Os avós – alguns, pelo menos – teimam em ver saúde nas gordurinhas infantis. Uma criança gordinha faz sucesso na família. Mas, essa associação entre ganho de peso e saúde não é verdadeira. Crianças com excesso de peso têm risco maior de se tornarem adolescentes e adultos obesos. E a consequência do aumento de peso é o desenvolvimento precoce de doenças crônicas como diabetes, hipertensão, colesterol alto e doenças cardiovasculares.
Essa questão hoje é tratada como um problema de saúde pública e é alvo de uma campanha do governo federal. É considerado obesidade infantil quando uma criança apresenta peso maior do que deve para sua idade e altura. As faixas de Índice de Massa Corporal (IMC) determinadas para crianças são diferentes dos adultos e variam de acordo com o gênero e a idade. Muitos fatores contribuem para o ganho de peso, mas os maiores vilões são a alimentação inadequada e a inatividade física associada a troca de brincadeira ao ar livre pela utilização em excesso de aparelhos eletrônicos.
Mas quando este problema de saúde pública tem início? Seria quando a criança passa a comer fora de casa, na creche? Ou antes, quando como a receber alimentos além do leite? Ou será ainda na gestação? É natural que a gestante se preocupe com o que ingere para que isso não afete de forma negativa seu bebê e, apesar da relação com a obesidade ser mais perceptível a partir do oferecimento de alimentos industrializados à criança, a alimentação correta e os bons hábitos começam ainda no útero. Conversamos sobre o assunto com a nutricionista e mestra em Nutrição e Alimentos Geórgia Bachi, que está grávida de 8 meses. Ela destaca que o momento da gravidez é de preocupação no âmbito alimentar a respeito da saúde de mãe e bebê e não exatamente sobre a obesidade, mas que se trata de uma hora em que as pessoas – agora pais – estão mais conscientes.
“A gestação é o momento oportuno para realizar uma reeducação alimentar, a fim de mantê-la após o nascimento, garantindo que a criança receba alimentos nutritivos, pois estará seguindo o exemplo dos pais”, destaca Geórgia. Há casos em que a gestante corre riscos – e o bebê também – porque a gestação ocorre com ela muito acima do peso ideal. O ganho de peso fora de controle antes e durante a gestação poderá acarretar em complicações como: sobrepeso do bebê ao nascer, complicações no parto, diabetes gestacional e pressão alta. Mas a gestação não é o momento para dietas radicais. “Ganhar pouco peso também não é bom, podendo gerar um parto prematuro”, alerta ela. Não existe uma conta exata de ganho de peso ideal. O considerado ideal varia entre 6 a 14kg, de acordo com o peso pré-gestacional. No caso de uma gestante com excesso de peso ou obesidade, o nutricionista trabalhara a reeducação alimentar, onde serão proporcionados os nutrientes necessários para cada etapa da gestação.
Gestante pode comer de tudo?
Mesmo no caso de uma gestante com peso normal, a tendência é que o consumo de alimentos durante a gravidez seja mais regrado, pensando nos nutrientes necessários para que o bebê se forme da melhor maneira possível. Geórgia Bachi explica que a maior preocupação será com a intoxicação alimentar, assim deverá ser cortado: proteínas cruas ou mal passadas (carnes, ovos) e saladas cruas não higienizadas. Também não são indicados estimulantes como café, chá verde/preto. A alimentação da gestante deve ser variada e rica em fibras. Quando é difícil seguir uma alimentação variada, por causa de enjôos, por exemplo, é possível incluir um suplemento multivitamínico na rotina alimentar.
Na lactação seguirá a mesma dieta que durante a gestação, eliminando o consumo de álcool e estimulantes. E manter um volume adequado de líquidos para ajudar na produção de leite.
