Presidente da OAB Montenegro explica o conceito e analisa sua aplicação no recente movimento dos caminhoneiros
Há três semanas, acabava a paralisação dos caminhoneiros. As manifestações duraram dez dias e indicaram a importância da classe para o abastecimento do país que, durante o período, viu-se privado de diversos produtos e sem poder prestar uma série de serviços. Alguns essenciais, inclusive.
Durante o movimento, falou-se de patrões que não deixavam seus empregados trabalharem, introduzindo o termo “locaute” nas conversas Brasil afora. Com a participação de muitos caminhoneiros autônomos, não havia nem uma liderança definida para a paralisação, o que foi evidenciado pela dificuldade do governo federal em saber com quem negociar.
Partindo de uma insatisfação com o preço do diesel, novas demandas do setor de transportes foram impostas, outras classes se envolveram e o movimento acabou sendo apropriado por frentes políticas. Uns pediam a retirada do presidente Michel Temer do poder e outros, mais radicais, intervenção militar.
Com características tão distintas, mesmo nos piquetes havia certa confusão. Afinal, a paralisação pode ou não pode ser chamada de greve?
O presidente da subseção de Montenegro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sepé Tiaraju Rigon de Campos, explica que a greve é um direito previsto em lei para o trabalhador, mas tem condições e restrições. Confira o que diz o advogado sobre o tema.
ENTREVISTA
Jornal Ibiá – Legalmente, existem critérios para que se caracterize uma greve, como quantidade de pessoas, de quem partiu a organização dela, as reivindicações feitas…?
Sepé – O direito de greve está estabelecido na Constituição Federal, no art. 9º, e na Lei nº 7783/89. E, sim, existem critérios, definidos na Lei 7783. A greve deve ser utilizada como último recurso, presumindo-se que uma negociação prévia se iniciou e que os possíveis grevistas tenham anunciado o movimento à classe patronal ou ao governo com antecedência de 48 horas, como ocorreu no caso da greve dos caminhoneiros. Qualquer categoria profissional pode fazer greve e não há número mínimo e nem máximo de trabalhadores para iniciar ou encerrar uma greve. Ela pode partir de um departamento ou de um serviço e também pode se alastrar entre toda uma categoria profissional ou até mesmo envolver várias delas, como trabalhadores autônomos, ruralistas ou médicos, por exemplo.
Como funciona uma greve quando ela afeta serviços e produtos considerados essenciais? Que produtos e serviços são esses?
Estes produtos e serviços estão na Lei 7783/89. São água, energia, remédios, etc. Se essenciais, eles não podem ser suspensos. É necessário um número mínimo de trabalhadores para assegurá-los ou garantir que eles não serão atingidos pela greve.
Um servidor público pode entrar em greve?
Sim, ele pode entrar em greve, mas também deverá assegurar a prestação de serviços, quando essenciais, mantendo um número mínimo de pessoas para garantir o acesso da sociedade ao serviço público.
Existe algum princípio legal que protege o trabalhador de determinada classe em greve, caso ele não queira ser grevista?
Existe. O trabalhador que não deseja a greve deve solicitar às autoridades, inclusive ao Judiciário, o pleno acesso a sua função e setor de trabalho.
O que é uma “greve inconstitucional”?
Greve inconstitucional é aquela que é considerada abusiva e que foge dos limites constitucionais. Tudo vai depender do objetivo da greve, da reivindicação feita e do que for negociado. Na situação em que trabalhadores ou categorias fizerem greve com objetivos políticos, como, por exemplo, derrubar o presidente da República ou um ministro de Estado, além de atentar contra a soberania nacional, eles infringem princípios constitucionais. A greve também não pode envolver o direito de terceiros. Os agentes penitenciários não podem, por exemplo, entrar em greve e colocar na pauta a liberação dos presos. Além disso, em uma greve constitucional, o direito de ir e vir deverá ser preservado e/ou garantido.
A recente paralisação dos caminhoneiros gerou alguma confusão. Afinal, o movimento pode ser caracterizado como uma greve ou não?
Parte do movimento foi de greve e outra parte de empresários do setor de transporte que se infiltraram com objetivos de desestabilizar o governo e buscar o aumento dos lucros em cima dos caminhoneiros autônomos. Também houve a infiltração de partidos políticos com interesses nas eleições majoritárias do Brasil. Então houve essa confusão, pois a greve reuniu pessoas que não estavam em greve e nada tinham a ver com os objetivos dos caminhoneiros. A greve não foi exclusiva de caminhoneiros, muito embora se tenha que respeitar os objetivos deles que, bem sabemos, há muito tempo tentavam ser negociados em vão com o governo federal. Neste aspecto, a greve dos caminhoneiros foi legítima.
Um termo desconhecido do público em geral e que veio à tona no período de paralisação foi “locaute”. O que é o locaute e como ele é penalizado?
O locaute é o oposto da greve, ou seja, o trabalhador que é impedido de trabalhar pelo próprio patrão. O locaute é um oportunismo do patrão para tirar proveito de determinada situação, buscando beneficiar-se. Ele é proibido no Brasil e penalizado administrativa, civil e penalmente. No caso da paralisação dos caminhoneiros, foi anunciado e ouvidas mídias de empresários do ramo de transportes impedindo seus empregados de trabalharem e impondo que estes ficassem nos piquetes de greve. Isso é locaute.
Caminhoneiros ainda enfrentam impasse sobre tabela de valores do frete
Buscando dar fim à paralisação dos caminhoneiros, umas das concessões do governo federal foi o atendimento de um pedido que a classe fazia há anos: o tabelamento dos preços mínimos do frete. O conjunto de tabelas foi divulgado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) no dia 30 de maio, estabelecendo valores que levavam em conta o quilômetro rodado por eixo carregado, conforme Medida Provisória. A definição de preço único, no entanto, não agradou ao setor produtivo e gerou discussões.
Diante do descontentamento, o governo chegou até a anunciar uma nova tabela, que voltou a descontentar os caminhoneiros. Hoje, ainda vale a primeira, estipulada pela ANTT em maio, mas a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal. Nesta semana, o ministro Luiz Fux chamou uma reunião entre caminhoneiros e empresários, buscando um consenso sobre a situação. Os contrários sugerem que o piso limita a concorrência e poderia prejudicar a economia. Sem resolução, mais uma semana foi dada e, na próxima quinta-feira (28), todos voltam a se reunir na busca pelo entendimento.
“Se ainda não chegarem a um consenso sobre esse preço intermediário, no dia 27 de agosto vamos realizar uma audiência pública com técnicos da área para municiar o Supremo para definitivamente julgar a causa”, disse Fux, em coletiva de imprensa.
Com a tabela do frete em vigor, uma viagem com carga geral de até 100 quilômetros custa R$ 297,75. Os valores do transporte sobem à medida em que cresce a distância e o tipo de carga. A viagem mais cara prevista pela ANTT é de carga perigosa de 3 mil quilômetros, que soma R$ 13.412,61.
Liderança entre os caminhoneiros nos pontos de paralisação de Montenegro, João Rosa acompanha as negociações de perto. Do Estado, representantes da classe de Ijuí e Três Cachoeiras estão em Brasília, colocando os profissionais da região a par das negociações. “Nosso negócio é o piso mínimo e não tem barganha. Eles estão querendo uma tabela de referência, que não seja por lei, para poder negociar o valor do frete. O ministro Fux já reconheceu que a tabela é constitucional, ela tá valendo e é uma conquista que a gente teve com a paralisação”, declara João. “Estamos há 20 anos tentando conseguir isso.”
Se não houver um acerto, há risco de nova paralisação.