Conta-nos Alberto Manguel no seu monumental “Uma história da leitura” que, na Rússia do século XVIII, os cortesãos da rainha Catarina compravam de um talKlostermann livros que só tinham capa. O miolo era constituído de papel velho. Gostavam de mostrar que tinham bibliotecas enormes, diversificadas e que, portanto, além de finos, eram também cultos e inteligentes. Cascas vazias, como seus livros ocos, enfim.
Mas esse negócio de ter livros, mesmo que verdadeiros, ainda não vai significar cultura e inteligência. O poeta romano Ausônio já tinha alertado; “Compraste livros e encheste estantes, oh amante das Musas / Significa que és um erudito agora? /Se comprares instrumentos de corda e lira hoje / Julgas que amanhã o reino da música será teu?”
Quer dizer, os inteligentes sérios sabem desde sempre que conquistar o conhecimento é uma tarefa árdua e que, no mais das vezes, exige uma vida inteira. Parecer inteligente é bem mais fácil. Basta repetir sempre o mesmo bordão, justificá-lo sempre com os mesmo argumentos, dar-lhe uma cara de convicção e pronto: temos um pavão intelectual. Isso quando a mentira não é usada à exaustão, seguindo o preceito do nazista Goebbels: repita uma mentira o máximo possível que algo dela restará como verdade.
Este impulso de se mostrar o que não se é por conveniências, como se vê, vem de longe.E hoje, as redes sociais servem bem as estes propósitos. O que tem de frase feita, lição de vida, erudições de almanaque, não tá no gibi (aliás, gibis são melhores!). Tornamo-nos o almanaque do Biotônico Fontoura pós-moderno, da sabedoria superficial e da verdade conveniente. Na rede social somos felizes e cheios de certezas, certezas e felicidades que advém da nossa… adivinhem? Inteligência!
Não há o que gostemos mais do que comprar facilidades. Às vezes, somente para parecer mais inteligente do que se é. Para quê ler um livro todo se alguém já o leu e postou as melhores frases? Basta repeti-las e nos tornamos um leitor respeitado. Nada contra pinçar frases de livros não lidos. Mas tudo contra só fazer isso.
Estou para dizer que quase ninguém escapa desta armadilha da vaidade; desta arte de enganar seu interlocutor ao tentar fazê-lo crer – artificialmente – que sabemos algo que na verdade, não temos a menor ideia do que signifique. No fundo somos todos parte, uns mais, outros menos, da farsa social que embasa o jogo de aparências.
Hoje alimentamos e somos alimentados por este gigantesco Biotônico Fontoura que se chama Facebook. Ele tem as duas qualidades do original. É crivado de abobrinhas com cara de verdades e abre nosso voraz apetite pelo trivial e pelo lugar-comum.
É claro que há quem insista em empurrar conteúdo de qualidade goela abaixo das redes, mas são meros dons quixotes em luta contra os moinhos de vento da nossa opção pantanosa pelos livros sem miolo. Simplesmente não estamos interessados. Queremos milagres, dogmas, fakenews contra nossos adversários, alegrias desesperadas, tristezas para dar dó nos outros; enfim, a inteligência artificial dos posts artificialmente inteligentes.
Queremos a paz das verdades prontas. Um remédio para nossos males e soluções que não solucionam. O que nos inocenta de certa forma. Somos as vítimas do autoengano, robôs do século XXI, as inteligências artificiais. Os que querem solução para o que não há.