Assédio sexual não pode ser tratado como brincadeira

Brasileiros constrangem mulheres durante a Copa do Mundo na Rússia, levam na diversão e reacendem debate sobre machismo e misoginia

Para grande parte dos brasileiros, a Copa do Mundo se tornou um momento especial de vibrar e mostrar a paixão pela nação através do futebol. Esse ano, as cores verde e amarela invadiram a cidade de Moscou, capital da Rússia, lugar que, além de sediar o campeonato mundial, também está sendo palco de diversos casos de assédio sexual por parte dos tecedores do Brasil contra mulheres.

Nos últimos dias, um vídeo em que brasileiros insultam uma moscovita viralizou nas redes sociais e causou indignação dos internautas. Nas imagens, um grupo de homens aparece cercando uma mulher, gritando frases alusivas ao órgão sexual dela, que parece não entender o significado, sorri e repete o conteúdo, enquanto eles se divertem com a situação. Mais tarde, outro vídeo no mesmo contexto ganhou destaque. Dessa vez, rapazes incentivam três moças que, aparentemente não falam português, a repetirem frases ofensivas e de cunho sexual. Os casos tiveram grande repercussão na mídia nacional e reacenderam um debate polêmico sobre comportamentos machistas e misóginos de alguns homens.

Na tentativa de justificar o ocorrido, alguns dos envolvidos no caso afirmaram que tudo não passou de uma simples brincadeira. Um advogado, um policial militar, um empresário e um engenheiro civil estão entre os identificados, todos com altos níveis de instrução, mas que surpreenderam negativamente pela atitude depreciativa, causando um sentimento de revolta coletiva entre a população.

A delegada Cleusa Tânia de Oliveira Spinato destaca a importância de as mulheres denunciarem

A delegada de Polícia Civil Cleusa Tânia de Oliveira Spinato, responsável pela Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), ressalta que episódios como esses cumprem um papel importante em termos de enfrentamento a esse tipo de conduta. “Esse é um momento da sociedade refletir e pensar sobre as diferentes formas de violência que a mulher sofre”, disse a delegada, acrescentando a importância de se discutir a criação de um tipo penal específico para casos dessa natureza. “As leis vão amadurecendo na medida em que a sociedade evolui”.

Infelizmente, assédio sexual não é uma realidade distante de Montenegro. A estudante de dança Camila Pasa, 26, relembra de algumas situações que passou e lamenta a “naturalização” do problema, encarado por muitos como diversão. “A primeira coisa que eu penso quando se trata desse assunto é sobre o lugar de falar de cada indivíduo. Quando se afirma que um assédio é apenas uma brincadeira, é negligenciado o lugar de fala da mulher, que é impedida de expor qual é, de fato, a sensação dela em relação ao acontecido”, explica Camila, afirmando que existe uma invisibilidade de voz presente na sociedade.

Segundo a psicóloga Adriana Bandeira, os efeitos por quem passa por situações traumáticas dessa ordem podem se manifestar como tristeza diante da perversão do outro, bem como sentimentos de desesperança e solidão. “Para as mulheres que sofrem assédio, abuso ou mesmo maus tratos, fica para sempre a marca do acontecido, porém, essas vivências trazem um aprendizado que também pode auxiliar no crescimento e possibilidade de criar no mundo”, completa a psicóloga.

“Efeito manada”
O vídeo em que brasileiros aparecem assediando uma estrangeira na Rússia mostra claramente que um torcedor grita as frases ofensivas e o resto do grupo entra na “brincadeira”, como uma manada. A psicóloga Adriana Bandeira explica que essa ação em massa tem explicação nos desdobramentos do comportamento humano.

“Estes fenômenos, especificamente humanos, fazem valer a grande verdade que diz que: ‘eu sou o outro’. A necessidade de pertencimento, de identificação com o próximo é a máxima equação da condição humana de amar e ser amado. Assim, em muitos momentos, seguimos esta condição para que sejamos aceitos naquele momento, lugar e grupo”, destaca a psicóloga.

Campanha “Deixa ela trabalhar” fez sucesso

A campanha teve grande repercussão no Brasil e chamou a atenção para os casos de assédio no jornalismo esportivo

Durante a Copa do Mundo na Rússia, os casos de assédio sexual por parte dos brasileiros estão ultrapassando os limites e escancarando as profundas raízes machistas e misóginas presente na sociedade. Além dos dois vídeos que circularam na internet, onde torcedores do Brasil aparecem desrespeitando mulheres estrangeiras, as repórteres também foram alvo das atitudes machistas enquanto trabalhavam.

No mês de março, jornalistas de todo o país se uniram em uma campanha intitulada “Deixa ela trabalhar”, trazendo para discussão os diversos episódios de assédio vivido por elas no campo esportivo. Infelizmente, essa realidade não se restringe ao esporte ou à profissão, fazendo parte da realidade de muitas mulheres no Brasil.

É preciso denunciar
Embora não exista uma Lei específica para casos de assédio sexual como o que foi visto nos últimos dias nas redes sociais, a delegada de Polícia Civil Cleusa Tânia de Oliveira Spinato, responsável pela Deam, afirma que, na atual legislação, há formas de enquadrar a iniciativa como crime, mas é preciso denunciar. “Se for denunciado, a pessoa irá responder por injúria ou perturbação, dependendo do que foi praticado e dito”, ressalta a policial.

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