Com o envelhecimento da população é natural que algumas dificuldades naturais da velhice sejam mais presentes na nossa sociedade. Passos mais lentos, a visão nem tão clara, uma dor ou outra que surge. São os desgastes que a máquina chamada corpo humano vai tendo quando você alcança os 70, 80, 90…anos. O problema é que não se pode colocar qualquer sintoma na conta da velhice e assim deixar passar os alertas que o corpo oferece quando algo não vai bem. A longevidade traz um alerta para ocorrência de doenças como o câncer, em especial aqueles que os sintomas são confundidos com os do envelhecimento, como é o caso do mieloma múltiplo.
Trata-se de um câncer hematológico que afeta a medula óssea que acomete principalmente pacientes com mais de 65 anos. A doença se manifesta quando há um crescimento desordenado dos plasmócitos, células do sangue que pertencem ao sistema imunológico. “Embora seja raro, o mieloma múltiplo é o segundo tipo de câncer de sangue mais comum na população, sendo mais frequente que a leucemia aguda”, diz a médica Danielle Leão, Hematologista e Pesquisadora Clínica em Neoplasias hematológicas da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Além disso, dados da International Myeloma Foundation (IMF) apontam que surgem, por ano, cerca de 15 mil casos novos da doença no Brasil e 750 mil pessoas convivem com o mieloma múltiplo no mundo.
Alguns sintomas da doença podem ser confundidos com sinais do envelhecimento, como dor nas costas, fraturas e cansaço, que podem deixar os pacientes cada vez mais debilitados, tornando difícil até mesmo se vestir ou fazer outras tarefas rotineiras. “A presença de um cuidador se torna essencial nesses momentos, para auxiliar e apoiar o paciente em sua jornada”, explica a Danielle. “Essa pessoa não precisa ser um profissional da área da saúde. Também se encaixam nessa atividade familiares ou até mesmo amigos que possam ajudar o paciente nesse momento”, comenta a especialista.
Devido a esses impactos, a doença pode causar mudanças bruscas no dia a dia do paciente. Em pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE) com 200 pacientes de mieloma no Brasil, 53% deles relataram mudança na rotina após o tratamento e 60% tiveram que deixar seus trabalhos ou têm dificuldade de conseguir um emprego por conta da doença. A pesquisa mostra ainda que 98% dos pacientes entrevistados nunca tinham ouvido falar no mieloma múltiplo antes do próprio diagnóstico. Danielle Leão ressalta a importância da informação para o diagnóstico precoce.
“Alertar a população sobre os sintomas desse câncer é essencial. Embora a doença não tenha cura, o cenário de tratamento é promissor, mas para isso a descoberta em estágios iniciais é fundamental”, destaca.
As novas terapias são mais eficientes e menos tóxicas, permitindo que o paciente tenha uma melhora significativa na qualidade de vida. Ao ter um diagnóstico precoce, esses benefícios são multiplicados, evitando que o paciente fique muito debilitado e permitindo alcançar melhores resultados com o tratamento. “É importante ficar atento aos sinais e sintomas e, quando houver suspeita, o paciente deve procurar um médico. Além do hematologista, um bom clínico geral ou geriatra podem auxiliar nesta investigação. Isso é essencial para contribuir para o diagnóstico precoce e possibilitar que o indivíduo da terceira idade com mieloma possa continuar vivendo sem perder qualidade de vida”, conclui a Hematologista.
Confira entrevista com o Hematologista Walter M. T. Braga*
Jornal Ibiá: O que é o mieloma múltiplo e quais sintomas servem de alerta?
Walter M. T. Braga: O mieloma múltiplo é a neoplasia maligna (câncer) de uma célula específica do sangue chamada plasmócito. É uma célula de defesa responsável pela produção de uma proteína de defesa conhecida como imunoglobulina. Os principais sintomas do mieloma são a anemia e dor lombar (nas costas), mas podem existir também alterações na função dos rins e o risco do desenvolvimento de fraturas ósseas espontâneas.
Ibiá: A quem ele atinge? Está unicamente vinculado a idade do paciente? Qual o percentual de casos em cada faixa etária?
Walter: Atinge principalmente indivíduos idosos. Mais de 60% dos casos atinge a faixa etária acima dos 60 anos de idade. Acredita-se que fenômenos relacionados ao envelhecimento estejam relacionados ao desenvolvimento desta doença, não havendo uma relação pré-estabelecida com algum fator causal.
Ibiá: Temos números de casos no Brasil?
Walter: As estatísticas são pobres, mas sabe-se que no ano de 2015, 2.889 pessoas morreram no Brasil por conta do Mieloma Múltiplo, 29% no estado de São Paulo. Acredita-se que ainda exista um atraso no diagnóstico já que os principais sintomas se confundem com sintomas inerentes às pacientes idosos, que são a dor lombar e a anemia.
Ibiá: Considerando o envelhecimento populacional pelo qual o Brasil passa, podemos dizer que cada vez mais esse câncer será visto na população?
Walter: Sim, à medida que a população envelhece, que melhoram os exames para a detecção da doença de maneira precoce e que melhoram o tratamento e se aumenta a expectativa de vida de indivíduos com mieloma, com certeza teremos um incremento significativo nos números de pessoas com esta patologia.
Ibiá: O que causa mieloma múltiplo? Existe prevenção ou é uma questão genética que não temos como evitar?
Walter: Ainda não se encontra estabelecido um fator diretamente relacionado ao desenvolvimento do mieloma, a recomendação que se faz sobre prevenção é a mesma para todos os tipos de doenças neoplásicas, como cultivar hábitos de vida saudável evitando cigarro, exposição a substâncias tóxicas, radiação ionozante, bem como controle de peso e exercício físico regular.
Ibiá: Como é o tratamento?
Walter: O tratamento do mieloma envolve o uso de quimioterapia. Pacientes com menos de 70 anos de idade e boa condição física, devem ser encaminhados, após alguns ciclos de quimioterapia, para o procedimento “transplante autólogo de células tronco” que nada mais é do que uma quimioterapia em alta dose com a infusão de células troncohematopoéticas do próprio individuo previamente colhidas. Indivíduos com mais de 70 anos de idade receberão quimioterapia em ciclos determinados ou de maneira continua.
Ibiá: Ele é oferecido na rede pública?
Walter: Sim. Todos os pacientes com mieloma múltiplo têm tratamentos pré-determinados, a diferença é que ainda na rede pública algumas medicações ainda não estão aprovadas pelos órgãos reguladores.
Ibiá: Existe cura?
Walter: Ainda trata-se de uma doença incurável. Mas os tratamentos atuais são capazes de deixar a doença sob controle por longos períodos de tempo. Quanto mais tardio se faz o diagnóstico do mieloma, maiores são os riscos de sequelas que vão desde a perda da função renal até sequelas motoras por fraturas desenvolvidas por causa da doença. O diagnóstico precoce da doença é fundamental para que se possa garantir qualidade de vida de redução do impacto da doença sobre o individuo e familiares. O reconhecimento dessa doença por todos os profissionais de saúde é fundamental para que possamos iniciar o tratamento prontamente.
* Walter M. T. Braga é Hematologista e responsável pelo ambulatório de Mieloma Múltiplo da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp