Criada por famílias de samurais e princesas, Eliza Fukuoka escolheu Montenegro

Disciplina e comprometimento são alguns dos aprendizados que Eliza carrega da tradição japonesa

Com o movimento de emigração de japoneses após a rendição para os EUA na Segunda Guerra Mundial, e o sonho de uma terra ampla, os Fukuoka chegaram ao Brasil em dezembro de 1958. Se fixando em Porto Alegre, a família deixou para trás as glórias dos samurais e viu no local o sonho de uma vida próspera e feliz. Em 1958, nasceu a porto-alegrense Eliza Fukuoka, que há 19 anos escolheu Montenegro para criar suas raízes.

Com apenas 23 anos na época, o pai de Eliza era funcionário do governo, com estabilidade e futuro. Entretanto, o caçula de três filhos resolveu jogar-se na aventura de ir para um novo país, e com isso os seus pais, irmão e a namorada embarcaram junto para um novo destino: Brasil. “Meus pais estavam namorando, daí antes de vir para o Brasil eles resolveram casar e vieram juntos”, conta.

Eliza é a mais velha de seis irmãos, e foi educada pelos avós, de linhagens de samurais e princesas do Japão. “O pai conta que a vó dele usava espada ainda. Todos eram samurais, as duas famílias eram. A família da vó era samurai de elite, eram conselheiros do xogun (general). Devido a origem da vó, ela era uma princesa”, fala.

A vida na mansão, com vastas terras e ótimos empregos foram trocados por uma realidade totalmente diferente. Segundo Eliza, os avós paternos eram educadores, com ligação direta ao Imperador da época e não tinham contato direto com trabalhos manuais. O pai funcionário do governo, e a mãe promotora de vendas de produtos de beleza, também não tinham essa vivência. “As casas que moramos eram sempre locadas. A gente foi sempre muito pobre e na verdade com muita dificuldade financeira, porque o vô era uma pessoa que não tinha muito essa questão de acumular riqueza para ele. Tudo que ele tinha ele foi dando para os alunos que retornavam da guerra; eles eram donos de vastas terras, e com a reforma agrária e dominação dos Estados Unidos ele disse que perdeu tudo, sem mágoa nenhuma”, diz.

Mesmo sem falar português, a família focou no trabalho do campo, e passou para os jovens uma lição para a vida. “O meu avô e a minha avó pouco falavam sobre a sua história passada. Eles diziam que a gente tinha que aprender a valorizar a bandeira do Brasil. A bandeira do Japão também é importante, mas eles sempre nos ensinaram isso. Tanto que quando tivemos chance da dupla nacionalidade a família inteira optou por ser brasileiro, porque “optamos” por ser brasileiros, seremos brasileiros”, declara Eliza.

Eliza considera a família a coisa mais importante de sua vida

A adaptação e educação
Como é natural, a adaptação na nova cultura foi difícil e diversas histórias remontam o período do “recomeço” da família. “Alguém chegou e disse que no Brasil as galinhas estavam todas soltas por aí; eles foram morar no interior e viram umas galinhas soltas, e decidiram pegar, mas era do vizinho, só que eles não sabiam disso”, relembra.

Eliza conta também que quando era criança os mais velhos se reuniam e contavam aos jovens como se comunicavam. “Carne eles faziam um gesto, papel higiênico eles faziam outro gesto. Era tudo assim”, comenta.

Eliza ainda jovem com seus irmãos, pais e avós. Foto: Arquivo Pessoal

Por ser criada pelos avós e em casa só ser falado a língua natal, Eliza foi alfabetizada em japonês. “Eu já tinha sete anos quando entrei para o primeiro ano, e foi bem difícil pra mim, porque eu entendia muito pouco português. Mas o primeiro ano o pai fez eu estudar uma semana no estilo japonês. Ele só voltava à noite, e a mãe não entendia nada em português, tinha que ser com o pai, então eu estudava das nove às onze. Eu me lembro que foi as únicas vezes que eu ganhei cascudo”, brinca.

Aos 19 anos Eliza entrou no curso de Ciências Sociais, na Ufrgs, e no último ano cursou concomitantemente o curso de enfermagem, área onde atua atualmente. “Foi bem complicado porque tinha aula em diversos locais, então eu só conseguia trabalhar fazendo ‘bico’”, fala.

Mesmo querendo inicialmente a Medicina, Eliza relata que não se arrepende de ter cursado a enfermagem, área que é apaixonada atualmente. “Eu sempre fui muito pelo social, acho que eu puxei muito à família do pai, porque conselheiros são políticos, eles eram políticos também. A enfermagem para mim é um instrumento para poder realizar trabalhos sociais”, concluí.

Influências japonesas
De acordo com Eliza, a sua essência tem grande influência da cultura japonesa. “Para nós (japoneses) a palavra dita é a mesma coisa que escrita. O contrato escrito e falado têm o mesmo valor pra mim, e na nossa sociedade não é bem assim”, fala. Outro exemplo citado por ela é o uso da máscara. “Na Ásia usa-se máscara para não contaminar o próximo, e no momento que eu e todo mundo que tiver um sintoma mínimo, ao usar a máscara eu não vou contaminar. Mas a nossa cultura aqui eu percebo que a maioria das pessoas usam para não adoecer. Então isso de pensar no próximo como se fosse eu é um principio básico que eu aprendi desde criança”, reflete.

Eliza e seu filho André. Foto: Arquivo Pessoal

Outra influência é na alimentação mais equilibrada dos japoneses, o que segundo ela, é difícil seguir à risca na atual conjuntura brasileira. “Quando possível sigo sim, porque a culinária japonesa ainda não é muito barata”, diz.

Uma grande lição também é o amor pela família. “Para mim hoje a família é meu filho, e família é a coisa mais importante. E eu continuo em Montenegro, porque eu gosto da cidade e da população, e porque o meu filho adora Montenegro”, completa. Hoje a família possui um altar onde cultua os ancestrais, na casa onde os pais de Eliza residiam em Viamão. “Oferecemos água nova todo dia, chá, o arroz. Quem tiver em casa faz”, conta.

Atualmente, um irmão de Eliza está morando no Japão e outros moram no Brasil, mantendo contato sempre. “No final de ano mesmo uma das minhas tarefas sempre é fazer o sushi (para a família), aprendi com a mãe”, declara. Apesar das diversas influências e da origem dos seus pais, Eliza nunca foi ao Japão, mas garante que irá se empenhar para que o filho André, de 12 anos, conheça o local que tanto ama.

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