Enio Dutra, de 40 anos, trabalha como catador de lixo no centro de Montenegro para sobreviver a sua difícil realidade
Há cerca de um mês, Enio Dutra vive em um canteiro, na entrada do Bairro Cinco de Maio. Ali, entre a RSC 287 e a Rua Dr. Celso E. Müller, ele dorme, descansa e faz suas refeições – condicionadas à quantidade de dinheiro que faturou durante o dia. Por semanas, Enio passava quase despercebido pelos que trafegavam nas vias, protegido pelas árvores e o mato fechado do local. Após o serviço de limpeza, poda e roçada ali realizado, no entanto, sua morada ficou mais exposta, agora chamando atenção.
São duas “peças” montadas no canteiro. A primeira, feita com uma barraca antiga e pedaços de lona, começou sendo o dormitório de Enio, mas não se mostrou eficaz para a contenção da água da chuva. “Nessas chuvas que deu, eu tomei cada banhão”, relembra. Foi uma vitória conseguir o forro de uma piscina para a montagem de uma segunda “peça”, mais resistente e protegida, onde são colocados os poucos pertences possuídos e o novo local de descanso.
Foram estendidas cercas para a secagem das roupas. As panelas – achadas na rua – cozinham os alimentos em fogo feito com lenha. Um fogão descartado por seu dono original serve de balcão para a organização dos utensílios. Tudo é organizado, na medida em que a condição permite, por Enio e por seu fiel companheiro: o gatinho Miti. O animal foi encontrado perdido nas redondezas e recebeu o acolhimento na atual morada.
Enio Dutra considera como profissão oficial ser servente de obra. “Só que eu to trabalhando de catador. Não tem outro”, ressalta. No Centro, ele já é reconhecido pelos seus recolhimentos. “Eu puxo a corrocinha pra cima e pra baixo. Às vezes até de barriga vazia. É colhendo latinha, pet, caixinha de leite, tudo o que dá pra fazer dinheiro, eu to trazendo. Tu ganha uns 20 pila por dia, 15 pila.” No mesmo dia, tudo é comercializado e o dinheiro já se reverte apenas no alimento para matar a fome. “Assim, eu tô aí vivendo.”
Solidariedade montenegrina
Enio ressalta a boa recepção que tem tido da comunidade local. Muitos passam e o cumprimentam amigavelmente. Quando precisa de água para cozinhar algum alimento, é nos vizinhos da Cinco de Maio que ele busca. “Eu peço para um ou outro. Tem uma vózinha que, de vez em quando, me dá umas coisas. Uns três, quatro dias, ela veio com uns potinhos de rango pra mim. Até fiquei com vergonha”, expõe.
Apesar do orgulho, toda doação e ajuda é bem vinda. Logo que chegou no canteiro, Enio lembra, houve a abordagem de um brigadiano. A autoridade lhe perguntou sua história e verificou seus antecedentes. “Ele conversou comigo na boa. Me disse para não arrumar problema e eu expliquei que estava aqui só para conquistar serviço”, diz. “Eu não to aqui pra tomar nada de ninguém, nem para invadir nada.”
Por indicações, Enio foi até o Caps procurar auxílio. Recebeu convites para reuniões e orientações, mas acabou não indo. “Eu sou meio envergonhado. Eu já to com a roupa suja de estar mexendo no lixo no Centro, daí de que jeito chegar na frente do pessoal”, lamenta. O único lugar utilizado para banho é a água que corre próximo da gruta da Avenida Ernesto Popp. “Tem uma água corrente. Às vezes, eu vou ali, na pedreira, dou um mergulho e toco uma água por cima.” Por hora, este é o jeito.
Problemas na família
Muitos passam, curiosos, cuidando a atual morada de Enio. Com 40 anos de idade, ele é natural de Sobradinho, mas se criou em Novo Hamburgo com mais quatro irmãos. A vida seguiu e ele ficou morando com a mãe idosa e cuidando dela. “A mãe andava meio doente, com a idade. Chegou a um ponto em que eu não tava vencendo cuidar dela, com conta de luz e água”, relembra.
Enio acionou uma irmã, que buscou a mãe para viver com sua família, onde havia mais recursos e pessoas para dar a assistência necessária. A casa onde Enio vivia, tornou-se, então, foco de disputa. “Deu problema. Um queria mais que o outro e daí, como o cara é novo, eu resolvi saltar fora. Larguei de mão”, conta. “Se eles quiserem negociar ou tocar a casa pra frente, eu não quero nada. Agora é comigo e eu quero conseguir só do meu suor.”
O hamburguense veio para Montenegro. Tentou abrigo com o irmão que aqui vivia enquanto criava a base para a nova vida que buscava construir. “Só que como tu está dependendo do outro, por mais que o cara está ajudando, tu sempre sente um olhar diferente”, aponta. Logo, ele resolveu sair. “Falei pro meu irmão que eu ia ir embora e procurar um rumo.” Em suas andanças, Enio acabou perdendo seus documentos e, sem maiores condições, recorreu ao canteiro.
“Foi o único canto que eu achei, daí me atirei. É um lugar mais tranquilo, e eu sou meio solitário e não gosto muito de estar no meio do movimento”, explica. O irmão é o único que lhe faz visitas. Foi ele, inclusive, que emprestou a carrocinha para o recolhimento dos resíduos no Centro – atividade que, antes, era realizada por Enio apenas com um saco que ele carregava nas costas. Por vezes, ele também assume a atividade do irmão, como vendedor de abacaxi.