O julgamento do estupro da influenciadora digital Mariana Ferrer, ocorrido no Estado de Santa Catarina, na tarde dessa terça-feira, dia 3, repercute de forma intensa em todo o país. Situações de constrangimento da vítima durante a sessão e o fato de o relato dela não ser considerado prova suficiente no processo, levantam a interrogações como a feita pela presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres (Comdim) de Montenegro, Carliane Pinheiro, a Kaká. “Se quem deveria acolher, proteger e fazer justiça não o faz, onde iremos pedir socorro ou recorrer?”, questiona.
Durante o processo, o promotor do caso foi transferido para outra promotoria. Já o novo promotor entendeu que o réu, o empresário André de Camargo Aranha, não teria como saber que Mariana não estava em condições de dar consentimento à relação sexual. Assim, não existiria o dolo, a intenção de estuprar. Essa conclusão do promotor está sendo chamada de “estupro culposo”. Embora não exista na legislação essa tipificação criminal, o termo passou a ser usado para manifestar a indignação social perante a decisão da justiça.
O Comdim luta para convencer as vítimas de estupro a denunciar o agressor, e para Kaká esta exposição negativa à qual Mariana Ferrer foi submetida enfraquece esta missão convencimento das vítimas. “É chocante! Tratamento hostil é um dos motivos para que muitas mulheres não denunciem e silenciem, para que não procurem ajuda quando são estupradas”, afirma a presidente do Conselho.
Kaká desabafa e ressalta que sem denúncia os culpados jamais serão punidos. “Todos os dias nossos direitos são violados por uma sociedade que faz de conta que não enxerga as violências que as mulheres vêm sofrendo ao longo dos anos”, acrescenta.
Nesta sexta-feira, dia 6, o programa Estúdio Ibiá, da Rádio Ibiá Web, receberá Kaká Pinheiro e a promotora de justiça criminal em Montenegro Graziela Lorenzoni. A partir do meio-dia a pauta violência sexual estará no cerne do debate. “Tem muito a se ponderar sobre isso. Posso adiantar que penso que a postura do advogado é indefensável. Foi um absurdo o tratamento que ele deu à vítima. Esse tratamento, de fato, não é dado nem a réus”, comenta a promotora.
Entenda o caso Mariana Ferrer
A blogueira Mariana Ferrer acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado em dezembro de 2018, em um camarim privado, durante uma festa em um beach club na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ela tinha 21 anos e era virgem.
Mariana teria sido drogada e, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela. O exame toxicológico de Mariana não constatou o consumo de álcool ou drogas. André Aranha disse que fez sexo oral. A defesa do empresário diz que ele não estuprou Mariana.
O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência ou reagir. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.
A 3ª Vara Criminal de Florianópolis absolveu o empresário, com base no princípio “in dubio pro reo”, por entender que a acusação de estupro foi baseada apenas nos relatos de Mariana e sua mãe. O juiz Rudson Marcos afirmou que não ficou provado que a “influencer” estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.
“Estupro Culposo”
O site The Intercept Brasil afirmou, em reportagem publicada terça-feira, que o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, pediu, e o juiz aceitou, a absolvição de Aranha pelo fato de ele ter cometido “estupro culposo”.
O MP-SC afirmou, em nota, que “não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro”.
Segundo o órgão, não ficou demonstrado que houve “relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência [Mariana Ferrer], ou, ainda, que a outra parte [André Aranha] tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime. Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de ‘estupro culposo’, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável”, destacou o MP-SC.