Grupo quer reunir todas as informações e criar um monumento que preserve as lembranças do episódio histórico
Unidos pela vontade de resgatar a história local, moradores da comunidade de Vapor Velho estão formando um grupo de estudos. O objetivo é buscar informações sobre um combate ocorrido em 8 de julho de 1923.
A iniciativa parte do professor e advogado Carlos Barreto, que procurou a vereadora Josi Paz (PSB) para sugerir o trabalho. Junto com os escritores Oscar Bessi e Pedro Stiehl, realizaram o primeiro encontro no último sábado, 28. Stiehl escreveu sobre o fato histórico no romance “Bárbaros no Paraíso”, lançado em 2003. Os documentos utilizados nos oito anos de pesquisas, que deram origem à publicação, foram apresentados aos participantes do encontro.
Moradores de Vapor Velho, Renato Steffen, Renila Steffen, Anícya Haas, Roseli Haas, Romeu Haas e Armindo Laux lembraram as histórias contadas pelos familiares sobre o combate. Todos concordaram sobre a importância de se ter um marco, monumento ou memorial alusivo ao episódio que, em 2023, fará 100 anos.
“Decidi reunir pessoas que têm vínculos com o tema para pensarmos em algo que valorize não só a memória do que aconteceu, mas que também sirva como referência histórica e cultural para quem quiser nos visitar”, afirma Josi. A equipe definiu os próximos passos do projeto. “Reuni este grupo porque, há 95 anos, naquele mesmo lugar, as pessoas ainda estavam velando seus mortos. Estamos abertos à participação de quem tem algum material e vontade de colaborar conosco. Quem quiser pode fazer contato comigo” destaca Josi.
A morte do capitão Francisco Fontoura Prado
A revolução de 1923 também está na lista de interesses da montenegrina Terezinha Gessi Flores Piqueres, que conhece um dos capítulos da refrega graças aos relatos do sogro, Lúcio Rafael Piqueres, já falecido. A história lembrada pela aposentada se refere especificamente à morte do capitão Francisco Fontoura Prado, no Combate de Vapor Velho, na então propriedade da família Biehl.
Para que o ocorrido seja contextualizado melhor, é preciso saber que dois grupos eram protagonistas da Revolução de 1923, em todo o Estado do Rio Grande do Sul. O enfrentamento foi desencadeado por pessoas contrárias à permanência de Borges de Medeiros no governo do Estado. Os maragatos, conhecidos por seus lenços vermelhos, foram liderados pelo pecuarista e diplomata Assis Brasil. Os oponentes eram favoráveis ao governo, chamados de Ximangos, eram identificados por seus lenços brancos.
No dia 8 de julho daquele ano, no interior de Montenegro, na comunidade de Vapor Velho, a disputa entre as duas correntes políticas estava acirrada, quando combatentes do lenço branco encontraram o capitão Francisco Fontoura Prado em uma escada interna da residência da família Biehl. “Se estiver vivo, deixarás Ximangos em paz?”, questionaram os governistas. O capitão não fugiu da briga e respondeu: “enquanto eu tiver sangue nas veias, eu matarei Ximangos”.
Um disparo foi efetuado pela tropa de Borges de Medeiros e o capitão rolou escada abaixo, segundo Gessi. “Alguns até diziam que o tiro foi acidental, mas foi para matar”, conta a montenegrina. Assim que souberam da morte do maragato de Montenegro, os simpatizantes do Partido Libertador organizaram a busca do corpo e o preparo do funeral.
A Lúcio Piqueres foi dada a missão de preparar o local do velório e todos os detalhes do funeral. Outro membro da família, conhecedor dos caminhos até Vapor Velho, foi ao resgate do corpo. “O capitão foi encontrado em uma vala próxima da casa onde foi morto”, revela Gessi. Após chegar em Montenegro, o corpo foi velado onde hoje está instalada uma loja de móveis e eletrodomésticos, na esquina das ruas Osvaldo Aranha e Capitão Cruz.
Tudo ainda estava em clima tenso, portanto, homens ligados aos Maragatos vigiaram as imediações do velório. Anos depois, Lúcio revelou à nora as dicas de onde o capitão estaria sepultado, para que ela pudesse encontrar o túmulo um dia. Gessi anotou as informações em um bilhete. Passados cerca de 60 anos, o papel ainda está guardado com ela.
Procura complicada reativou a história
Com dois vizinhos, dona Gessi foi à procura do túmulo, no cemitério municipal de Montenegro. A sepultura era antiga e a única característica própria revelada foi a mensagem escrita na lápide.
Foi necessário muito esforço, mas finalmente o encontro ocorreu. Em meio a muito mato, com a cruz do túmulo arrancada e a lápide com o nome raspado, o trio que tanto pesquisou no cemitério encontrou o que procurava. “Eu disse para o meu vizinho que era aquela a sepultura, pois lá estava escrito: ‘Homenagem do Partido Libertador de Montenegro ao Heroe Capitão Francisco Fontoura Prado, morto na Batalha de Cafundó em 08/07/1923’. Então tivemos certeza”.
A partir daquele dia, há poucos anos atrás, Gessi se prontificou a restaurar o túmulo como forma de homenagear o tão importante capitão e preservar a história do município, que já se perdia com o passar do tempo. “Consegui algumas lajes, uma cruz antiga para colocar no lugar da que foi quebrada, vasos pesados e um amigo que realçou a escrita da lápide”, conta a nora de Lúcio Piqueres. Ela também afirma estar orgulhosa e realizada em poder realizar o desejo do sogro, que confiou o local da sepultura a ela. “Eu voltei no tempo e agora reativei a história daquele combate que aconteceu em Vapor Velho”, diz.
Outra homenagem foi deixada no jazigo. “Nos vasos, eu plantei a flor Coroa-de-cristo, que é vermelha, a cor do Partido Libertador, em homenagem ao combatente”, revela. A pesquisa da senhora foi além do sepulcro. Gessi Piqueres conseguiu uma cópia autenticada da Certidão de Óbito do capitão. O documento está muito bem guardado no acervo da montenegrina.
Na certidão, é possível observar que a causa da morte foi “em combate, em consequência de ferimento por projétil de arma de fogo”. Além disso, verifica-se que o declarante do óbito foi José de Oliveira Cardoso e as testemunhas Firmino R. Cardoso e Antonio Moojen. Francisco Fontoura Prado deixou, aos 26 anos, a esposa Maria José da Fontoura e dois filhos.