Essa sexta-feira, 18 de maio, marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. A data foi instaurada em 1987 na cidade de Bauru, durante o Congresso de Trabalhadores de Serviços de Saúde Mental. Mas foi apenas em janeiro de 1992, com a Portaria nº 224 do Ministério da Saúde, que passos concretos começaram a ser dados através do Sistema Único de Saúde (SUS). Era necessário oferecer dignidade às pessoas com sofrimento mental. Transformar institucionalização em inclusão e reverter um quadro de desamparo, onde seres humanos eram abandonados e não tratados em instituições.
Para mostrar a realidade no atendimento psiquiátrico atual, convidamos os hospitais da região com ala de saúde mental – Hospital Montenegro e Hospital Sagrada Família – para mostrar seu interior. A equipe do Hospital Montenegro aceitou conversar conosco, mas não permitiu o registro de imagens. Já no Sagrada Família tivemos abertas as portas.
Um dos paradigmas quebrados nas últimas décadas é o de que a pessoa com algum tipo de doença ou transtorno mental precisa ser isolada do convívio social. Hoje, os profissionais da área de saúde mental atuam no sentido de reinserir essas pessoas da forma menos traumática possível. Os tratamentos são baseados na ideia de que podem ter uma vida normal, desde que sigam corretamente as prescrições médicas e terapêuticas. “O paciente entra e já se trabalha com todas as possibilidades para que ele retorne para as suas relações familiares”, explica a assistente social do setor de Saúde Mental do Hospital Montenegro, Eliane Teresinha Linhares Neto. Prioriza-se o tempo mínimo de internação, apenas para a estabilização do quadro do paciente e, então, a equipe do hospital faz contato com as redes dos municípios, para que a pessoa possa dar continuidade ao tratamento.
Em ambas as casas de saúde citadas, os principais motivos de internação nas alas de saúde mental são quadros agudos de depressão, risco de suicídio, de agressão, paciente com quadro psicótico e/ou dependência química. Além dos municípios da região, ambos os hospitais recebem pacientes de todo o Estado através da Central de Leitos. Mas isso representa uma dificuldade a mais. “É difícil para a família visitar e desejamos manter os vínculos”, diz o psicólogo Giovane dos Santos, do Hospital Sagrada Família. O Hospital Montenegro atende apenas pelo Sistema Único de Saúde enquanto o Sagrada Família tem leitos pelo SUS, particulares e convênios.
A realidade do atendimento psiquiátrico na região
O Hospital Montenegro conta com 26 leitos de atenção à saúde mental. Dois psiquiatras se revezam no atendimento aos pacientes. Um deles é o médico Ricardo Silveira, que avalia a reforma antimanicomial como muito necessária, mas revela que é preciso pensar em como estruturar equipes para dar o atendimento correto aos pacientes. “Existiam tratamentos completamente inadequados. Não só do ponto de vista da psiquiatria, mas também da questão social”, afirma.
Ele analisa o fato de que, além das superlotações existentes nos antigos manicômios, os tratamentos extremos, como o de choque, aconteciam com o aval social. “Melhorou muito o atendimento do paciente em internação. Se reduziu o número de leitos da psiquiatria e se privilegia o atendimento em hospital geral”. Isso é visto com bons olhos no sentido da atenção dada ao paciente. “Trabalhar o paciente psiquiátrico em hospital geral é diferente porque tu pode vê-lo de forma bem abrangente”, avalia o psiquiatra. “Se ele tem um problema cardíaco, pode ser atendido pelo cardiologista aqui mesmo”, explica.
Apesar disso, Ricardo Silveira acredita ser um erro evitar a construção de hospitais psiquiátricos. “Tem hospital geral, mas o paciente psiquiátrico está em um ambiente fechado, feito de forma improvisada. Nós temos um pátio onde levamos o paciente, mas não é um pátio que privilegia o espaço com uma academia de ginástica, sala de jogos, ou um espaço em que o paciente possa ficar mais tempo”, explica.
