Em busca do tempo perdido

O título lembra a saga literária de Marcel Proust e em cujas quase quatro mil páginas estão estas nuances de memória, recordações e passado. Já em nós, em cada um de nós, na nossa ficção pessoal também há uma busca do tempo perdido. Em nosso íntimo, em nosso silêncio e tristeza, na fragilidade dos nossos anos.
Às vezes damos de cara com o passado. Um filho, um neto de um amigo de infância. Aí, com entusiasmo, contamos a ele episódios: – Fui amigo do seu pai. Quando éramos adolescentes fizemos isso e aquilo. Éramos muito aventureiros.
Nosso ouvinte talvez nem estivesse interessado em histórias de pais ou avós. Mas nós o alugamos, não por ele, e sim por nós. Queremos reviver aquilo que fizemos e que foi, à época, um divisor de águas na monotonia. Estamos atrás do nosso tempo perdido.
E por quê? Porque deixamos de gerar histórias que valham à pena; deixamos de ser protagonistas de um mundo novo, de um novo futuro. O passar dos anos nos tornouestes nostálgicos chatos que olham para trás com saudades de um tempo onde a juventude proporcionava força para avançar, vontade para conquistar, coragem para enfrentar o perigo e amores arriscados.
Porém, a cada dia que passa, mais o tempo se perde e a memória se torna a única protagonista, a única força que age. O verbo mais importante em qualquer língua é o verbo agir. E quando buscamos nosso tempo perdido é porque começamos a deixar de agir. Caímos no desimportante, na auto misericórdia, na impotência frente ao futuro, valorizando o passado como se ele tivesse sido, no seu todo, o melhor tempo do mundo. Ele foi muito bom. Mas certamente, não no seu todo.
Então esquecemos ousadias, preconceituamos avanços que antes apoiávamos; tornamo-nos fascistas por nostalgia,desvalorizando as loucuras da juventude que são, por fim, as únicas grandes histórias que temos para contar.
Investimos uma vida na felicidade. Por ela éramos ousados, malucos, enfrentávamos o desconhecido. E nem sabíamos se a encontraríamos ou não. Importante era tentar! Se ela seria engolida pelo nada no futuro, pouco importava. Importava ser protagonista, mesmo que de uma quimera; mesmo que os tijolos daquele castelo virassem pó, como viraram.
Enquanto o tempo escorre por entre nossos dedos e se perde no nada, ao nada deslizamos com ele. Apesar do desespero estampado em nossos rostos, jamais vamos recuperá-lo. Por isso, verte uma amargura nos olhos lacrimosos dos velhos. A melhor idade é uma falácia inventada para aplacar a angústia dos nossos últimos dias. O pouco que resta, não vai gerar qualquer história interessante para contar. Já perdemos o prazer pelo risco, o prazer pelo novo… o prazer!
Marcel Proust,velho e doente, ao final da vida e para terminar sua obra fantástica, escrevia dia e noite. Sua memória, a única força que agia. Um herói, protagonista de uma vida que o traía, partindo dele um pouco a cada dia. Os vencedores não permitem que se erijam monumentos aos derrotados. O tempo, o mais cruel dos vencedores. A História, contudo, filha do tempo, porém mais humana, redimiu Proust deste fim. Mas não nós, que somos pessoas comuns. A agonia e a ruína nos derrete com os relógios.
Na cadeira de balanço tentamos ver entre as dobras das rugas; no intervalo entre dois neurônios com Alzheimer, só mais 15 minutos daquele tempo perdido.

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