Casal formado por duas mulheres fala da criação dos filhos gêmeos, de um ano e um mês, em São José do Sul
Vem de anos a luta de casais homoafetivos – formados por duas pessoas do mesmo sexo – para serem reconhecidos como verdadeiras famílias. O Supremo Tribunal Federal autorizou, só em 2011, que eles formalizassem união estável. Em 2013, veio a autorização para casamento. Mesmo que a passos lentos, os direitos civis vão sendo reconhecidos. Mas, em sociedade, como será que é vista essa configuração de família “diferente”?
O casal Franciele Leivas de Souza e Weroniki Veiga Beidrzycki vive desde o ano passado em São José do Sul, cidade de interior com pouco mais de 2 mil habitantes. Elas são mães de um casal de gêmeos, a Maria Flor e o João Francisco, que têm apenas um ano e um mês de vida e são os primeiros bebês registrados por um casal homoafetivo no município de Montenegro. Na época, era onde elas moravam.
Franciele é de Sapucaia e funcionária concursada na Prefeitura de São José do Sul. Weroniki é do Rio de Janeiro, criada em Porto Alegre e concursada na Prefeitura de Montenegro. Foi por causa do trabalho que ambas se mudaram para a região há três anos. Em Montenegro, casaram-se em 12 de setembro de 2016 – a segunda união do tipo na cidade.
Os gêmeos nasceram em março de 2017. Eles foram concebidos por inseminação artificial em um instituto de fertilidade em Porto Alegre, de onde vieram os espermatozóides. “Quando a gente começou a ficar juntas, já começamos a falar em filhos”, recorda Weroniki. Ambas fizeram testes e verificou-se que Franciele teria mais facilidade para engravidar. “Daí a Fran entrou como a gestante da vez. Da vez não, da única vez. Os gêmeos já preencheram a vaga”, brinca.
A notícia de que eram gêmeos não gerou grande surpresa. O casal revela que a gestante liberou dois óvulos e que, desde essa época de acompanhamento do procedimento, eles foram apelidados de “João” e de “Maria”. Eram essas, então, as opções de nome que elas tinham caso viesse um menino ou uma menina. Vieram ambos. “Poucas crianças podem dizer que já tinham nome quando ainda eram um zigoto”, coloca Weroniki, entre risos.
Família inserida na comunidade escolar
Os pequenos João e Maria começaram na creche neste ano. Foi uma preocupação das mães saber de como forma a família seria tratada na instituição de ensino – tão reconhecida como um local da família. “A gente conversou, porque nós somos uma situação ‘atípica’ e a gente queria saber qual a abordagem que eles dariam”, conta Weroniki.
A diretora da creche municipal Laranjinha – a única do município – Kátia Regina Ertel Haupt, admite que, em um primeiro momento, a chegada da família foi vista como um desafio. “Mas conversamos muito, entre o nosso grupo de educadores e funcionários, e lidamos bem com a situação”, relata.
Uma das medidas buscadas foi a substituição das apresentações em homenagem ao Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia dos Avós, por um único Dia da Família. “Será a junção de todas as comemorações em uma só, mas, claro, serão enviadas lembrancinhas nos dias dos pais, das mães e dos avós”, explica a diretora.
Para a mãe Weroniki, a iniciativa deixa mais confortável a família dela e também outras configurações familiares. “Às vezes, vai ter só uma mãe. Às vezes, vai ser uma avó que cria a criança. Existem outras formas de família onde o pai não está presente e elas são um pouco marginalizadas. É preciso entender que família é mais do que um homem, uma mulher e um filho”, opina. “Até como linha pedagógica, esse Dia da Família pode ser usado para que eles insiram este tema com as crianças.”
Franciele conta que as duas se esforçam para participar ativamente da vivência escolar dos filhos, comparecendo e opinando nas reuniões e também participando de outras atividades, como em um recente mutirão de limpeza da creche e no desfile pelo aniversário de São José do Sul. Ela e a esposa acreditam que, estando presentes, as demais crianças se criarão vendo o casal como a família normal que são. Um passo importante para a erradicação do preconceito.
Acolhimento na “cidade pequena” foi melhor
A família mudou-se para São José do Sul no ano passado. O casal lembra que seus familiares, de início, não queriam que elas fossem para lá. Tinham receio de que, pela cidade ser pequena e de interior, as pessoas pudessem ter uma mentalidade limitada. “Inicialmente, foi uma pressão. Meus pais tinham muito medo de represália”, conta Weroniki.
Ela explica, no entanto, que elas nunca esconderam o fato de que são mulheres lésbicas e que têm uma família. “A Fran, já trabalhando na Prefeitura daqui, conhecia muita gente e todo mundo sempre soube que eu existia. Não era uma novidade”, conta. A ida para São José não poderia ter sido mais tranquila e elas avaliam que têm uma boa inserção na comunidade.
“Eu não sei se as pessoas têm uma ideia pré-concebida de promiscuidade, ou algo assim. Mas como a gente veio como uma família, talvez a gente tenha quebrado alguns paradigmas”, coloca Weroniki. “Acho que a gente não deu margem para que as pessoas nos olhassem torto.”
Pela cidade, elas contam, chegam a ser reconhecidas por pessoas que elas nem conhecem. São as “mães dos gêmeos”. “Quando a gente passeava com as crianças, antes de elas começarem na creche, a gente era quase um ‘ponto turístico’. Vinha todo mundo ver as crianças”, relata Weroniki. “Já são gêmeos, uma coisa que chama atenção. Gêmeos de um casal homoafetivo, então… Mas tudo sempre com carinho.”
Dentro do município e usufruindo dos serviços dele, o casal percebe uma inserção ainda maior. “Em Montenegro, a gente era totalmente isolado. Não falando mal, mas sendo uma cidade maior, a gente morava ali e não conhecia metade dos nossos vizinhos. Aqui a gente conhece muito mais gente”, diz Weroniki.
Além da amizade entre a vizinhança, o contato entre as mães e os filhos da mesma geração também é potencializado na comunidade pequena. “Acaba criando um vínculo. No posto de saúde, tem várias mães que tiveram bebês próximos. É essa mesma turma que está junta na creche e essas crianças vão ser do mesmo grupo até quando crescerem”, completa Franciele.
Licença-maternidade, um direito que fez falta
Weroniki não engravidou e, por isso, não conseguiu licença-maternidade. “Eu fiz tratamento para amamentar. Consegui licença de amamentação no meu trabalho, mas me deram como licença-paternidade. Eu sou um pai que amamenta, contraditoriamente”, conta. O entendimento foi o de que, como Weroniki não era fisicamente a gestante, não teria direito à licença de mãe.
O casal entrou com um processo, pedindo equiparação a casos de adoção, onde são dados à mãe adotante – dependendo da idade do bebê – os seis meses de licença-maternidade. Existem jurisprudências, inclusive, de empresas que aceitaram este entendimento, mas como a mãe trabalhava como servidora pública, não pode utilizá-las.
Weroniki conta que o principal incentivo pela busca do benefício foi o fato de os filhos serem gêmeos e, com isso, a demanda de trabalho ser maior. “Não sei se as pessoas que fazem essas legislações já tiveram dois filhos em casa”, coloca. O pedido foi negado pelo procurador do município, não teve êxito na primeira instância do Judiciário e deveria ser julgado pelo Tribunal. Até hoje, está parado. É outro entrave jurídico que precisa ser enfrentado pelas famílias homoafetivas.