Há como minimizar os efeitos das cheias?

Em 2014 foi realizado um estudo que resultou num relatório de recomendações para o problema de cheias no Baixo Rio Caí. Passados quase 10 anos do Estudo de Alternativas para a Minimização dos Efeitos das Cheias do Trecho Baixo do Rio Caí, houve poucos avanços nesse projeto, que trazia propostas como um corta-rio associado a um dique em Montenegro e de um dique em Pareci Novo. Ainda em 2014, para as obras sugeridas serem efetivadas foi solicitado, pelo Governo Federal, um novo estudo englobando toda a bacia hidrográfica do Rio Caí.

Responsável pelo estudo, a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) diz que elaborou, em 2019, termo de referência para contratação do Estudo de Alternativas e de Integração de Soluções para Minimização os Efeitos das Cheias na Bacia do Rio Caí e protocolou plano de trabalho e relatório de diagnóstico junto ao Sistema de Convênios (Siconv), solicitando aporte financeira da União.

A autarquia, por meio da sua equipe técnica, também deixou preparado termo de referência para a contratação dos anteprojetos de engenharia, estudo de impacto ambiental, relatório de impacto ambiental e projeto básico ambiental – que seria o passo seguinte à finalização dos estudos complementares.

No entanto, desde então, por falta de dotação orçamentária da União para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres, o projeto encontra-se paralisado. Segundo a Metroplan, havendo liberação da verba seria necessário apenas revisão e atualização dos termos de referência.

A analista arquiteta da Diretoria de Incentivo ao Desenvolvimento da Metroplan, Flávia de Azevedo Monteiro, ressalta que a complementação dos estudos da bacia do Rio Caí é extremamente necessária. “Só assim, com o estudo de todo comportamento hídrico da bacia, é que as alternativas de medidas estruturais e não estruturais ganham justificativas técnicas para sua implementação”, explica.

O prefeito de Montenegro, Gustavo Zanatta, comenta que, de modo geral, os administradores das cidades do Vale do Rio Caí avaliam o projeto como oneroso demais, a tal ponto de as Prefeituras não terem condições de executá-lo. “E mesmo junto ao Governo Federal seria difícil levantar os recursos”, aponta. Ele observa, ainda, que a construção de diques e de um canal extravasor também enfrente oposição de ambientalistas.

Outra ação para mitigar os efeitos das cheias é apontada em relatório de 2021 do CPRM: a atualização do nível de inundação do sistema de monitoramento da bacia do Rio Caí. A cota de inundação, explica o engenheiro hidrólogo e pesquisador em Geociências do CPRM, Emanuel Duarte Silva, representa o nível onde podem ser observados os primeiros danos decorrentes do transbordamento do rio principal em uma determinada localidade.

“Esse nível pode variar ao longo do tempo, pois estruturas que eram afetadas em um nível mais baixo podem ter sido removidas ou novas estruturas podem ter sido construídas em nível, ainda, mais baixo”, enfatiza Emanuel. Ele cita como exemplo um local hipotético onde casas que estavam no nível de três metros foram removidas pela Prefeitura local e, agora, as primeiras residências a serem atingidas pelas águas estão em local superior. “O SAH-Caí realiza campanhas periódicas a fim de verificar a manutenção ou atualização dos níveis de início de inundação nas localidades em que realiza monitoramento”, reforça.

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Série de ações foi recomendada por promotoria regional
Ainda em 2018, a Promotoria de Justiça Regional Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Caí recomendou aos 41 Municípios que integram a área que não se licenciasse novas construções em áreas inundáveis. Outra ação recomendada foi completar o zoneamento das áreas de inundação do Rio Caí e seus arroios, incluindo elas no Plano Diretor dos Municípios como áreas não edificantes.

Aspectos ambientais, como sobreposição com Áreas de Preservação Permanente (APP), e gestão de quantidade e qualidade de águas da bacia também estão inclusos na recomendação. Presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Caí, o Comitê Caí, o biólogo Rafael Altenhofen destaca a importância de as recomendações serem seguidas.

Sem retenção de mudanças humanas – como novas construções – em áreas de inundações, avanços das águas seguirão mudando e atingindo as cidades de formas diferentes
FOTO: Arquivo/Jornal Ibiá

“A água não respeita leis criadas pelos homens, como zoneamento ou regularizações fundiárias. São essas que devem se adaptar às águas”, aponta Rafael. Segundo ele, quando se aterra áreas de inundação, a água se desloca para outro lugar – afetando ainda mais pessoas já atingidas ou, então, passando a afetar pessoas que antes não eram atingidas.

Isso pode explicar a percepção de parte da comunidade montenegrina de que, apesar de ter apenas um centímetro a mais, a cheia recente ter sido maior que há de 16 anos. “Desde 2007 para cá tivemos várias áreas de passagem de inundação que foram aterradas no Município (de Montenegro), mesmo contrariando a lei. Pare delas, infelizmente, com licença ambiental emitida pela Prefeitura”, lamenta Rafael, que também é presidente interino do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMEMA) de Montenegro.

De acordo com a Administração Municipal de Montenegro, a recomendação do Ministério Público não tem força de lei. “O atual plano de diretor do Município, em vigor desde 2014, não possui nenhum dispositivo que ampare a não aprovação de projetos por esta razão. Logo, a Prefeitura acaba concedendo as licenças observando outras normas de segurança para minimizar os efeitos das cheias sobre os usuários dos imóveis”, diz o Executivo.

Atualmente, o Plano Diretor de Montenegro está passando por revisão. Segundo a Prefeitura, em sua nova redação deve ser inserida uma cota a partir da qual novas edificações serão vetadas. O projeto de lei sobre as revisões no plano diretor deve ser encaminhado para a Câmara de Vereadores ao longo do mês de julho.

Sobre o caso de novas construções em área de inundação, Rafael enfatiza que cada novo aterro que impede a passagem da inundação ou a retém faz com que o nível do rio aumente em algum ponto, podendo ser em locais aonde ele já chegava ou em novos lugares. Por isso o presidente do Comitê Caí defende que é necessário realizar aporte para também viabilizar projeções de cheias na própria planície de inundação. “O comportamento de passagem de águas (na planície de inundação) é dinâmico e sofre influências, por exemplo, de processos humanos”, reforça.

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