Já li em algum lugar que não é nada fácil escrever uma boa crônica sobre o Natal. De tanto que já serviu de inspiração ou tema, não só na literatura, como nas artes em geral. O que dizer que já não tenha sido dito, ou como transmitir minimamente alguma emoção?
O Natal da minha infância era muito simples. Sem televisão, internet ou mídias eletrônicas. Apenas o pinheirinho, um presépio e a leitura da Bíblia. Missa onde houvesse uma igreja. Presentes? Poucos e simples. Era o Natal do Menino Jesus.
O Natal das vitrines enfeitadas, dos presentes caros e pagos em várias prestações sem juros no cartão de crédito, do consumismo, das ceias fartas com perus, espumantes e frutas importadas, é mais recente. É o Natal do Papai Noel.
O mundo foi mudando e o Natal também. Mas conservando sentimentos e emoções que não experimentamos em nenhum outro momento. E que independe de nossa fé e de nossas crenças. Algo acontece em nós. Nos tornamos mais emotivos e sensíveis. E acima de tudo, com um desejo imenso de encontros e reencontros familiares. Não importa se para isso se precise viajar muitas horas de ônibus, ou pagar caras passagens aéreas
Foi em 2021. Passamos o Natal em S. Paulo, na casa de nossa filha Carla, e na companhia dos demais familiares. Como convidado, Danilo, 36 anos, solteiro, surdo-mudo de nascença. Resultado de rubéola contraída pela mãe durante a gestação. Estudante de pedagogia, Professor de Libras, e trabalhando na organização Mais Diferenças, criada por meus filhos Carla e Luis, e voltada para ações de educação e cultura inclusivas. Não fazia muito a família se mudara para o Piauí. Passara a morar em uma casa que aluga quartos, junto com outros 03 locatários. Iria passar o Natal sozinho.
Convivemos com ele por 24 horas, como se fosse um de nossa família. Pude sentir a dificuldade, nunca imaginada por mim antes, do que é ser um surdo-mudo. Menos mal que a Carla se comunica bem em Libras, o que lhe tornou possível interagir conosco naqueles momentos tão especiais. Tenho certeza que não se sentiu sozinho. O ponto central desta história, vivida e não inventada, foi quando se comunicou com a família, no distante Piaui, pelo Whatsapp. Terminado o encontro virtual, abraçou a Carla num longo abraço, e em que duas cascatas de lágrimas, vindas do fundo da alma, brotaram de seus olhos. Fico a me perguntar: que sentimentos traduziam? Desnecessário dizer que ao lembrar a cena, revejo outros olhos úmidos e emocionados. E recordo também, quando no fim da tarde do dia 25, o deixamos na estação da Vila Madalena, onde apanharia o metrô. Mochila às costas, virou-se e abanou, seguindo rumo a seu quarto de pensão. Só espero que o seu Natal tenha sido tão feliz como foi o nosso. Foi com certeza muito mais um Natal do Menino Jesus, do que um Natal do Papai Noel. Um Natal inesquecível.
Feliz Natal. Grande abraço.