Venda de melancias oferece oportunidades e desafios

Vendedores ambulantes falam sobre suas rotinas, lamentam a concorrência das frutas de dora e reclamam da fiscalização

No severo calor do verão, tem muita gente que vê na melancia uma boa alternativa para se refrescar. A fruta é leve, nutritiva e, segundo os apreciadores, deliciosa. É bem por essa época, então, que se intensificam as vendas, com o surgimento de diversos comerciantes ambulantes que veem na procura uma oportunidade de incrementar seu sustento. Somente na Avenida Júlio Renner, a Via 2, existem mais de dez bancas comercializando o produto.

Lucimar Kuhn é um deles. Aos 44 anos, ele passa todos os dias da semana nas proximidades da secretaria municipal da Saúde, a Assistência, com seu caminhão carregado da frutas. Estaciona às 7h30 e só sai às 20h. “Seja sábado, domingo, com chuva e tudo, eu tô aqui”, conta. Esta rotina faz parte de sua vida há oito anos. “É uma luta. Um rio de dinheiro não dá, mas dá pra ganhar uns 100 pila por dia e dá pra se defender. Desse jeito, todo mundo ganha um pouquinho. O produtor ganha e tudo gera dinheiro.”

Morador do bairro Germano Henke, Lucimar não tem plantação. Busca suas melancias diretamente dos produtores. Em dias bons, chega a vender até 200 unidades. O dinheiro vai para o pagamento das prestações do caminhão – recém comprado para ter espaço para mais produtos – e o sustento da família. Lucimar tem duas meninas, ainda crianças, e dois filhos homens. Um deles fica com outra camionete, em um ponto diferente da Via 2, também vendendo. O outro trabalha fora, com corte de mato.

“Eu vendo a melancia aqui a R$ 10,00, R$ 15,00, R$ 8,00 e R$ 5,00. Depende de como eu compro. Agora, tá chegando uma época em que está subindo até para nós comprarmos, então tem que repassar o custo”, relata. O montenegrino começa seu comércio já em agosto de cada ano, com as frutas importadas de outros estados, e vai até o início de abril, então com os produtos locais. “Daí, quando o negócio fica meio ruim, eu já vou pros matos com meu filho, cortar mato de acácia e eucalipto. Eu me viro, né!? Tem que trabalhar.”

Empreendedor, Lucimar já encaminhou sua liberação para, posteriormente, começar a vender lenha, carvão, laranja, bergamota e mel. Pretende também fazer fretes com seu caminhão pela cidade. “Na época do inverno, eu vou continuar trabalhando nisso”, explica.

SETE BENEFÍCIOS DA MELANCIA
Ajuda a desinchar: sua ação diurética limpa os rins.
É ótima para emagrecer: contém poucas calorias sendo uma ótima opção para uma sobremesa saudável.
Fortalece as defesas do corpo, porque é uma excelente fonte de vitamina C.
Protege a pele do sol porque possui licopeno.
Melhora o trânsito intestinal porque tem boas fibras e água, que aumentam o bolo fecal.
Regula a pressão porque tem água, potássio e magnésio;
Fortalece os ossos porque é uma boa fonte de cálcio.

“O lucro é pouco”, afirma comerciante
O comércio na Via 2 resultou na amizade entre Lucimar e outro vendedor de melancias, o senhor Ernesto Soares. Também com anos de experiência na prática, o morador da Rua Nova passa o dia comercializando. Ele cuida do ponto de um amigo, por comissão, enquanto a esposa e a filha vendem no caminhão da família, nas proximidades da Unimed. Além da melancia, o melão também é ofertado.

“A venda é ‘naquelas’. Tem dias que vai e têm outros que empaca”, conta Ernesto. Ele, que também compra as frutas para revender, fala que a perda – com o tempo parado no caminhão e o apodrecimento – fica em 15%. Desde o produtor, a fruta é cara. “O lucro assim é pouco. Acaba que é só pra sobreviver.” O horário final do expediente no caminhão depende do sucesso das vendas de cada dia.

É diante da situação e dos meses sem safra que ele também opta por outras atividades, como a venda de lenha e o trabalho de limpeza que realiza para empresas de outros municípios. A exemplo do amigo Lucimar, Ernesto já se programa para começar a comercializar outros itens. “Depois eu vou botar umas rapaduras, uns amendoins, pinhão. Essas coisas de inverno”, afirma.

Consumidores dão mais valor ao produto de fora
O clima, a data, o solo. Muitos fatores influenciam a produção e a venda de melancias na região. O comércio já começa em meados de agosto, com as frutas importadas de estados como São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Paraná. “A de fora vende muito mais do que a nossa aqui. Teve um dia em que eu cheguei a vender 400 melancias importadas”, afirma o comerciante Lucimar. “O pessoal pergunta se a fruta é nossa ou se é de fora. Se disser que é de fora, é quase certo que eles compram”, coloca. Ele avalia que, de fato, a melancia importada tem sabor mais doce e é mais sadia.

Para o produtor André Luiz Müller, que planta a fruta nas localidades de Passo da Amora e Fortaleza, no entanto, essa preferência representa entraves para a economia. “Nesse ano, o comércio abriu meio baixo, justamente porque ainda estava vindo melancia de São Paulo e ficava competindo com a nossa”, relata. Ele explica que foi por volta de 10 de dezembro que acabou a produção paulista, ao passo que desde 15 de novembro já havia melancia da região. Com a maior procura pela mercadoria de fora, os produtores sentiram as consequências do mês de interseção das safras.

