Relembre a trajetória da casa de saúde que é referência pra toda a região
Nesta segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021, o Hospital Montenegro chega à marca de 90 anos de história. São nove décadas de centenas de milhares de pessoas atendidas e vidas salvas; nove décadas de muitos desafios, de crises e conquistas; nove décadas da coragem de um grupo de mulheres ligadas à Igreja Evangélica que deu início a tudo e que, até hoje, com suas descendentes, é mantenedora da casa de saúde que é referência no Vale do Caí.
Conta o historiador Eduardo Kauer que essa história teve início bem antes do fevereiro de 1931, quando o HM – a abreviação logo se popularizou – foi efetivamente inaugurado. A Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas, Oase, foi criada em 1911 dentro da igreja da comunidade de imigrantes alemães, unindo as membras – na época as senhoras e senhorinhas – para realizar ações em prol da comunidade e dos mais necessitados.
“As comunidades de origem alemã eram muito de agir e de criar infraestrutura no seu lugar. Isso partia da população. E essas mulheres tinham a questão de cuidar dos filhos, cuidar dos maridos, e entendo que esse foi o princípio da vontade de criar um hospital e uma estrutura maior de atendimento”, coloca. “Então, a Ordem é fundada em 1911 e logo começa a arrecadar dinheiro para essa construção. Só que acontece a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, e depois ainda teve rescaldos até 1920, com perseguição e muita luta política; e isso atrapalhou a luta da Oase. Mas elas continuaram, com uma bruta crise econômica, a arrecadar de centavo em centavo.”
Foi com comercialização de bordados, realização de quermesses, enquanto era permitido, e pedidos, porta a porta, que o recurso foi sendo levantado. “Elas também foram pra Porto Alegre e outras cidades grandes, porque Montenegro ainda era muito pequenininha, para pedir auxílio financeiro”, relata Eliane Maria Leser Daudt, atual presidente da Oase. 690 pessoas contribuíram nesse início, todas registradas em um livro mantido pela entidade até hoje. “Além dos donativos em dinheiro, a diretoria recebeu de presente diversos utensílios para serem usados no dia a dia do hospital.” Muitas toalhas e roupas de cama foram feitas artesanalmente pelas próprias senhoras.
A pedra angular foi colocada em 1929 no terreno entre as ruas Coronel Apolinário de Moraes e Assis Brasil, cedido pelo intendente de Montenegro, Carlos Gustavo Jahn, que era filho da tesoureira da Oase, Guilhermina Jahn, uma das principais responsáveis pela concretização do sonho do hospital. Após a inauguração, em 22 de fevereiro de 1931, foi dia 1º de março que foi internada a primeira paciente: uma senhora da família Zimmerman que morava no interior. Começava efetivamente a trajetória da casa de saúde.
Os primeiros passos
O Hospital Montenegro não foi o primeiro hospital de Montenegro. “Teve micro hospitais e pequenas clínicas antes dele”, conta o historiador Eduardo Kauer. Mas a realidade era bastante diferente. “A concepção de medicina era outra. Geralmente, as pessoas chamavam os médicos em casa, eles faziam as consultas e o tratamento era feito com a família. Também era muito raro chamar um médico para fazer um parto, porque tinha as parteiras, e quase não havia medicina preventiva. A mortalidade era muito grande. Então, se pensou em construir esse hospital para a região ter uma casa de saúde onde se fizessem os tratamentos.”
HM construído e inaugurado, ele começou seguindo o objetivo da Oase de ajudar o próximo. “Nós tínhamos a primeira classe, que era a dos que podiam pagar; a segunda classe, dos que não podiam pagar; e também a terceira classe, que eram para aqueles que, por exemplo, eram pegos na rua sem documentos, nada, e precisavam de internação”, conta a atual presidente, Eliane Daudt. “E eram sempre todos atendidos igualmente. Não tinha diferença financeira, de cor, do que fosse. Até hoje, nós prezamos muito por isso, para que todo paciente seja atendido igualmente e como um ser humano.”
