pós-traumático, fobias, abuso de álcool e drogas quando não tratados devidamente podem se agravar e afetar o paciente por um longo período. “Nessas circunstâncias, a Covid-19 poderá provocar um efeito em cadeia para além das questões da saúde mental, mas também com impactos sociais e econômicos”, salienta a professora Monika Dowbor, coordenadora da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
No âmbito estadual, a pesquisa identificou quedas nas internações por saúde mental com a chegada dos primeiros casos de Covid-19. As internações, que se mantinham próximas entre os meses de janeiro e fevereiro comparando 2019 e 2020, apresentam queda nos dois meses seguintes: 2.525 casos em março (-15%) e 735 hospitalizações em abril (-42% na comparação ao mesmo mês do ano passado).
Setembro Amarelo
Este mês é marcado pela tradicional campanha Setembro Amarelo, de incentivo aos cuidados com a saúde mental e prevenção ao suicídio. O Rio Grande do Sul tem a maior taxa de suicídio no Brasil durante os últimos anos e, assim como nas internações, também se verificou queda nos números de tratamento clínico em situação de risco elevado de suicídio. No mês de março, foram 588 registros (-8%) e 198 casos no mês seguinte (-35%), situação que igualmente pode ser associada à pandemia e ao consequente isolamento social associado a ela.