Fim de mandato. Industrial montenegrino destacou os avanços e os desafios de seus seis anos à frente da entidade
Heitor José Müller sempre achou que o homem é um anjo de uma só asa, por isso tem de abraçar-se a outro para voar. Hoje, após seis anos na presidência da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), tem certeza.
Essa e outras ponderações acerca da vida pautaram o discurso do industrial montenegrino na cerimônia de passagem do cargo para o sucessor, Gilberto Porcello Petry, na gélida noite de terça-feira, 18, no Teatro do Sesi, em Porto Alegre.
Na fala de despedida, Müller afirmou que as suas duas gestões (2011-2014 e 2014-2017), apesar de consecutivas, foram completamente diferentes. “No primeiro período, experimentamos uma fase de crescimento da economia. Já no segundo, vivenciamos o declínio, agravado pela crise política que assolou e ainda assola o País.”
Mesmo nessas situações mais difíceis, ele nunca abandonou o plano de investimentos do Sesi, do Senai e do Instituto Euvaldo Lodi (IEL-RS) — “braços” da Fiergs também sob seu comando. “Claro que foram necessários ajustes, tanto em razão das limitações econômicas, quanto pela evolução das tecnologias.”
A presidência da mais poderosa entidade associativa do Estado exigiu muito, mas muito mesmo, empenho do montenegrino. “Em meio às turbulências, atuamos sem cessar, diariamente, para promover e defender os interesses da indústria. Dediquei-me não full time, mas full life.”
Com 27 anos de engajamento a entidades associativas, o industrial que, entre outras empresas, fundou a Frangosul, o Grupo Vibra e a Novagro, destacou que as organizações precisam de oxigênio novo: “Os estatutos das entidades são sábios ao obrigar a renovação, limitando em duas gestões seguidas a possibilidade de presidir a Casa”.
DISCIPLINA
O montenegrino fez alusão ao aprendizado que amealhou logo cedo na vida, enquanto aluno de internato. “Aos 10 anos de idade me vi entre 265 jovens colegas. Era o número 81, bordado no uniforme. Nesse ambiente com tantos colegas, aprendi a transigir, a negociar, a entender, a aceitar, construir consensos, enfim, a viver em sociedade. A disciplina, logicamente, era um dos elementos fundamentais para a boa convivência. Trouxe comigo essas lições e me esforcei para aplicá-las durante os meus dois mandatos.”
DEVER CUMPRIDO E OBRAS REALIZADAS
Müller passou o bastão a Petry com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. “No IEL, adequamos a educação executiva com cursos mais efetivos e menores custos. No Sesi, inovamos com as escolas de Ensino Médio, hoje referência nacional da educação moderna deste século 21. No Senai, empreendemos dois Institutos de Inovação e seis de Tecnologia.”
São resultados que lhe trazem satisfação. “Chegamos a de julho de 2017 com acervo importante de investimentos e de ações que nos garantiu manter a alta credibilidade da Fiergs, tanto no seu papel institucional, quanto nos serviços prestados ao setor fabril do Rio Grande do Sul.”
BALANÇO
Apesar da convicção de ter feito tudo o que podia — e para isso dedicou seis anos de vida à Fiergs —, o líder empresarial disse que, para alguns, pode não ter feito tudo o que se esperava dele, mas lembrou que tudo tem seu tempo na vida. “Bem sei que alguns queriam mais. São aqueles que acham que o tempo pode andar mais rápido do que a ordem natural do universo. Também já fui afoito. Mas, como diz aquela música, hoje ‘ando devagar, porque já tive pressa’. Para o trabalho realizado, nunca busquei o elogio individual, nem a unanimidade, nem o aplauso fácil.”
Sobre o futuro — além de tornar-se delegado-representante da Fiergs na Confederação Nacional da Indústria — garantiu que vai para “uma nova etapa da minha trajetória pessoal, voltada inteiramente à família e aos meus negócios”.