Desde o início e até o fim do século passado, o HM foi conduzido por irmãs diaconisas, as schwesters, muitas vindas direto da Alemanha. “Elas são uma ordem religiosa evangélica que se dedica a hospitais, asilos e orfanatos”, explica Kauer. Com médicos também de origem alemã – o alemão Hans Varelmann foi um dos primeiros da casa de saúde – muitos dos primeiros registros de pacientes e até contábeis eram feitos na língua estrangeira, alguns até em letras góticas. Por vezes, algumas das senhoras da Oase eram chamadas para serem intérpretes para os pacientes.
Testemunha das transformações
Caminhando pelos corredores do HM em 2021, Nadir Borchardt Dias lembra de diversas transformações. Prestes a completar seus 91 anos de idade, a membra da Oase nasceu um ano antes da inauguração da casa de saúde e tem quase 70 anos de relação com a entidade e o hospital. É a que mais vivenciou sua trajetória, tendo sido presidente da mantenedora entre 1979 e 1999 e, depois, mais uma vez em 2007.
Acompanhou as várias reformas e ampliações – apenas um pedaço do prédio original ainda existe, onde hoje são feitos os exames de imagem – e também a inauguração de novas alas, como a maternidade, o centro traumatológico e a UTI; e a vinda de novidades, desde um moderno aparelho de raio-x importado da Alemanha nos anos 70 até um robô recém chegado que verifica os sinais vitais dos pacientes. Com tanta história, Nadir acabou presenciando o avanço da própria medicina.
“O Dr. Hans fez uma cirurgia em mim no hospital quando eu tinha onze anos. E eu lembro que pra gente dormir e fazer a cirurgia, eles nos colocavam uma máscara para a gente respirar clorofórmio e ir adormecendo. Era horrível”, recorda. “E mudou até a recuperação. Naquela época, tu fazia cirurgia e, no primeiro dia, não podia comer ou beber nada. No segundo era só água. Foi evoluindo muito.”
Os olhos atentos de dona Nadir viram a chegada do Polo Petroquímico nos anos 80 e a necessidade de nova ampliação da capacidade da casa de saúde. Antes disso, também viram a Segunda Guerra Mundial chegar e a perseguição à comunidade alemã que ocorreu com ela. Na época, a escola evangélica – hoje Sinodal – chegou a ser fechada e, do hospital, foram cortadas as verbas públicas num contexto já de grave crise econômica. Dr. Hans, um dos principais médicos, chegou a ser humilhado em praça pública e preso. Precisou muito esforço para manter o HM aberto.
VEJA IMAGENS QUE MARCARAM ESSES 90 ANOS:
A pior crise da história
O historiador Eduardo Kauer conta que foram muitas as crises financeiras enfrentadas pelo hospital. Já na construção, há 90 anos, o custo da obra, de 218 contos de réis, foi acima do orçamento e representou uma dívida para a Oase, que tanto batalhara para arrecadar os recursos para sua construção. “O HM sempre enfrentou dificuldades financeiras e os governos nunca fizeram grandes aportes. A comunidade evangélica e a comunidade em geral sempre tiveram que socorrer”, relata.
E dentre as muitas crises navegadas através das décadas, é consenso que a dos anos 2000 foi a mais grave. O HM chegou a um ponto em que não tinha dinheiro para pagar médicos e funcionários. A dívida chegou à casa dos milhões, com débitos de INSS, FGTS e Imposto de Renda, além de contas contraídas junto fornecedores e instituições financeiras que, com juros, só faziam crescer. Houve greve de funcionários, setores cruciais de atendimento, como UTI e traumatologia, foram fechados. Em reuniões, considerava-se até a venda do patrimônio para quitar com as obrigações. Seria o fim do Hospital Montenegro.