Engana-se quem pensa que para uma profissional da área nutricional as mudanças são reduzidas. Na tentativa de oferecer o melhor para o bebê que espera, ela fez mudanças na sua rotina alimentar. Trocou alimentos convencionais por versões orgânicas, tentando evitar o consumo de produtos químicos artificiais. “Não consumo nada que não tenha conhecimento da procedência quanto à higienização, como nos casos de vegetais e saladas cruas, incluindo também carne mal passada e ovo cru, pelo risco de contaminação por toxoplasmose, salmonela e outras bactérias”, conta.
Os alimentos que estão entre os mais nutritivos de suas categorias entram diariamente na dieta: ovo, aveia, carne, coco, castanha, whey protein (livres de ingredientes artificiais), frutas, além dos tradicionais alimentos que compõem o almoço e jantar. Ela também passou a contar com uma suplementação bastante extensa. Desde um multivitamínico, para garantir o fornecimento de todos os nutrientes; iodo, para suporte tireoidiano tendo hipotireoidismo; vitamina C, visando aumentar imunidade; Ômega 3, pelo desenvolvimento cerebral da criança e sanidade da mãe; cálcio, com foco no desenvolvimento de ossos; probióticos, para regular o intestino e garantir a correta absorção dos nutrientes; e Whey Protein, para garantir o aporte proteico diário.
Sobre as atividades físicas, ela conta que realiza musculação três vezes e caminha de uma a duas na semana. Também iniciou meditação e fisioterapia pélvica para auxiliar no momento do parto e pós-parto. Além disso, é claro, realiza todo o atendimento médico de pré-natal.
Mito ou verdade?
É comum gestantes serem aconselhadas a consumir atum. A explicação estaria no desenvolvimento cerebral da criança, que seria mais inteligente recebendo esse nutriente quando ainda no útero. E sim, é verdade. Mas se estende a outros alimentos além do atum e tem restrições. Geórgia Bachi esclarece que o consumo de boas fontes de gordura possui papel importante para o desenvolvimento do cérebro da criança e sanidade da mãe, pois o organismo compreende como prioridade dispor a gordura para o bebê, e às vezes, em uma dieta pobre, faltará gordura para a mãe, podendo acarretar em depressão pós-parto. “Não é à toa que uma ingestão adequada de Ômega 3, normalmente por suplementação, é fundamental e largamente propagada para grávidas e lactantes. Alguns estudos estão mostrando que o peixe em si, atualmente, é rico em metais pesados, por isso a suplementação (quando mencionada livre de metais pesados) é a melhor opção”, detalha.
Na primeira infância, atenção com a formação dos hábitos alimentares
Já é explicado pela ciência que o paladar humano é capaz de se acostumar com novos sabores. Uma criança que recebe salgadinhos e refrigerante dos pais está sendo ensinada desde cedo a gostar desses sabores e não dos de frutas e legumes. Passado o período do aleitamento, é indicado oferecer às crianças um alimento novo por dia.
“Começando com frutas e legumes, e depois carnes e demais proteínas, que são mais difíceis de digerir. Não existe uma quantidade exata, entretanto, inicialmente é interessante ofertar alimentos amassados com um garfo, evoluindo para raspados e pedaços macios deixando que a criança opte pela forma que estará levando o mesmo à boca”, orienta Geórgia. Os sinais de fome da criança são fundamentais para o processo de aprendizagem em relação à alimentação, devendo respeitar a saciedade caso não queira mais comer. É importante, ainda, colocar a criança para comer com a família, deixando-a livre para segurar os alimentos.
Querer agradar o filho ou o neto é normal, mas a especialista sugere mudanças na forma como isso é feito. “Ganhar o amor da criança com doces e guloseimas ao bel-prazer poderá acarretar doenças futuras”, alerta. A dica, segundo Geórgia, é substituir e não simplesmente esconder da criança. “Se não, ela acabará provando e achando o gosto de itens açucarados mais fascinante”, orienta. O achocolatado em pó, por exemplo, pode ser substituído por cacau e açúcar mascavo ou um Whey Protein sabor chocolate sem adoçantes artificiais em quantidades pequenas.
