Sete de Setembro: Após o Grito do Ipiranga, muita coisa precisou acontecer pela liberdade
Quem na escola não foi induzido a pensar na Independência do Brasil a partir do quadro Independência ou Morte do artista Pedro Américo de Figueiredo e Melo? Dom Pedro I montando em seu cavalo, usando farda militar e cercado por uma tropa, ergue sua espada e brada “Independência ou Morte”. Uma versão fabulosa, que inclusive depois foi adotada pela República, mas que pouco tem a ver com um ato desta importância. Na verdade, apenas aquela figura do tropeiro, como o povo que assistiu tudo de fora, é fiel à verdade.
O professor de História Wagner de Azevedo Pedroso concorda que a independência foi um ato movido pelo interesse da elite agrária, cercada de burocracia e violência; além do reino já nascer devedor da Inglaterra. Docente nas escolas municipais Cinco de Maio e Pedro João Müller, ele comenta que introduzir uma visão menos romântica na escola ainda é complicado. Mas na Academia essa versão – real – há muito é debatida e estudada.
A complexidade do processo está em seu início, que, de fato, foi a eclosão da guerra França contra a Inglaterra, liderada por Napoleão Bonaparte. Sem conseguir invadir a ilha da Grã-Bretanha, sua estratégia foi obrigar um bloqueio econômico. Uma postura complicada para quem devia muito aos ingleses, e que manteve seus negócios “por baixo dos panos”. Ao descobrir, Napoleão passou a invadir também essas nações.
Para que o mesmo não acontecesse com seu império, em 1808 a família real deixou Portugal rumo à colônia do Brasil, sob escolta da poderosa Marinha Real Britânica. Uma proteção que não foi de graça. Em troca, foi exigida a abertura dos portos “as nações amigas”, o que o príncipe regente Dom João VI atendeu; pondo fim ao ‘pacto colonial’ através do qual os brasileiros só podiam comprar e vender à – ou através de – Portugal. “E isso desestruturou toda a ideia do que é uma colônia. E é ai que está o processo de Independência”, assinalou Pedroso.
O professor explica os efeitos de ter uma rainha (Dona Maria I) e depois um rei (Dom João) em seu território; de sentir o poder da autonomia de negociar com todo o mundo e ter contato com essas culturas, foi o despertar de sentimentos de nação. “Isso começou a criar na população que vivia aqui aquela ideia de liberdade que não existia como colônia”, aponta.
Guerras e datas divergentes do Sete de Setembro
Os brasileiros estavam tomados pelo mesmo sentimento de “construção da identidade” que fragmentou o território espanhol na América Latina. Mas foi graças a presença da família real que o Brasil se manteve unido, tendo inclusive anexado a Cisplatina (Uruguai), por reivindicação da esposa de Dom João, a espanhola Cartola Joaquina.
Todavia, o professor salienta que este sentimento gestado no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves não era nacional. Um exemplo de pensamento dissonante é a Inconfidência Mineira, que já na década de 1780 sonhou com independência, mas de Minas Gerais em relação ao Brasil e a Coroa. E mesmo após o Grito revoltas foram fomentadas pelos portugueses prejudicados com o fim da dependência.
Houve guerras e que foram abafadas com violência, como no Grão-Pará (Pará) onde houve 1.300 mortes, por um exército de mercenários e oficiais estrangeiros, uma vez que, em sua maioria, os militares Portugueses apoiavam a Coroa. “A Bahia, por exemplo, não comemora o Sete de Setembro. Ela comemora o 2 de julho”, explica, referindo-se ao dia de 1823 no qual o estado, após uma guerra sangrenta, se anexou ao Reino do Brasil.
Portugueses querem seus reis, mas o príncipe ‘fica’
E novamente a guerra dita a política mundial. A derrocada de Napoleão libertou as nações e recolocou tudo em seu lugar. Em Portugal o povo queria o retorno de seu rei, pressão acentuada com a Revolução do Porto (1817/18), que, em seu ultimado, prometia redigir uma constituição. “A constituição é tu criar uma lei que o rei tem que obedecer. Então quebra o princípio do absolutismo”. Dom João retorna, deixando Dom Pedro como príncipe regente do Reino Unido de Portugal e Algarves.
O Brasil não era mais colônia, e os produtores de café e de cana de açúcar queriam manter assim; pensando no comércio direto, inclusive de escravizados. Além disso, recorda o professor, havia benefícios antes nunca sonhados, como urbanização, faculdades, imprensa livre, artes e indústrias. “Tudo isso acaba sendo um processo que vai fazer com que a elite brasileira não aceite mais perder o que ganhou”. Do lado oposto estavam os comerciantes portugueses que viram seus negócios minguarem.
A fidelidade de Dom Pedro (foto acima) era disputada pelos dois grupos, que, de forma figurada, cada um puxava o príncipe regente por um dos braços. Mas logo ele revelou sua preferência, ao trocar os ministros portugueses por brasileiros. Então vem o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) que marca o rompimento definitivo; seguido da convocação de uma assembleia constituinte e do ato dos deputados declarando Dom Pedro “Protetor da Nação”.
