Escrever crônica em jornal começa sempre por uma primeira pergunta: que assunto abordar? Alguns temas são mais fáceis, tocam mais o coração do leitor, e até emocionam. Mas há também temas que servem para questionar, fazer pensar. E que não devem ser pura perda de tempo para quem lê.
O assunto de hoje talvez não seja nem dos mais simples, nem dos mais fáceis.
Eu já tinha muitos anos de formado, quando, pela primeira vez, ouvi a expressão“Cuidados Paliativos”. Foi num Congresso Brasileiro de Clínica Médica em São Paulo. Lembro que o carismático Professor da USP que apresentou o assunto referiu que até então apenas duas Faculdades de Medicina no país tinham uma disciplina de Tanatalogia, ou estudo da morte. Isto mostra como a formação médica esteve afastada muito tempo de um assunto que faz parte de sua realidade e de seu dia a dia: a finitude e a morte.
Durante o curso médico, o foco era muito mais o de aprender a diagnosticar e tratar, curar, lutar pela vida e vencer a morte. Para isto éramos preparados e treinados. Mas pergunto: será suficiente apenas uma formação científica qualificada para lidar tão somente com aspectos orgânicos e físicos, se não apoiada em valores existenciais, éticos, filosóficos ou religiosos? Se não impregnada de generosas doses de humanismo e de compreensão da alma humana?
É de fato dever do médico e da Medicina usar de todos os recursos teoricamente possíveis e oferecidos pela Ciência. Mas sem esquecer de avaliar se são os pertinentes para cada paciente em particular. Há situações cuja gravidade, além de ameaçar a vida, indicam que se chegou a uma situação irreversível. Apesar de toda a Ciência.
É aí, quando parece que não há mais o que fazer, que se pode ter a máxima oportunidade de muito fazer. Neste ponto entram os cuidados paliativos. Que não são abandono, mas um qualificado conjunto de cuidados multidisciplinares, com foco no alívio da dor, do desconforto e do sofrimento. De não apenas tratar a doença que o paciente tem, mas de cuidar e aliviar o paciente que tem a doença. É a hora da presença, do apoio, do carinho. Da reconciliação e do perdão. Da dignidade nas etapas finais. Do preparo para a grande viagem. A partir de um certo momento, para quê condutas intervencionistas, fúteis e agressivas? Cateteres, sondas e monitores? Para morrer na solidão de uma UTI?Acho que deve ter melhorada a compreensão dos médicos e das pessoas em relação a finitude, desde o Congresso de que participei.
Para finalizar, gostaria de compartilhar com vocês a indicação de uma profissional que cada vez que a assisto em algum vídeo no Youtube, me deixa emocionado. Talvez alguns de vocês já a conheçam. É a Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes. Tem livros publicados, baseados em suas palestras. Um deles:“A morte, um dia que vale a pena viver”. Recomendo. Toca na alma. Nos faz pensar. E pensar faz bem.
Grande abraço