Até fevereiro, Polícia Federal recebeu 3,5 mil solicitações de refúgio e fez 4 mil agendamentos para atendimento em outubro
A regularização dos migrantes venezuelanos que estão entrando no Brasil sem documentação tem sido a principal frente de atuação do Ministério do Trabalho em Pacaraima, município de Roraima localizado na fronteira com a Venezuela. Até fevereiro deste ano, a Polícia Federal tinha recebido 3,5 mil solicitações de refúgio e feito 4 mil agendamentos para solicitações futuras até outubro. Mas calcula-se que esse número seja muito maior, pois a fronteira tem 90 quilômetros de extensão, a maior parte em território indígena, e há registros diários de entrada e saída de migrantes do país vizinho.
O primeiro passo para a regularização temporária já foi dado quando o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), presidido pelo Ministério do Trabalho, publicou uma resolução que permite aos venezuelanos em situação irregular no Brasil solicitarem residência temporária, pelo prazo de até dois anos, para regularizarem sua presença no país.
Agora, o Ministério do Trabalho tem feito reuniões internas com as equipes técnicas para estudar os próximos passos, pois o presidente do CNIg e responsável pela Coordenação de Imigrações do ministério, Hugo Gallo, entende que a resolução, sozinha, não poderá resolver todo o problema. “Ela permite aos venezuelanos buscarem a regularização, mas não os obriga. Ou seja, tem uma parte que vai querer fazer e outra não”, explica.
Gallo lembra que a regularização permite a migrantes acesso a documentos como registro de estrangeiro no Brasil e carteira de trabalho, o que lhes possibilita buscar um emprego formal no país. “Trabalhando formalmente, eles não precisarão mais se submeter a subempregos, sem controle de jornada e com remuneração muito abaixo da média. Isso vai ser importante para os venezuelanos e também para os brasileiros que poderão trabalhar em condição de igualdade”, avalia.
Missão de reconhecimento
A convite do Ministério Público Federal (MPF), o Conselho Nacional de Imigração participou de uma missão em Roraima, em Pacaraima e na capital Boa Vista, no início de março, para analisar a situação dos venezuelanos no contexto social daquela região. O grupo conversou com os migrantes e com os brasileiros que vivem na fronteira e participou de uma audiência pública, que teve também a participação do poder público local.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto do MPF, João Akira Omoto, que esteve na missão, explica que nem todos os venezuelanos que estão entrando no Brasil ficam no país. Muitos cruzam a fronteira apenas para comprar mantimentos e depois retornam. Entre os que ficam, há também aqueles que não têm interesse em ficar em definitivo no Brasil. “Conversamos com vários venezuelanos e muitos relatam que estão aqui até melhorar a situação econômica e a segurança pública na Venezuela”, conta.
O outro problema que está ocorrendo na fronteira não afeta diretamente os trabalhadores, mas acaba tendo reflexos sociais. É a questão indígena. Akira conta que há estimativas apontando para a presença entre 250 e 300 indígenas na etnia Warao nas cidades de Pacaraima, Boa Vista e Manaus. Mas eles não se deslocam para trabalhar e sim para a venda de artesanato e mendicância e depois retornam à Venezuela.
“Esses índios têm feito deslocamentos dentro do território da Venezuela desde a década de 1960 quando, por motivos ambientais na região deles, no delta do Rio Orinoco, começaram a ir para as cidades com o objetivo de fazer o que eles chamam de coleta. Mas eles sempre voltaram. Começaram a vir para o Brasil em 2014, e fazem aqui o mesmo que fazem na Venezuela: coletam o que precisam e voltam para o território. Estima-se que existam na Venezuela em torno de 48 mil indígenas Warao. No Brasil, o número nunca passou de 500”, conta.
Para Akira, a situação na fronteira entre Brasil e Venezuela é delicada e foge dos padrões normais de migração para o Brasil e do que caracteriza o refúgio, que tem sido motivo dos pedidos oficiais de permanência apresentados até o momento pelos venezuelanos. “É necessário avaliar com muita calma o fenômeno para encontrar uma solução que seja benéfica para todos os envolvidos”, opina.