Análise. Economia cresce 1% de janeiro a março, mas crise política pode colocar tudo a perder, dizem especialistas
Depois de passar dois longos anos no vermelho, a economia brasileira colocou um pé para fora do atoleiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que na última semana anunciou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 1% de janeiro a março deste ano. Para você pode parecer pouco, mas é o primeiro resultado positivo desde o quarto trimestre de 2014. De lá para cá, os números vinham sendo apenas negativos.
O estudo do IBGE mostrou que o responsável pela “salvação da lavoura” foi justamente o agronegócio, que cresceu 13,4% no período. O setor de serviços ficou estável, enquanto a indústria conseguiu subir tímidos 0,9%. Esses dados poderiam trazer mais ânimo aos agentes econômicos, que são os primeiros elos da cadeia da economia. Entretanto, as encrencas políticas em Brasília — que têm o presidente Michel Temer como epicentro — podem, mais uma vez, levar o PIB a um “voo de galinha” no segundo trimestre deste ano.
Diante deste horizonte de incertezas, o Jornal Ibiá busca traduzir melhor ao leitor esta relação entre política e economia e o que se pode esperar da crise nas próximas semanas e meses. Foram entrevistadas duas fontes do mercado — o presidente da Fiergs, montenegrino Heitor Müller, e o presidente da ACI, Waldir Kleber — e duas da academia, ou seja, estudiosos de economia: os professores Divanildo Triches (Unisinos) e Silvio Paixão (Fipecafi/USP). As linhas de pensamento convergem e a constatação maior é de que o País não vai sair do buraco se a política nacional não estabilizar-se. Em resumo: o Brasil tenta crescer, mas a classe política segue exímia em atrapalhar essa desafiadora caminhada.
Entenda melhor
Apesar dos bons resultados da agropecuária,
a indústria tem apresentado altos e baixos.
Enquanto isso, o setor de serviços ainda sofre com a falta de demanda em um contexto de desemprego recorde. O país só sairá de recessão quando houver crescimento em vários setores e, ao mesmo tempo,
a tendência seja de progresso sustentável.
“Crise política nos atropelou”, diz Heitor Müller
Em entrevista exclusiva ao Jornal Ibiá, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor Müller, avalia que o quadro de recuperação apresentado dia 1º de junho pelo governo procede, porque, de janeiro a março, a economia deu sinais de recuperação. No período, houve queda dos juros e da inflação, além de aumento das vendas. “A produção da indústria melhorou. Houve compra de matéria-prima e, se a indústria compra matéria-prima, é porque tem pedidos. Os números nos dizem que, depois de atingirmos o fundo do poço, conquistamos estabilização. Em janeiro, tivemos uma alavancagem e havia sinais bem visíveis de recuperação.”
Na visão de Müller, porém, qualquer comemoração é prematura, porque antes é necessário aguardar o PIB do segundo trimestre. Neste sentido, o mês de abril não foi bom porque teve cinco feriados e cinco finais de semana, o que empurrou a indústria para baixo. Com relação à economia em maio, os números ainda não são conhecidos e junho recém-começou.
Segundo o dirigente da Fiergs, a tendência de recuperação que se desenhava no horizonte sofreu abalo com a nova crise governamental que atingiu em cheio o presidente Michel Temer. “Não deveria ser assim, porque a política tem o seu ambiente para resolver suas questões, e a economia, as suas. Mas aqui misturam tudo e uma coisa influenciou na outra. Os problemas políticos tinham sido superados, mas agudizaram novamente [em decorrência da delação da JBS]”, lamenta.
Depois da divulgação das gravações entre Joesley Batista, dono da JBS, e Temer, as perspectivas econômicas voltaram a ficar embaralhadas, diz o industrial. “Estávamos bem encaminhados com as reformas trabalhista, previdenciária e tributária, que são absolutamente indispensáveis, mas esse episódio político nos atropelou.”
Mesmo com a incerteza pairando sobre Brasília, Müller ainda acredita que a tendência é de melhora. Para isso, porém, é preciso que o impasse na capital federal seja superado o mais rápido possível, porque disso depende a recuperação da confiança e do ânimo dos agentes econômicos. “Hoje, qual é o horizonte de nosso país para investir e, com isso, voltar a gerar emprego? Infelizmente, no curto e no médio prazos, é um horizonte desconhecido.”
O presidente da Fiergs lamenta que o país desabou em um ranking mundial que lista as melhores nações para se investir. Dos 63 relacionados, o Brasil ocupa a posição número 61, à frente apenas da Venezuela e da Mongólia. “Isso é reflexo de um descontrole total do governo em Brasília, que mistura o poder com a nação, a nação com a política, e isso não é bom.”
“A corrupção é o cupim da República”
Para o país deslanchar, só mesmo depois de a crise política ser resolvida. É o pensamento do presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACI) de Montenegro e Pareci Novo, Waldir João Kleber. Nesta entrevista, ele salienta a necessidade de as reformas avançarem, e de a corrupção ser estancada. Senão a pátria segue patinando.
Como o senhor interpreta o crescimento do PIB em 1% de janeiro a março deste ano?
Waldir Kleber — É uma notícia alvissareira. Afinal de contas, estamos no terceiro ano de recessão, o que aconteceu pela primeira vez na nossa história econômica. Nem na quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, tivemos um período recessivo tão prolongado.
A que se deve esse resultado?
