NORMALMENTE o eleitor não dá muita atenção ao cargo e pode estar cometendo um grave erro
É na dinâmica do futebol que se encontra a forma mais fácil de compreender o papel de um vice, seja numa prefeitura, no governo do Estado ou na presidência da República. Dentro de campo, a figura mais importante costuma ser a do artilheiro, normalmente um atacante agudo e bem posicionado na área adversária. Quando, por lesão ou punição, ele fica impedido de jogar, quem entra em campo no seu lugar é o reserva daquela posição.
Na Política, é parecido. Se um prefeito não tem como continuar a “partida”, a lei determina a escalação do vice, um reserva que geralmente a “torcida” nem conhece direito porque não recebeu a mesma atenção que o craque quando foi “contratado”.
Em Montenegro, saídas e “suspensões” de titulares são relativamente comuns. Desde 1946, quando ocorreu a redemocratização do país após o Estado Novo e os prefeitos voltaram a ser eleitos diretamente para o cargo, houve pelo menos quatro “reservas” ocupando a posição de titulares. Aconteceu em 1966, em 1990 e outras duas vezes somente nos últimos cinco anos. De 2005 até agora, foram dois processos de Impeachment e, por pouco, não houve um terceiro “cartão vermelho”.
O Executivo também já teve duplas que não se toleravam, como Madalena Bühler e Roberto Braatz (1997-2000), e outras cuja afinidade era tamanha que suas ações até se confundiam, como Percival de Oliveira e Marcos Griebeler (2009 a 2012). Aí estão bons argumentos para que o eleitor preste atenção em quem estará realmente votando quando teclar o número de seu candidato na urna eletrônica. A história mostra que é melhor não ignorar o segundo nome da dobradinha.
As atribuições do vice-prefeito estão descritas no capítulo 3º da Lei Orgânica do Município. De acordo com o advogado Alexandre Muniz de Moura, consultor jurídico da Câmara de Vereadores, no dia da posse, junto com o prefeito, ele promete manter, defender e cumprir as constituições federal e estadual e as demais leis, promover o bem geral do Município e exercer o cargo sob inspiração da democracia, da legitimidade e da legalidade. “Em geral, os vices ficam à disposição do prefeito e se apresentam para representá-lo ou substituí-lo quando são chamados”, ensina. Pode ser em eventos específicos ou períodos maiores, como viagens e férias.
Por lei, o vice assume sempre que o titular se ausentar do Município, do Estado ou do País por mais de 15 dias. Ou em caso de impedimento do prefeito, por doença, morte ou cassação de mandato. O vice também está sujeito às proibições que se aplicam ao prefeito, como firmar ou manter contrato com o Município ou com suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações ou empresas concessionárias de serviço público municipal.
Advogado e ex-vereador, Ernesto Arno Lauer constata que as pessoas não prestam muita atenção aos vices na hora de votar, o que pode ser uma falha. “Considerando todas as atribuições e a real possibilidade de virem a assumir de fato, o ideal é que sejam pessoas tão preparadas e capazes quanto o candidato a prefeito”, aponta. Afinal, ninguém quer ver o time tomando uma goleada porque seu principal jogador saiu ou foi expulso.
Alianças ruins levam a governos turbulentos
Se você não lembra quem foram os vices escolhidos ao lado dos últimos prefeitos, saiba que não é o único que “não liga” para isso. Em 2018, pesquisa do Datafolha apontou que a maior parte do eleitorado dá pouca ou nenhuma importância ao candidato a vice numa eleição. No levantamento, 29% dos entrevistados disseram que não há nenhuma relevância no nome do vice no pleito e 25% consideraram a questão como pouco importante.
