Indígena formada em Serviço Social, Angélica Domingos conta como lida com o preconceito e luta por espaço
“O índio está no espaço que ele quiser. Seja na cidade, dentro da universidade. E se formos pensar e perceber essa presença, ele realmente está em todos esses espaços hoje. A venda de artesanato é uma das maiores formas de nós, indígenas, estarmos presentes. E esses lugares, territórios, já foram nossos. Então não estamos migrando. Nós sempre estivemos aqui”, afirma a indígena Angélica Domingos, do povo Kaingang, formada em Serviço Social e integrante da Rede Saberes Indígenas na Escola.
Tendo saído de sua aldeia para cursar a graduação e trazer representatividade indígena aos debates e espaços públicos, ela afirma que o Dia do Índio, comemorado ontem, 19, é marcado por resistência e luta. “Estamos tentado fazer com a sociedade nos entenda, para que possamos seguir como nós somos. Ainda há muito racismo contra os povos indígenas. E queremos deixar uma sociedade melhor aos nossos filhos, principalmente para que não passem pelas dificuldades e preconceitos que temos vivenciado todo esse tempo”, salienta.
Com grande visibilidade em uma data nacionalmente reconhecida, Angélica destaca a importância de que as pessoas conheçam um pouco mais sobre suas culturas e aprendam a respeitá-las. “Nós temos um modo de pensar e de agir no mundo. O outro não consegue entender isso, nem receber isso como algo positivo. Sempre interpreta como negativo o nosso modo de ser, nosso jeito de andar e nos relacionarmos uns com os outros. Não conseguem perceber essa diferença. Existe esse embate dentro das universidades e das políticas públicas de saúde e educação. E nós temos garantidas em lei todas essas questões. É garantido o nosso direito à diferença, ao nosso modo de ver o mundo, de organização e de crenças”, explica.
Perda de territórios e dizimação dos povos são problemas graves que há mais 500 anos os índios enfrentam. Neste contexto, eles buscam seu espaço garantido por direito. E essa conquista, a lentos passos, tem sido através de políticas públicas de inclusão, como as cotas em ambientes de ensino. Conquista significativa citada pela indígena é o acesso ao ensino superior nos últimos anos. “Foi um grande avanço conquistado com a luta dos mais velhos, das nossas lideranças, para o acesso à universidade — ainda que ele seja pequeno espaço, com poucas vagas e, ainda, um número não significativo de indígenas acessando. Mas sem dúvida esse foi um grande progresso”, diz.
Extermínio indígena
“Cada região, estado, tem uma cultura diferente da outra. São mais de 300 povos indígenas no Brasil e a maioria, principalmente nas escolas, acaba reproduzindo essa questão do índio pelado lá na mata, caçando, com o cocar. Essa questão ainda é muito forte, de ver e reproduzir o indígena de 500 anos atrás, sendo que temos tantos anos de luta e resistência. Muitas transformações aconteceram nas nossas vidas e elas não são debatidas”, pontua Angélica.
Com lembranças de criança e da aprendizagem da história muito baseada nos relatos europeus de ‘descoberta’ do Brasil, Angélica afirma que é preciso desconstruir essas imagens e que a educação é uma das principais aliadas.
“Anteriormente, a escola foi usada para dizimação dos povos indígenas. A política do Estado era transformar os indígenas em brasileiros trabalhadores para contribuir com a economia nacional. Hoje utilizamos a escola como ferramenta de luta para descolonizar toda essa ideologia que construíram em cima de nós. Esse processo demora bastante, mas é preciso desconstruir a ideia de que nosso povo é rebaixado, como se houvesse uma superioridade”, compara.
Relembrando o período de ditadura, de extermínio dos povos indígenas, a líder conta que até hoje o povo tenta superar. “Falo enquanto massacre dos Kaingang, que é meu povo. Essa é a experiência que tenho”, termina.
Semana Municipal de Conscientização
Kassiane Schwingel, integrante do Programa de Formação e Diálogo Intercultural e Inter-religioso do Conselho de Missão entre Povos Indígenas, destaca que há diferença entre pensar a presença indígena no passado e na atualidade. “Até que ponto a gente, enquanto sociedade, se abre para ouvir como esses povos vivem, o que acham e sugerem. Olhar para essas questões é promover o contato indígena, dar espaço de protagonismo e brigar para que as políticas públicas sejam efetivadas. Porque não dá para ficar na ideia simplista e restrita à apenas conhecer sua cultura”, pontua.
Vereadora e integrante da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, Josi Paz destaca que há dois anos atividades relacionadas ao Dia do Índio são realizadas no município. Ela entrou com projeto de lei para instituir a Semana de Conscientização dos Povos Indígenas em Montenegro, que esteve em votação ontem à noite no Legislativo.