Nomeação de parentes de vereadores na Prefeitura levanta dúvidas

Especialista explica que, ao contrário do apontado, prática ainda não é nepotismo cruzado

A nomeação de parentes de vereadores em cargos de chefia na Prefeitura de Montenegro provocou críticas nas redes sociais. A escolha do irmão da vereadora Camila Carolina de Oliveira (Republicanos) como chefe de Programas e Projetos Sociais na secretaria de Habitação, feita em agosto; e a do genro do vereador Juarez Vieira da Silva (PTB), feita no início do ano, atualmente para diretor de Desenvolvimento Rural, estão sendo apontadas como práticas de “nepotismo cruzado”.

Os casos ganharam repercussão após uma provocação feita na tribuna da Câmara pelo vereador Felipe Kinn (MDB) à Camila, que sugeriu que a prática estava ocorrendo.

Especialista ouvida pelo Jornal Ibiá, porém, explica que as situações, da forma como elas ocorreram, não se enquadram como o referido nepotismo cruzado. Ainda assim, Bianca Pazzini, que é professora de Direito Administrativo na Fundação Escola Superior do Ministério Público; e Mestre em Direito e Justiça Social, entende que os casos podem estar, sim, ferindo princípios da Constituição.

Veja a entrevista:

O que caracteriza o nepotismo? Nepotismo, apesar de não termos uma lei que defina isso no Brasil, se caracteriza pela indicação de familiares desse que indica ao exercício de determinado cargo. O gestor público acaba se utilizando da coisa pública como se fosse sua no sentido de que indica os próprios parentes para que exerçam os cargos públicos.

Bianca Pazzini, professora de Direito Administrativo na FMP. FOTO: ACERVO PESSOAL

E o que seria esse nepotismo cruzado? Ele ocorre quando há essa indicação de parentes para o exercício do cargo, mas o gestor público, ao invés de indicar um parente seu pra trabalhar consigo mesmo, indica o parente de um outro agente político para que cruze esse favorecimento. Então, o outro agente público contrata o parente desse que indicou. É uma indicação recíproca para que não fique configurado esse nepotismo tão óbvio, que é a indicação do parente diretamente.

O que regra a proibição a essas práticas? A gente entende, por posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que esses nepotismos seriam violações à Constituição Federal. Apesar de a Constituição não usar a palavra nepotismo, ela proíbe que se violem alguns princípios da Administração Pública. E têm três em especial que estariam sendo violados, os princípios da moralidade, da impessoalidade e o da eficiência. Quando há a indicação de parentes, se deixa de observar o bom andamento da Administração Pública; se deixa de colocar alguém que teria condições técnicas de exercer aquele cargo para favorecer um vínculo pessoal.

No caso do “cruzado”, não havendo a contrapartida direta, que seria o vereador contratando de volta um parente do prefeito, não há enquadramento como nepotismo? Não. Em princípio, para que se configure o nepotismo cruzado, tem que haver a indicação recíproca. Mas isso não quer dizer que indicar um parente de outro ente público não configure uma afronta à Constituição. Me parece que esse tipo de favorecimento também viola os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência, sendo contrário ao interesse público e, assim, passível de punição. Se for comprovado que a pessoa está sendo indicada por favoritismo político, por uma questão de manter o poder nas mãos daqueles que já têm ou naquela lógica de ter certa influência nas futuras decisões daqueles agentes, isso não pode ser albergado pelo Direito brasileiro. Inclusive, há a possibilidade de enquadrar a conduta como crime de tráfico de influências, que é previsto no Código Penal. Essa indicação é passível de análise do Direito e pode ser apurada na esfera penal ou por meio de ação popular.

A senhora entende que vale como defesa o argumento de que o nomeado, apesar da relação de parentesco, tem formação técnica para o cargo? Isso vale mais ou menos, porque dificilmente se configuraria, na prática, a inexistência de alguém que fosse neutro e não tivesse condições melhores do que essa pessoa que foi indicada. Isso são teses do Direito, não respostas absolutas, mas me parece que mesmo que o nomeado tenha condições técnicas para exercer o cargo, outras também teriam. E essas outras deveriam ter preferência justamente para que não se viole o princípio da impessoalidade.

Cabe a quem investigar esse tipo de questão? Qualquer cidadão tem legitimidade para entrar com uma ação popular, que é uma ação judicial em que se pede ao Poder Judiciário a anulação desses atos que violariam o interesse público; e depois de decretada a sentença, anulando a nomeação, ainda poderia ter como consequência o que a gente chama de ‘perdas e danos’, para que esse que violou a regra da Administração Pública faça uma espécie de ressarcimento ao Poder Público. Mas, o que a gente aconselha de modo geral é que se faça a denúncia para o Ministério Público. O Ministério Público tem vários meios institucionais de receber essa denúncia, tem a vocação institucional de fazer esse tipo de investigação e vai poder, então, dar caminhos mais eficientes para essa denúncia. Ele vai ter maior competência técnica para apurar esse tipo de situação que a gente considera irregular.

Apenas Juarez se manifestou sobre o caso
Contatados pela reportagem, o Governo Zanatta e a vereadora Camila resolveram não se pronunciar sobre os casos. Já o vereador Juarez reforçou o entendimento de que não houve o chamado nepotismo cruzado; e defendeu a capacidade do genro para trabalhar na Administração. “Ele faz parte da executiva do partido e foi convidado a participar pela formação dele, os méritos dele e os vários anos que ele trabalhou na Prefeitura de Pareci Novo. Não tem nada a ver diretamente comigo”, declarou.

Na história recente, casos envolvendo práticas de nepotismo em Montenegro não têm sido raros. Talvez o mais emblemático tenha ocorrido no Governo Percival de Oliveira, quando o prefeito nomeou o pai, Vaceli de Oliveira, como secretário municipal. Apesar do Ministério Público ter ingressado com processo pedindo o afastamento, a Administração foi recorrendo e o cargo seguiu ocupado por quase todo o mandato; até ele ter sua exoneração oficialmente ordenada. O argumento em favor da nomeação eram os anos de experiência do pai de Percival.

Outro caso recente ocorreu no Governo Paulo Azeredo, com a nomeação da companheira do então vice-prefeito Luiz Américo Aldana para um cargo de chefia na secretaria de Educação. Também pesava o argumento do preparo da nomeada, que tinha anos de experiência na rede pública de ensino. Mas, em meio à polêmica, ela pediu exoneração do cargo. Na região, um caso recente foi registrado em 2017, em Pareci Novo, quando o falecido prefeito Oregino Francisco nomeou a filha, Jordana, para a sua secretaria de Administração.

Situações parecidas como as em questão, hoje, também já ocorreram. Em 2015, por exemplo, o filho do então vereador Dorivaldo da Silva foi nomeado para a Diretoria de Trânsito da Prefeitura de Montenegro.

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