Atualmente estamos, segundo André, no auge da produção regional, indo até o meio de janeiro. “Lá pelo dia 15, já escasseia. Daí começa a vir de Minas do Leão, Quitéria e Encruzilhada. A última é a de Bagé, onde eles agora que estão plantando. Essas entram lá em março”, conta.

Independentemente do local de origem, no entanto, o calor intenso tem se mostrado um problema, pois queima a fruta já na lavoura, aumentando o percentual de perda do produtor e, por consequência, o seu custo. “O calorão é muito bom para o consumo, mas para quem tem a melancia na lavoura, é ruim”, diz André. “A fruta é muito perecível. Hoje ela tá verde e amanhã ela já apodreceu.”
Nesta situação, tornam-se necessários maiores investimentos em irrigação e controle, subindo o valor da melancia para revendedores e consumidores. É o ciclo econômico demonstrando os vários fatores dos quais depende.

Vendedores acusam desalinhamento na fiscalização
Lucimar e Ernesto estão devidamente registrados na Prefeitura para comercializar na Via 2. Antes da regularização, Lucimar chegou a ser visitado pela Diretoria de Fiscalização de Obras e Posturas para que ficasse de acordo com as regras. Cumprindo todas as solicitações feitas, hoje, ele precisa trabalhar lado a lado com outros comerciantes que praticam livremente os mesmos atos irregulares que chamaram a atenção dos fiscais em seu caso. A situação o deixa indignado.

“Como é que os outros podem fazer o que eu não podia?”, questiona. O comerciante fez seu registro como microempreendedor individual (MEI), recolhe mensalmente seus impostos, passou o caminhão por vistoria e jamais deixa as frutas colocadas no chão. A poucos metros do ponto onde vende, no entanto, há estão montes de melancia espalhadas pela grama do canteiro para serem comercializadas.

“Eu ligo para a Prefeitura quase que todos os dias e ninguém vem olhar. Daí esses outros ficam aí, estragando os nossos negócios”, desabafa. “Tô pagando o valor desse MEI todo mês, nós temos nota fiscal, tudo. Eu tô dentro da lei e respeito, só que os outros não respeitam. Será que não tem fiscal para vir dar uma olhada? Os que estão errados ninguém vem incomodar.”

Com anos de experiência no ramo, Ernesto Soares aponta dificuldades no negócio

Para Ernesto, a situação representa concorrência desleal. “Acaba que os clientes vão nos outros, que estão errados, porque esses conseguem vender mais barato que nós. Aqueles que não pagam nada de imposto, claro, conseguem preço melhor”, aponta. Segundo o comerciante, quanto mais aparecem irregulares, piores ficam os negócios. “Se a lei existe, ela é pra todos. Nós temos como provar que nós estamos trabalhando honestamente. Os outros eu quero ver se têm.”

Benefícios da regularização

COMERCIANTE Lucimar Kuhn vende melancias na Via 2 já há oito anos

Após notificação da Prefeitura, Lucimar Kuhn abriu um MEI em seu nome. Essa modalidade de enquadramento empresarial foi criada justamente para que negócios como o dele pudessem ser regularizados, pagando um valor fixo mensal de impostos e, com isso, ganhando direitos. “Por um lado, é bom. Quando eu for me aposentar, ou precisar me encostar, daí eu tenho o recurso”, comenta. Em Montenegro, os escritórios contábeis têm a obrigação de atender ao processo de abertura de um MEI gratuitamente.

Prefeitura informa que fará nova vistoria esta semana
É a diretoria de Fiscalização da secretaria municipal de Obras Públicas (Smop) a responsável pelo controle dos ambulantes. De acordo com o diretor Jackson Santos de Oliveira, a notificação dada ao comércio de Lucimar, para que se regularizasse, foi em agosto, logo no início das vendas. A medida queria atingir os comerciantes logo cedo, para que houvesse tempo de regularização sem grandes perdas.

DIRETOR DE FISCALIZAÇÃO da Prefeitura de Montenegro, Jackson dá explicações sobre os procedimentos a serem seguidos pelos ambulantes. CRÉDITO: REPRODUÇÃO

Apesar de terem ocorrido algumas novas visitas pontuais após a ocasião, Jackson reconhece a necessidade de uma abordagem maior. “Às vezes, é uma falha também nossa, mas não tem como nós irmos lá todo dia. A gente não está cuidando só da venda de melancia, mas da calçada, da obstrução, do desmanche, do descaso com a limpeza, do mato nos pátios. E isso é um único fiscal que cuida. Estamos tentando organizar de novo, para que no ano que vem tenhamos um número maior de fiscais, pra não acontecerem essas demoras”, coloca.

O diretor afirma que, ainda nesta semana, uma nova fiscalização será realizada. Ele esclarece que agricultores que vendem diretamente produtos próprios podem fazer o comércio somente com o uso do talão de produtor, sem a necessidade de alvará ou MEI. Deixar a fruta no chão, no entanto, independente da modalidade, é proibido pelo Código Municipal de Posturas e, se fiscalizado, leva ao recolhimento da mercadoria. “Isso é para todos. Existe a legislação e ela precisa ser cumprida.”

Com as devidas regularizações, não há nenhum impedimento quanto ao local onde o veículo de venda pode estacionar. Respeitando as leis de trânsito, eles podem, inclusive, vender em frente a supermercados. Um dos trabalhos realizados pelo fiscal, segundo Jackson, é o de passar orientações como esta, como o que pode e o que não pode ser feito pelos ambulantes. Ele pede, ainda, uma sensibilização da comunidade para que compre apenas de quem está regularizado, com uma mercadoria de boa procedência e valor justo.

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