Provavelmente os números não seriam muito diferentes hoje. Os próprios partidos negligenciam essa definição e à figura do vice raramente é dado o peso que realmente tem. Primeiro, as legendas escolhem o candidato a prefeito e a vaga do “companheiro de chapa” fica em aberto até a definição das coligações. A sigla que adere é a que costuma ficar com ela, escolhendo alguém entre os seus filiados mais populares, não necessariamente o mais preparado. Muitas vezes, a dupla não possui nenhuma afinidade, o que gera problemas de convivência depois, caso eleitos. Nessas alianças “ruins”, não raro, os vices são acusados até mesmo de conspirar contra os prefeitos para tomar o seu lugar.
Durante o processo de Impeachment, o ex-prefeito Paulo Azeredo sugeriu várias vezes que seu companheiro de chapa, Luiz Américo Aldana, estava por trás do processo de cassação. E quando a Câmara processou o próprio Aldana, dois anos depois, ele fez a mesma acusação contra o seu vice, Kadu Müller, herdeiro do cargo.
A situação não é muito diferente em nível estadual e federal. A ex-presidente Dilma Rousseff declarou formalmente que o então vice-presidente Michel Temer manipulava o Congresso Nacional para tirá-la do cargo, em 2016. A ex-governadora Yeda Crusius também teve problemas com seu vice, Paulo Feijó, tratado como inimigo pelo Palácio Piratini entre os anos de 2007 e 2010.
Saiba mais
– A palavra vice vem do Latim e significa “volta, mudança, troca, substituição”.
– Apesar de ser considerado “cargo em espera”, a escolha pode determinar os rumos políticos e administrativos de uma cidade.
– Daí a importância da escolha de um vice reconhecidamente competente, aliado e não divergente dos planos majoritários, uma vez que, na ausência ou impedimento do prefeito, ele assume e deve dar continuidade à administração pública, com legitimidade e responsabilidade.
– Com a posse de Kadu Müller, Montenegro hoje não tem vice-prefeito. Em caso de necessidade, assume o presidente da Câmara.
Os vices que assumiram o cargo de prefeito – após 1946
Ivo Bühler – setembro de 1966 a junho de 1968
A história dos vices que assumiram o comando do Executivo montenegrino, após a redemocratização iniciada com o fim do Estado Novo, começa com Ivo Bühler. Empossado em 1964 junto com Hélio Alves de Oliveira para um mandato que deveria ir até 1967, ele o substituiu em 14 de setembro de 1966, quando o titular renunciou para concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa, como deputado estadual.
Quem conta é o advogado, ex-vereador e promotor de Justiça aposentado, Ernesto Arno Lauer. Segundo ele, na época, prefeito e vice eram eleitos separadamente. Alves já havia sido deputado (de 3 de março de 1951 até 21 de abril de 1954) e prefeito (de 31 de dezembro de 1955 a 30 de dezembro de 1959). Quando as eleições de 1966 para a Assembleia chegaram, faltava, em tese, pouco mais de um ano da sua segunda gestão no Executivo para cumprir. No fim, uma decisão do governo federal adiou o pleito para 1968, prorrogando aquele mandato.
Segundo Lauer, em 1966, Hélio entendeu que deveria disputar novamente uma cadeira no parlamento e, de lá, continuar contribuindo com a cidade. “O Ivo Bühler então assumiu e ficou quase dois anos na Prefeitura. Como em 1964 havia concorrido a vice, ele pode disputar o cargo de prefeito em 1968. Por isso, deixou a função em 13 de junho daquele ano para fazer a campanha, mas acabou perdendo para Adolpho Schüller Netto”, recorda.
Mattana – março de 1990 a dezembro de 1992
O médico Ubirajara Resende Mattana foi eleito vice-prefeito na chapa encabeçada por Adolpho Schüller Netto, em sua segunda corrida pela Prefeitura, em 1988. Quando a gestão começou, em 1º de janeiro de 1989, o vice assumiu o comando da Secretaria da Saúde. A relação entre os dois era de total sintonia, lembram antigos assessores.
Naquele mesmo ano, ocorreu a primeira eleição para a Presidência da República após a ditadura militar. A população elegeu Fernando Collor de Mello que, ao assumir, escalou o senador gaúcho Carlos Alberto Chiarelli para o comando do Ministério da Educação. Muito próximo do prefeito Adolpho Schüller Netto, ele o convidou para integrar sua equipe, presidindo a Fundação de Assistência ao Educando (FAE).
