Lá atrás, bem lá atrás, quando deixamos de ser quadrúpedes e passamos a andar eretos, isso teve preços. Um deles, o estreitamento dos quadris femininos que tornou os partos mais difíceis. Portanto, os filhos que nasciam mais precocemente, com cérebro e cabeça mais maleáveis, tinham mais possibilidade de vingar. Por isso, ao contrário de outros mamíferos, cujos filhotes nascem praticamente prontos, os dos humanos são indefesos e dependentes por muitos anos.
Criar filhos, portanto, tornou-se necessidade da tribo toda e os laços sociais começaram a surgir. Na metáfora do escritor Yuval Harari, a maioria dos mamíferos sai do útero pronta. Os humanos saem como vidro derretido. Podem ser retorcidos, esticados, moldados. E, por isso, podemos educá-los. E foi pela necessidade de educar as crias e, depois, com o desenvolvimento da linguagem, que nos tornamos o que somos. Por um lado, poetas e músicos por amor à beleza; por outro, nos qualificamos ainda mais no que antes sempre fomos: predadores uns dos outros e do planeta.
O conhecimento é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que nos prepara para a vida, nos dá condições de dilacerar quem não faz parte de nossa turma. De qualquer forma, o pensamento humanista é baseado na educação. As sociedades de milhões de anos atrás sabiam que precisavam ensinar e proteger seus jovens para que sobreviessem num mundo hostil. E ainda hoje tudo é muito hostil.
Se não enfrentamos animais selvagens, fome, desordens de todo tipo, enfrentamos corruptos, desemprego, gente vil e malvada por falta de instrução; e pior: gente vil e malvada usando a instrução que recebeu. Portanto, não há como deixar a prole, a descendência desamparada, sem educação e conhecimento. Educação e conhecimento para sobreviver, como nossos ancestrais. Educação e conhecimento são grandezas que nunca se esgotam. Cada nova geração precisa destas ferramentas. É como podemos nos defender do futuro enquanto humanidade.
Educar é a maior herança que podemos deixar. E se a natureza nos exigiu isso, dizendo, lá no começo, “educa ou morre”, não há porque desdizê-la. Educar é parte do processo. Daí foi que inventamos, por necessidade, instituições como família, escola e sociedade que fazem as vezes das velhas tribos. Se não estamos fazendo direito, é outra conversa, mas não deixaremos de ser frutos do meio em que vivemos. Melhorar este meio é nossa tarefa enquanto ainda estamos aqui.
Reforçar nossa humanidade é uma tarefa árdua. Por vezes, sucumbimos ao momento e, por conta das atrocidades do cotidiano, clamamos por mais atrocidades, mais hitleres, mais bolsonaros. Manter a integridade, o culto à não violência não é fácil em tempos onde cada morte pede mais mortes como compensação. É mais fácil usar métodos bandidos quando bandidos são os mais fortes e os líderes políticos da sociedade. Porém, é preciso resistir. Maldade sempre houve, mas nem por isso deixamos de sonhar uma humanidade melhor.
Não sucumbir à maldade do mundo é um ato sublime. E é preciso manter-se neste caminho. Mesmo que isso pareça ingenuidade.
Ainda temos tempo, e para que o mundo não se acabe por nossa culpa, de educar e espraiar todo conhecimento coletado em milênios. Mais escolas e menos cadeias. Se isto nos salvará enquanto povo, eu não sei. A natureza fez de tudo para nos avisar quando nos fez bípedes. Se ainda parecemos quadrúpedes, não é culpa dela. É só nossa!