Projeto GNVerde. Associados da Ecocitrus, frota da Naturovos e veículos
de parceiros enchem o tanque na usina de biogás em Passo da Serra
Enquanto a grande maioria das pessoas perdeu o sono reorganizando a rotina para reabastecer o carro nesta semana, pouco mais de 20 citricultores do Vale do Caí seguiram usando seus veículos normalmente, com a vantagem de não precisarem desembolsar nenhum centavo ao deixar o posto nesta época em que a gasolina custa quase cinco reais por litro. Associados à Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus), eles possuem automóveis movidos a gás natural veicular (GNV) — um produto fabricado a partir de resíduos orgânicos em Montenegro desde 2012, na usina do Consórcio Verde Brasil, que fica na localidade de Passo da Serra, às margens da RSC-287, no mesmo local da central de compostagem.
O chamado “GNVerde” é homologado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e tem sua eficácia comprovada por estudos e, mais do que isso, por testes práticos no dia a dia. Contudo, devido à burocracia e ao desinteresse do governo gaúcho, ainda não saiu a liberação para a venda do produto, tampouco há perspectivas neste sentido. A Sulgás, que é parceria no desenvolvimento do projeto e havia se comprometido a adquirir o biometano de Montenegro, está sujeita a ser privatizada, situação que paralisou o processo licitatório. São anos e mais anos de desperdício de um potencial que geraria receitas e ajudaria a reduzir a poluição.
Vice-presidente da Ecocitrus, Ernesto Kasper conta que a crise de abastecimento nos postos convencionais provocou um pequeno crescimento na demanda nos últimos dias, porque amigos e parceiros ficaram sem acesso ao GNV de origem fóssil, que em muitos pontos de venda chega de caminhão (no RS, 70 estabelecimentos não ficaram sem o produto porque chega por rede canalizada, onde não houve problema no fornecimento). “Pessoas conhecidas nos ligaram porque ficaram empenhadas e precisavam de ajuda, principalmente para questões de saúde. Estendemos a mão sem cobrar nada, até porque o nosso gás está ali sobrando”, conta.
Dono de carro movido a GNV, Ernesto relata que não mudou nada em sua rotina face à escassez de combustível dos últimos dias. Na semana passada, ele encheu o cilindro do veículo na usina de Montenegro e foi a Taquara a uma reunião. Depois, no município vizinho de Igrejinha, colocou gás em um posto convencional e dali conseguiu rodar pela Serra e retornar para casa. “Viajei bastante sem gastar nenhum litro de gasolina”, exclama.
O biometano da usina de Passo da Serra também ajudou a alimentar uma caldeira da empresa Naturovos, em Salvador do Sul, que é parceira do projeto. O transporte do GNVerde estava sendo feito em cilindros por caminhão, mas a alternativa acabou interrompida. Não por falta de combustível, mas porque o veículo ficou retido nos bloqueios dos grevistas.
“Ninguém pressiona o nosso governador?”
Ao analisar as paralisações dos caminhoneiros, Ernesto Kasper pergunta a si mesmo as razões pelas quais nenhuma liderança do movimento pressionou o governador José Ivo Sartori para reduzir o ICMS incidente sobre gasolina, etanol e diesel. “Por que os combustíveis são mais baratos em Santa Catarina do que no Rio Grande do Sul? Por conta do ICMS. Mudar isso está ao alcance do governador, mas onde está a pressão? Todo mundo coloca a culpa apenas no Temer.”
Na visão do vice-presidente da cooperativa, os prefeitos da região poderiam se unir e, juntos, fazerem reivindicações em benefício da população, pois têm poder de influência no campo político. Ele constata que o poder público poderia ter ao menos parte da frota equipada com GNV e, com isso, incentivar o uso de combustíveis alternativos, mas nem isso se vê pela região. “Poderíamos tranquilamente ter uma parceria para divulgar e valorizar o produto, além de sensibilizar a sociedade, mas nada disso acontece”, lamenta.
Impacto nas atividades
Os movimentos dos motoristas de caminhão impactaram nas atividades da Ecocitrus. Na tarde da última terça, a agroindústria, na localidade de Pesqueiro, teve que interromper a produção em função do desabastecimento. Para transportar os vigilantes do local, o presidente da cooperativa, Ademar Henz, precisou usar um carro da Ecocitrus equipado com GNV para buscá-los e levá-los. “Nem mesmo a empresa que prepara as refeições conseguiu movimentar seu pessoal, então paramos hoje [terça].”
Na usina de compostagem, em Passo da Serra, o ritmo do trabalho esteve esta semana bem abaixo do normal, já que as cargas de matéria-prima e de adubo orgânico são transportadas por caminhões.
Somente alguns serviços de manutenção na planta estavam sendo realizados até a última quarta-feira.