O psicólogo do Hospital Sagrada Família Giovane dos Santos concorda e acrescenta que, para o paciente, o estigma no hospital geral é menor. “Ele está internado num hospital, ponto final. Não num hospital psiquiátrico”, destaca Giovane. No caso do hospital caiense não há a dificuldade do espaço porque a área é ampla e permite muita circulação e contato com a natureza.
Atenção básica à saúde mental
De acordo com os profissionais, não há como prevenir problemas de saúde ou transtornos mentais. No entanto, o olhar para sintomas iniciais de anormalidade é fundamental para evitar que o quadro se agrave. “A pessoa deve procurar ajuda se perceber que está diferente, apresentando algo que não apresentava antes. Às vezes até o familiar percebe que a pessoa não está no seu estado normal”, explica a psicóloga do HM, Alessandra da Silveira Pereira. Segundo ela, é imprescindível buscar um psicólogo ou psiquiatra quando se percebe sinais – por menores que sejam – de depressão, estresse ou outras mudanças comportamentais.
A partir do reconhecimento de que algo não vai bem, o profissional pode encaminhar o paciente para outros especialistas, de acordo com a necessidade. “É importante tirar o estigma da loucura. A pessoa adoeceu, como qualquer um adoece e precisa procurar profissionais qualificados”.
O tratamento ocorre com medicamentos e também com acompanhamento de psicólogo, assistente social e procedimentos como arteterapia e terapias ocupacionais. “A pessoa buscar ajuda, faz ela saber lidar com o que tem e não a deixa chegar a um estado avançado do sofrimento”, explica Alessandra. Os principais empecilhos para a busca por socorro são o medo do julgamento social. “Isso faz com que a pessoa fique com o sofrimento só para si e piora o quadro. A aceitação é mais importante”, completa.
A ala psiquiátrica vista de dentro
O que se passa dentro do setor de saúde mental de um hospital? Relatos do passado remetem a isolamentos, grades, pessoas amarradas, camisas de força. Apesar de se saber que isso não representa o atendimento atual, por não ser visto, os estereótipos permanecem. A reportagem do Ibiá entrou na ala psiquiátrica do Sagrada Família e constatou que sim, é um setor com suas peculiaridades, mas a dignidade está presente.
O Sagrada Família tem 81 anos de história. A ala de saúde mental existe, com a atual estrutura, há sete anos. Porém, eles sempre ofereceram atendimento psiquiátrico. Atualmente, são 32 leitos destinados a pacientes particulares ou convênios e 28 pelo SUS, os últimos frequentemente com lotação máxima. O atendimento é feito por dois psicólogos, dois psiquiatras, clínico geral, professor de educação física, assistente social, arteterapeuta, oficineira, nutricionista, cinco enfermeiros e 36 técnicos de enfermagem.
Nem todos chegam ali por vontade própria. A internação compulsória existe e gera apreensão até mesmo à equipe. Há casos em que, por determinação judicial, o paciente é buscado em casa pela Brigada Militar e levado para internar. No dia em que a reportagem esteve na instituição, seis pacientes eram deste perfil. O início, às vezes, não é fácil. “Ele chega aqui em crise, sem o discernimento necessário para entender que precisa de ajuda. Depois compreende e até agradece”, diz o psicólogo Giovane dos Santos.
São momentos em que, possivelmente, a contenção será necessária. Ato difícil, que remete aos antigos manicômios e que tem um protocolo rígido a ser seguido. “A contenção de um paciente pode ocorrer, no leito, com prescrição médica, quando não há alternativa e pelo tempo mínimo. Tenta-se a conversa, a contenção química e, depois, a mecânica, se não há saída”, diz Giovane dos Santos. “Choca bastante, mas é para que aquele paciente não gere risco a ele mesmo, aos demais e à equipe. Assim que a medicação faz efeito e passa o surto ele sai da contenção. Já tivemos caso de paciente pedir para ser contido”, explica Ana Paula.
