O show da vida, todos sabem, é ser feliz. Daí, para a gente fazer bem esse papel de ser feliz, a gente ensaia. Ensaia muito. Tudo que se faz desde que se nasce é ensaiar para ser feliz. A gente estuda, se puxa, aprende um monte, desaprende outro tanto; monta a arte de ser de um jeito, tenta desmontar um outro que fizeram da gente e que a gente não gosta mais. E cada vez que viramos outro, lá vêm novos ensaios para ser feliz do novo jeito que se é. É um novelão!
Uns ensaios são muito bons; parecem mesmo o show de ser feliz, mas ainda são ensaios. A plateia, ou seja, o mundo está atento a nós ao mesmo tempo em que ensaia o seu próprio espetáculo. E, enquanto ensaiamos, artistas que somos da própria existência, somos também espectadores do show alheio.
Nos nossos ensaios para ser feliz tentamos amar até o absurdo, e amamos. O que o amor faz com a gente nestes ensaios não tem medida! Parece o próprio sentido da vida. Mas não é. Queremos mais, muito mais que o amor. E nessa busca, ensaiamos um monte de outras coisas num frenesi louco atrás da melhor expressão humana.
Ensaiamos até o trabalho como uma forma de felicidade. O trabalho tem um viés de solidariedade, de fazermos cada um a sua parte; quando dividimos, com o todo, o ônus de criar as riquezas que a sociedade necessita para se sustentar. Mas para a maioria o trabalho é um fardo, fonte de suor, conflitos e pouco dinheiro. E pobres e tristes, trabalhamos infelizes do que produzimos.
Por isso, também, o ensaio é mais importante que o show. O ensaio é para nós mesmos. O show é para os outros. A felicidade não é o espetáculo, não são os aplausos. A felicidade é um debate constante entre as dores insuperáveis das perdas e a candura das lágrimas e dos aceites, que só a clausura de cada um em si mesmo proporciona. Quase nada da felicidade é pública. A maior parte é um ensaio de argumentos entre alma e razão de quem não compreende seu destino.
Ensaio é intimidade. Só eu e ela. Só eu e um livro. Só eu e uma música. Só eu e um filme. Só eu e eu. Só eu e o texto que escrevo. O que vem depois destes ensaios é a publicidade, o que não é exatamente o orgasmo de ser feliz. Felicidade é quando sorrio sozinho de prazer pelo que leio, pelo que toco, pelo que escrevo. Felicidade é quando sinto uma coisa que só sinto com ela e que talvez nem ela perceba.
Ensaiar para ser feliz é o que se faz todos os dias quando levantamos da cama. Há uma gama de desafios à nossa frente. A maioria sequer compreendemos. Fazemos escolhas e tomamos decisões na esperança de que o show da felicidade advenha de cada uma delas. Decisões amorosas, profissionais, passionais, políticas. Só depois aparecem os equívocos, os erros, os mau-caratismos de nossa parte, a filhadaputice que nos fez tomar específicas decisões. E um ou outro acerto. Eis a vida! Sempre um ensaio, uma gangorra entre nossas melhores e piores intenções.
Por fim, ensaiamos e ensaiamos, mas a apresentação final nunca se dá, a não ser como mentira. Somos todos e sempre aqueles que mentimos para nós mesmos e fazemos shows de aparências. Se nos tornamos espetáculo da felicidade, alguém levanta da plateia e grita: você mente! A verdade sempre está no ensaio. É onde mora nossa alma mais sublime. E é por onde, e só por onde, alguém pode entrar e se apaixonar pela gente.