Sem dúvida, devemos creditar esse desempenho positivo, em primeiro lugar, à equipe econômica do governo federal, que é profissional e competente. Em segundo lugar, o mérito também é do agronegócio, que cresceu notáveis 14% neste primeiro trimestre, entregando safras recordes em várias culturas. O setor industrial e o de serviços ainda estão patinando. Isto tudo com inflação controlada e juros decrescentes.
Por que a recuperação é tão lenta, em sua opinião?
O que destoa e preocupa continua sendo a crise política. Como dizia o saudoso Ulysses Guimarães, “a corrupção é o cupim da República”. E a cada semana surgem novas denúncias, que mantêm fragilizada nossa administração pública. O único caminho viável para melhorar a situação é avançar nas reformas necessárias, como a trabalhista e a previdenciária. Talvez com algumas melhorias nos projetos, mas que mantenham as linhas mestras e possibilitem equilíbrio entre receitas e despesas no futuro. Isto deve ser buscado pela coalizão política que hoje apoia as reformas econômicas no Congresso Nacional, mesmo se o presidente Michel Temer tiver que ser substituído em eleição indireta, conforme reza a Constituição.
Podemos esperar o que dos próximos meses?
Depende de como será solucionada a crise política. Se for possível enxergar alguma estabilidade política e econômica suficiente para conduzir nossa pátria sem sobressaltos até as eleições democráticas do ano que vem, podemos esperar uma retomada da confiança, dos investimentos e dos empregos. Se continuarmos vendo na TV diariamente relatos de novos casos de corrupção, quebra-quebras nas ruas e agressões e desrespeito no Congresso Nacional, vamos ter, no máximo, esses voos de galinha: alça voo aqui e despenca logo ali à frente. Dependemos essencialmente das nossas lideranças e, por que não dizer, de nós mesmos, que elegemos estes líderes.
Economista diz que é preciso controlar os gastos do governo com rapidez
Professor de graduação, mestrado e doutorado em Economia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, Divanildo Triches afirma que ainda é cedo para festejar — como sugere o governo Temer — o crescimento do PIB em 1% no primeiro trimestre deste ano. “Podemos dizer apenas que esse dado mostra que paramos de cair. Foi alcançada a estabilidade e a tendência, ainda que tímida, é de retomada do crescimento”, interpreta.
Entretanto, o especialista ressalta que a superação da crise é impossível sem que haja antes uma solução para o impasse político em torno do presidente Michel Temer. “Não se sabe se este pequeno desempenho positivo do primeiro trimestre se sustentará no decorrer do ano, porque a política exerce uma brutal interferência na economia. As denúncias contra o presidente no mês passado causaram muita apreensão a quem investe. Esses projetos ficarão parados enquanto a questão política não se estabiliza. Estamos em compasso de espera.”
Temer assumiu com 13 milhões de desempregados no país e hoje há um milhão a mais. O professor salienta que solucionar esse problema é essencial para a recuperação da cadeia econômica, porque quem tem trabalho teme perder a vaga, por isso reduz o consumo, gerando um efeito negativo em cascata na economia — situação que só piora quando se está fora do mercado formal de trabalho.
Na visão dele, não há como esperar crescimento, portanto, sem que o país regule os gastos públicos e isso passa, necessariamente, pelas reformas — notadamente a previdenciária — para que se acabe com o déficit que consome dinheiro do caixa. “A máquina do governo está desestruturada. Os gastos públicos saíram do controle, levando a dívida a aumentar demais”, critica.
Especialista prevê queda do PIB no 2º trimestre
O professor e economista da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) — órgão de apoio ligado à Universidade de São Paulo (USP) —, Silvio Paixão, explica que a melhora do PIB no primeiro trimestre deste ano vem do crescimento do setor agrícola, mas a indústria faz contraponto, porque apresentou queda no mesmo período. “O governo poderia demonstrar algo positivo, mas não está acontecendo, e com alguns setores da economia não apresentando crescimento, o PIB deve ficar entre -0,5 e -1% no segundo trimestre”, projeta Paixão. Entenda melhor o ponto de vista dele na entrevista ao Ibiá a seguir:
O governo diz que a recessão terminou. Cita o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2017 em relação aos três meses últimos do ano passado. O senhor concorda? Por quê?
Silvio Paixão — Tecnicamente, sim. Porém, é recomendável aguardar o resultado dos próximos dois trimestres para se confirmar a tendência no curto prazo e o fechamento do 1º semestre de 2017 para avaliarmos os desdobramentos dos últimos acontecimentos políticos na atividade econômica. Mas, se comparado ao mesmo período de 2016, observa-se que o PIB do 1º trimestre de 2017 apresentou uma queda de 0,4%.
O governo também diz que é preciso aprovar as “reformas econômicas” para consolidar o que chama de “quadro positivo” e “impedir o recuo dos investimentos”. O senhor concorda?
A reforma da Previdência Social influenciará a economia em períodos futuros no médio e longo prazos. Já a reforma trabalhista explicita o que o mercado de trabalho pratica, de uma ou outra forma. No conjunto, quaisquer impactos no curto prazo serão muito mais decorrência de mudança das expectativas dos agentes econômicos, do que por conta dos efeitos imediatos das reformas.
Analisando a conjuntura política, o que se pode esperar da economia brasileira para os próximos meses? Haverá recuperação no segundo semestre? Qual seria a lição de casa do governo para que isso ocorra?
É improvável que ocorram mudanças significativas na atual condição da conjuntura econômica, pois o que vem impedindo a recuperação da atividade, além dos aspectos institucionais-políticos predominantes, da carga tributária substantiva e da alta taxa de desemprego, são a renda bastante deprimida, o custo financeiro doméstico exorbitante, e o endividamento endêmico do setor público e das famílias.