As salas de observação – masculina e feminina – ficam junto ao posto da enfermagem e abrigam o paciente que chega em estado mais grave, até que ele melhore e passe a um leito. “O paciente tem a indicação de internação quando ele está com diagnóstico de descompensação psíquica ou quando perde o controle frente a dependência química. Ou, quando é ainda mais grave, a soma de uma doença psíquica com a dependência química”, destaca Giovane. Se a imagem de uma sala de observação é impactante pelo grau de deteriorização que um ser humano pode chegar num momento crítico, o avanço que eles conseguem também chama a atenção.
Forma-se um vínculo, mesmo nos casos mais graves. Pela atenção que eles recebem. Muitos, no caso de drogadição, principalmente, chegam ao hospital após uma situação de rua, sem banho quente, sem várias refeições ao dia. “Toma banho, faz a barba e, ao se olhar no espelho, volta a se ver como ser humano. Aqui, por exemplo, nós comemoramos aniversários. Juntamos todos, do SUS e do particular, numa janta especial, celebramos. Isso é integração, reinserção social”, diz Ana Paula.
Com a chuva que caía início da tarde em que a reportagem visitou o Sagrada Família, um cochilo parecia convidativo, mas, os pacientes, em grande maioria, não estavam em seus quartos. Caminhavam pelos corredores e aproveitavam as áreas de convivência. Assistiam TV, jogavam, conversavam ou pintavam. O hospital dispõe de áreas abertas que permitem a interação com a natureza. Essa integração colabora para que eles melhorem. Além disso, os trabalhos individuais e em grupo feitos pelo psicólogo, as atividades da oficineira e da arteterapeuta atuam pela evolução individual.
“O objetivo é diminuir o estigma, dizer não a segregação e oferecer condições que eles melhorem”, diz Giovane. Retornos de pacientes são comuns, dependendo da doença mental e, principalmente do atendimento que o paciente receberá após a alta.
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Tempo mínimo de internação é prioridade nos hospitais
Tanto em Montenegro quanto no Caí, a prioridade é reduzir ao máximo a permanência do paciente na internação. Para isso, trabalha-se, primeiramente, a estabilização após as crises. Um dos grandes desafios para as equipes hospitalares, segundo a assistente social do Hospital Montenegro, Eliane Teresinha Linhares Neto, é garantir a continuidade do tratamento após o período de internação. “A maioria das reinternações são pela ruptura no tratamento. Dentro da internação, as equipes estimulam muito para que se dê continuidade ao tratamento”.
Segundo a enfermeira coordenadora do setor de Saúde Mental, Elisabet Maurer Henz, um dos principais fatores é a redução dos sintomas que levaram o paciente até o hospital. “Ele está tomando o remédio e fazendo as terapias, grupos de apoio e atividades indicadas pelo médico, e começa a se sentir bem. Aquele bem-estar é provocado pelo tratamento, mas ele fica tão bem, que acha que não precisa mais do medicamento e abandona. Então ele tem uma nova crise e volta ao hospital”, explica.
A assistente social explica que, quando o paciente tem previsão de alta, a equipe faz contato com a rede que o atenderá no seu município de origem. Então, buscam identificar profissionais que o atenderão e possíveis fragilidades na família. “É muito complicado quando o paciente está de alta, ele sabe disso, e a família simplesmente não vem buscar”, lamenta a enfermeira Ana Paula Viebrantz, da equipe do Sagrada Família. Em geral, o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) tem todos os profissionais necessários para essa atenção fora do ambiente hospitalar. Um dos grandes desafios, tanto para o Hospital Montenegro quanto para o Sagrada Família, no entanto, é que a maioria das cidades atendidas pelas duas instituições não possui Caps. Essa atenção ocorre através de profissionais que atendem nas Unidades Básicas de saúde (UBS).
Sobre a estrutura existente hoje, para o atendimento à saúde mental, a assistente social reforça que há necessidade de estruturar cada vez mais as equipes, para que não haja sucateamento dos serviços. “Temos avanços? Sim. Mas não podemos entender que as coisas estão ok. Temos que pensar lá para frente. Cada município precisa olhar para a sua equipe de saúde mental e projetar à sua população e para o nível de transtornos mentais”, analisa Eliane.