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar o discurso de despedida da Federação, Müller agradeceu aos familiares que suportaram sua ausência nos últimos seis anos. “Filhos, genro, noras e netos, muito obrigado pelo carinho e compreensão. À Nilsa, minha amada, esposa há 55 anos, um agradecimento muito especial pelo companheirismo de todas as horas nesse mais de meio século de convivência”, ressaltou.
“Há um abismo entre o Estado e a Nação”
Boa parte do discurso de Heitor José Müller na despedida da Fiergs já havia ecoado pelo Clube Riograndense um mês antes, quando ele, a convite da ACI Montenegro/Pareci Novo, fez a contundente palestra Brasil: o Estado e a Nação. “Seria ilógico trabalhar distante da realidade das fábricas.
Seria um contrassenso a Fiergs não estar sempre junto dos industriais. A propósito, um dos problemas do Brasil, a meu ver, é exatamente o distanciamento, o abismo entre o Estado Brasileiro e a Nação Brasileira.” Segundo ele, o descompasso entre o poder público e a sociedade arrasta-se desde que o Brasil Colônia. “Com a vinda de Dom João VI ao Brasil foi necessária a criação de cargos para a nobreza e seus protegidos. Era a Nação trabalhando para a Corte, como infelizmente acontece até hoje.”
O montenegrino criticou a sucessão de desvios de conduta através de conchavos entre autoridades, políticos e empresários contaminados pelos favores dos governantes. “O importante a mostrar é o fato de que historicamente o andar de cima raras vezes se lembrou do andar de baixo, onde fica a nossa sociedade.” No andar de cima, continuou Müller, os moradores têm privilégios além da vista panorâmica. “São altos salários funcionais disfarçados numa infinidade de auxílios e gratificações, além das aposentadorias precoces e integrais. Enquanto isto, no andar de baixo, os cidadãos trabalham para pagar em dia esses privilégios.”
O Estado cresceu tanto no Brasil que hoje não cabe mais no Produto Interno Bruto, lamentou o líder. “Nesse jogo, a Nação estará sempre perdendo. Mas, se houvesse o encontro do Estado Brasileiro com a Nação Brasileira, o nosso País, sem qualquer dúvida, seria imbatível. Temos terra, sol, água e minérios. Não há desastres da natureza que ocorrem em várias partes do mundo.” Além desses predicados, citou que não existe radicalismo racial ou religioso que gera conflitos armados, como em outros países. “Lamentavelmente, com toda essa riqueza, não conseguimos gerar estadistas que realmente cuidassem da Nação. Todavia, quero crer que estamos no fim de um ciclo e que há ainda chances de redesenharmos o futuro. Espero que durante a próxima gestão da Fiergs o Brasil possa começar uma nova história”, encerrou.
Empresários não são exploradores, destaca Petry
Sucessor de Heitor Müller na Fiergs, Gilberto Petry se comprometeu a ser um porta-voz dedicado e esforçado da indústria gaúcha. Em seu discurso de posse, destacou que a entidade não se filia nem se alia a qualquer partido político. “Nosso alinhamento é com o setor industrial, com o desenvolvimento do RS e do Brasil, e com a ética e a decência nos negócios, especialmente para aqueles que digam respeito à administração pública.”
Petry afirma que o empresariado enfrenta uma lista de situações e imposições contrárias à produção. Entre elas, a enorme burocracia, a tributação elevada, o crédito seletivo caro, os juros elevados e o diminuto investimento na infraestrutura e logística. “Os empresários devem ser entendidos pela sociedade como pessoas que contribuem para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Não podem ser vistos como exploradores porque procuram auferir lucros em seus negócios. O lucro é a alavanca que faz surgir novos empreendimentos que irão gerar novos empregos e recolher novos impostos.”
Com relação à política, o novo presidente defendeu que a turbulência atual no País há de abrir espaço para um novo modelo e que os líderes públicos devem enfrentar questões importantes como o número de partidos e ideologias, as coligações e o presidencialismo de coalizão, por exemplo. “Nosso modelo político se esgotou. Nesse processo, instalou-se uma confusão ou, no mínimo, sobreposição dos poderes constituídos.”