Schüller aceitou o desafio, alegando que, uma vez em Brasília, teria condições de ajudar ainda mais a comunidade montenegrina e da região, através da destinação de verbas para programas não só na área do ensino, mas em vários outros setores. Em 17 de março de 1990, com a renúncia do titular, Mattana assumiu a chefia do Executivo. Ele manteve a equipe nomeada por Schüller e seguiu na realização do plano de governo até o fim do mandato, em 31 de dezembro de 1992.
Aldana – maio de 2015 a dezembro de 2016
Luiz Américo Aldana concorreu a vice-prefeito na chapa liderada por Paulo Azeredo em 2012. A dupla venceu a disputa por uma apertada vantagem de 56 votos em relação ao segundo colocado. No início da gestão, o vice comandou a Secretaria Municipal da Educação, mas a relação com o chefe do Executivo nunca foi boa. Tanto que se afastou e acabou se dedicando a um projeto de regularização fundiária na periferia da cidade.
Em 2015, Azeredo resolveu construir uma ciclovia no meio da Rua Capitão Cruz. O projeto não tinha o aval das autoridades de trânsito, representava risco para os usuários e, na obra, foram empregados materiais cuja compra, segundo apurou a Câmara, teria sido irregular. Após a denúncia, o Legislativo instalou um processo de Impeachment e, em 25 de maio, o prefeito foi cassado. Aldana assumiu no mesmo dia e, na eleição seguinte, em 2016, conquistou seu próprio mandato.
Kadu – setembro de 2017
Carlos Eduardo Müller chegou ao Executivo como vice de Luiz Américo Aldana, em 1º de janeiro de 2017. A relação entre os dois, que havia sido amistosa desde que o prefeito assumira no lugar de Paulo Azeredo, começou a se deteriorar logo após a contagem dos votos. Já na formação da equipe de governo, houve conflitos e o vice, escalado para a chefia de gabinete, afastou-se das funções ainda no começo da gestão.
Em junho de 2017, a operação Ibiaçá, do Ministério Público, apontou uma série de fraudes em licitações da Prefeitura, o que levou a Câmara ao segundo processo de Impeachment em apenas dois anos. Aldana foi cassado em 14 de setembro e o vice virou chefe do Executivo.
Depois, o próprio Kadu foi alvo de pelo menos cinco tentativas de cassação do seu mandato, mas nenhuma teve êxito.
Prefeitos e vices de Montenegro desde 1946
1947 a 1951
José Pedro Steigleder e José Lindolfo Hummes
1952 a 1955
Germano Roberto Henke e João Artur Renner (faleceu em 1952)
1956 a 1959
Hélio Alves de Oliveira e José Lindolfo Hummes
1960 a 1963
Germano Roberto Henke e Afonso Kunrath
1964 a 1967 (prorrogado até 1968)
Hélio Alves de Oliveira (renunciou) e Ivo Bühler
1969 a 1972
Adolpho Schüller Neto e Afonso Kunrath
1973 a 1976
Roberto Atayde Cardona e José Edwino Weber
1977 a 1982
Ivan Jacob Zimmer e Edgar Roberto Fink
1983 a 1988
Erny Carlos Heller e Sálvio Antônio Rosa
1989 a 1992
Adolpho Schüller Netto (renunciou) e Ubirajara Resende Mattana
1993 a 1996
Ivan Jacob Zimmer e Ricardo Senger
1997 a 2000
Maria Madalena Bühler e Roberto Braatz
2001 a 2004
Ivan Jacob Zimmer e Edegar Almeida
2005 a 2008
Percival de Oliveira e Paulo Pollet
2009 a 2012
Percival de Oliveira e Marcos Griebeler
2013 a 2016
Paulo Azeredo (cassado) e Luiz Américo Aldana
2017 a 2020
Luiz Américo Aldana (cassado) e Kadu Müller