Não quero!!!!
Qual pai ou mãe não escutou essa frase, acompanhada de cara feia, dos filhos que não querem algum alimento? A dúvida é sempre a mesma: insistir ou aceitar que a criança não gosta daquele sabor ou já está satisfeita? Neste caso, a nutricionista orienta que a manifestação de saciedade da criança deve ser respeitada e não se deve ficar forçando a criança a comer. “Contudo, quando a alimentação passa a ficar restrita pelas escolhas limitadas, é interessante incorporar os alimentos que não são habituais em formatos diferentes e junto a outros preparos, para garantir a adequação nutricional”, diz Geórgia. Habitualmente a criança se espelha nos pais, se os mesmos consomem refrigerantes e itens processados, que são mais agradáveis ao paladar, a criança irá direcionar a alimentação para o prazer e não para se nutrir. A alimentação saudável começa pelo exemplo.
Evite oferecer na primeira infância
– Estimulantes como café, chá preto, chá verde;
– Mel (pode apresentar contaminação pela bactéria do botulismo que a criança não está imunizada antes de um ano de idade);
– Alimentos processados e ultraprocessados como biscoitos recheados, salgadinhos “de pacote”, refrigerantes e macarrão instantâneo.
Obesidade infantil é questão de saúde
Crianças com excesso de peso têm risco maior de se tornarem adolescentes e adultos obesos. A alimentação inadequada e a falta de atividade física são as principais causas da obesidade infantil, mas o ambiente em que a criança está inserida também contribui bastante. Para a coordenadora geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Gisele Bortolini, é preciso proteger a criança da exposição e da publicidade de alimentos não saudáveis. “A família tem papel fundamental na escolha dos alimentos que são oferecidos às crianças, mas temos que tomar cuidado para não culpabilizar os pais”, adverte.
Desde os primeiros anos de vida, as crianças estão consumindo pouca variedade de alimentos saudáveis como frutas, verduras, alimentos in natura ou minimamente processados e estão sendo expostas a doces, frituras, gorduras e alimentos ultraprocessados que podem prejudicar a sua saúde. “Alimentos ultraprocessados são formulações industriais que normalmente têm pouca comida de verdade na sua composição. Se na lista de ingredientes tem muitos nomes que você não reconhece, é sinal de que é um alimento industrializado, como o refrigerante, a bolacha recheada e o salgadinho”, ensina Gisele.
Para incentivar os hábitos saudáveis, o Ministério da Saúde realiza a campanha “1, 2, 3 e já! Vamos prevenir a obesidade infantil”. A ideia é incentivar as crianças a seguirem três passos simples para evitar o sobrepeso: alimentação saudável, atividade física e brincadeiras longe das telas da TV, celular e jogos eletrônicos.
O problema é apontado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, como um “verdadeiro drama” e o fenômeno é global. Dados do ministério apontam que três de cada 10 crianças de 5 a 9 anos atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) estão acima do peso, um total de 4,4 milhões. Do total de crianças, 16% (2,4 milhões) estão com sobrepeso, 8% (1,2 milhão) com obesidade e 5% (755 mil) com obesidade grave. Abaixo de 5 anos, são 15,9% com excesso de peso.
A coordenadora geral de Alimentação e Nutrição do Ministério, Gisele Bortolino, destacou que o órgão iniciou, neste ano, o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani). O levantamento já foi finalizado em 11 estados, com 143.330 domicílios visitados. Os primeiros resultados serão apresentados no segundo semestre de 2020. “O objetivo é avaliar o estado nutricional das crianças e as deficiências nutricionais. O último inquérito, de 2006, mostrava a prevalência de anemia de 20% e hipovitaminose de 17%. Então, esse inquérito tem o objetivo não só de ver a questão do excesso de peso, mas também o estado nutricional e, a partir disso, fazer a discussão das políticas para as questões encontradas.”