“Nós tivemos administradores sem competência (no início dos anos 2000) e nós confiávamos neles porque eles tinham experiência. Eles queriam comprar, queriam inclusive comprar outros hospitais, e sempre nos convencendo de que seria o melhor jeito de melhorar o hospital”, lembra a presidente da Oase. Ela conta que a direção contratada deixou a mantenedora no escuro, pedindo que ela não interferisse na Administração. Mas, então, começaram a aparecer sinais de que havia algo de errado. “Quando nós vimos, mandamos fazer uma auditoria e já estávamos com uma dívida enorme a ser paga, de R$ 5 milhões”, lamenta.
Os administradores foram retirados e, até hoje, corre na Justiça um processo que pede a responsabilização pela situação na qual foi deixado o HM. Para pagar a dívida, a Oase teve que contrair um empréstimo junto ao BNDES e ir negociar com os credores. Foram anos, então, na tentativa de sair do buraco gerado pelos gastos descontrolados e recuperar a credibilidade.
100% SUS – Um dos principais pontos de virada nessa história do hospital foi a adesão à portaria que o transformou em 100% SUS, em 2012. Na época, ainda sentindo o forte impacto da crise, a instituição já atendia 95% de pacientes pelo SUS – sua principal fonte de dinheiro –, mas viu que teria, na mudança, a oportunidade de aumentar consideravelmente os repasses governamentais. Na época, os valores repassados pelo Estado foram de R$ 538 mil para R$ 1,4 milhão por mês. Permitiu colocar salários em dia e reestruturar a casa de saúde, com equipamentos e novas especialidades, para melhorar os serviços.
“Com o 100% SUS e com a orçamentação pelo governo do Estado, nós conseguimos recuperar o hospital”, explica o diretor executivo, Carlos Batista. “Nesses últimos oito anos, só de reclamatórias trabalhistas, nós já pagamos R$ 12 milhões. Tivemos FGTS não recolhido entre 2002 e 2011 e já conseguimos quitar até 2009. Também pagamos em torno de R$ 3,7 milhões de INSS e IR que não foi recolhido. O hospital se organizou, virou referência e se tornou efetivamente regional com mais de 70% das internações que se dão na região.” O número de funcionários também mais que dobrou.
Combate à pandemia
A crise de saúde da pandemia de coronavírus foi outro grande desafio desses 90 anos de história do Hospital Montenegro. Mesmo tendo atravessado períodos de graves doenças, como a de meningite nos anos 70, quem está a frente da casa de saúde avalia que a Covid-19 foi a que mais impactou. “É que hoje, o volume de pessoas é outro. O hospital é referência da região”, coloca a presidente da Oase, Eliane Daudt.
Diretor executivo, Carlos Batista conta que, desde o registro do primeiro caso no Brasil, reuniu a equipe e pediu reforço na compra de equipamentos de proteção individual e medicamentos. “Nós estávamos preparados e, por isso, nunca faltou”, coloca. Mas não foi fácil. O HM abriu leitos específicos para a doença, recebendo pacientes de todo o Estado como referência. Reorganizou alas, criou espaços de isolamento e acabou tendo muitos funcionários de linha de frente acometidos pela doença.
“Teve um momento em que a nossa internação estava com 44% de funcionários infectados e tivemos que tirar gente de outros lugares. Mas acredito que conseguimos trabalhar bem a questão”, pontua. Nessa sexta-feira, a equipe de linha de frente da casa de saúde recebe a segunda dose da vacina contra a Covid.
Comemore doando para o HM
O Hospital Montenegro realiza nessa segunda-feira, dia 22, um “Drive Thru Solidário” em comemoração ao aniversário de 90 anos. Ele começa às 8h30min e vai até às 17h. Será uma oportunidade da comunidade doar alimentos não perecíveis, leite e fraldas geriátricas à casa de saúde. No contexto da pandemia, para evitar aglomerações, os doadores passarão, de carro, para deixar sua doação. O ponto de coleta é em frente a recepção do antigo raio x.