Dona Leopoldina e o processo de independência
A Independência era gestada lentamente, provocando a ira do rei Dom João VI, que ameaçava levar o filho a força. O professor aponta que havia clima de guerra; enquanto a elite construía a imagem do ‘Pedro Rei do Brasil’. E Wagner Pedroso assinala que havia sim um amor legítimo do príncipe pela terra onde nasceu e sua gente; vivendo a curiosa situação de ser um monarca Português, primeiro na linha sucessória do Trono de Portugal (que abdicou em favor da filha Dona Maria II de Portugal, que tinha 7 anos).
O professor destaca ainda a importância de José Bonifácio, iluminista formado da Universidade de Coimbra e defensor da divisão do estado em três poderes independentes (pensamento que levou a sua expulsão do Brasil, pois Dom Pedro – um absolutista convicto – não gostou nada da ideia de dividir o Poder; tanto que criou para si o inédito “Poder Moderador”). Mas no processo, destaca principalmente a figura da princesa Maria Leopoldina de Áustria. Letrada, já havia aconselhado o esposo – conservador – quanto à decisão no Dia do Fico.
E em 2 de setembro, exercendo a Regência devido a ausência de Dom Pedro, após o ultimato vindo “do além mar”, presidiu o Conselho de Estado onde foi redigida a carta recomendando que a independência fosse declarada imediatamente, afirmando que este movimento aconteceria “com ou sem ele”. O documento encontra o príncipe em São Paulo, vindo de Santos (certamente da casa da Marquesa Domitila), montado em uma mula, com roupas de tropeiro e sofrendo de constipação intestinal.
Pedroso observa que era de fato um documento oficial, mas não era a Declaração. E tão pouco o Grito do Ipiranga selou a decisão, sendo inclusive ignorado pelo povo, que não soube do ocorrido à margem do riacho. “A gente pensa em nação como uma coisa geral. Só que praticamente ninguém deu bola para o Sete de Setembro”.
Saindo da dependência política e entrando na dívida externa
Além das revoltas e conflitos entre portugueses e brasileiros, como a “noite das garrafadas”, um processo legal foi trabalhado. Entre esses atos, para evitar declaração de guerra, o novo império precisou pagar uma indenização de 2 milhões de Libras Esterlinas à Portugal. Dinheiro que não tinha e pediu emprestado da Inglaterra. “Temos uma independência política, mas entramos em uma dependência econômica”, comenta.
O ato definitivo foi em 1º de dezembro de 1822, após ter sido aclamado pelos políticos, acontece a coroação de Pedro I do Brasil como Imperador, iniciando o Primeiro Reinado, que durou até abdicar ao trono em 1831. Ele retorna ao país da dinastia dos Bragança, onde lutou na Guerra Civil Portuguesa contra seu irmão Miguel, em defesa do direito de sua filha assumir o trono. Lá ficou conhecido como Pedro IV de Portugal, e faleceu em 24 de setembro de 1834, por conta de uma tuberculose.
Uma guerreira que precisa ser lembrada
Além de Dona Leopoldina, o professor Wagner Pedroso faz justiça à importância de outra
brava mulher. Maria Quitéria de Jesus, 30 anos, com habilidades de cavalgada e de tiro – nada comum as mulheres da época – e filha de um pequeno fazendeiro. Ela roubou a farda do cunhado para se apresentar nas tropas leais a Dom Pedro em seu estado, a Bahia. Usava o nome de soldado Medeiros, até ser descoberta, quando seu pai foi buscá-la.
Todavia, seu comandante manteve-a engajada, devido a sua destreza em campo. Participou de três batalhas: de Pitubá, em outubro de 1822; de Itapuã, em fevereiro de 1813 – onde foi promovida Primeiro Cadete; e na Barra do Paraguaçu, em abril de 23, onde liderou um batalhão de mulheres civis. Em agosto de 1823 foi recebida por Dom Pedro, que lhe condecorou com uma das primeiras insígnias de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro.
Professor Pedroso lançará obra na Feira do Livro
Durante a Feira do Livro de Montenegro (4 a 9 de outubro) o professor Wagner de Azevedo Pedroso lança seu primeiro livro. Intitulado “Nazário e um Plano de Rebelião Escrava na Aldeia do Anjos”, a obra analisa uma tentativa de insurreição escrava ocorrida na Freguesia de Nossa Senhora da Aldeia dos Anjos, hoje Gravataí (RS), no ano de 1863.
Ao acompanhar as movimentações das pessoas escravizadas envolvidas na tentativa insurrecional, é possível visualizar uma sociedade que foge ao senso comum sobre as possibilidades de ações e reações dos escravizados, descortinando suas complexas articulações sociais, estratégias de negociação e conflito dentro do sistema escravista local. O livro apresenta reflexões sobre as alterações decorrentes do fim do tráfico negreiro (1850): a elevação do preço dos cativos, concentração de posse escrava e modificações econômicas que afetaram a própria estrutura de dominação senhorial. E, consequentemente, ela afeta o cotidiano dos escravizados envolvidos na tentativa insurrecional.