Dezenas de casas no bairro Estação têm problemas, que já são temas de discussão judicial e de uma CPI na Câmara de Vereadores, que reinicia nos próximos dias
Uma casa inacabada, sem teto, sem piso, sem quase nada. Ninguém pode dormir direito, porque a porta não fica totalmente fechada. Parece ser a música “A Casa”, de Vinicius de Moras, mas na verdade é assim que vive a família de Juliana de Azevedo, 35 anos, em uma das unidades do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), no bairro Estação.
Há cerca de cinco anos, Juliana e o marido Marciano Nunes Lopes, juntamente com dois filhos, tiveram de sair da residência em que moravam, na beira do rio Caí. O prédio estava em uma área irregular, que pertence à Marinha, segundo a moradora do bairro Estação. Ali, são cerca de 160 casas populares e grande parte apresenta problemas, os quais já são motivos de ações judiciais por irregularidades na construção.
Na época em que teve que sair da antiga moradia, Juliana Azevedo foi encaminhada pela Prefeitura de Montenegro ao projeto de habitação que atenderia famílias carentes. “Participamos de reuniões, uma delas no Ciep, e lá nos mostraram em um telão as casas com pátio cercado, pintadas, de cobertura com telhas de barro e uma pequena área na frente”, recordam Juliana e Marciano.
Porém, ao ser entregue, a família já percebeu que a construção era bem diferente da prometida. Os cinco cômodos estavam apenas com um contrapiso feito de cimento e brita e, em alguns pontos, nem isso tinha. “No banheiro tinha um buraco bem grande e na sala também. Tivemos que fazer um novo contrapiso e conseguimos colocar piso em algumas partes dos quartos”, afirma Juliana.
Também faltou o encanamento do banheiro, o teto de toda a residência e a instalação elétrica, que está totalmente pendurada pelas paredes. “Até mandaram o forro, mas a colocação ficou somente na promessa”, aponta a esposa de Marciano. Outra falha é a falta de reboco nas paredes, inclusive no banheiro, que tem apenas um chão de concreto.
Insegurança com estrutura e risco de roubo
Parte da parede que fica na entrada da cozinha está totalmente deslocada. Os tijolos estão extremamente separados na parte inferior e a estrutura balança bastante. Por conta deste espaçamento, a porta não pode ser totalmente fechada, oferecendo insegurança à família. “Já entraram aqui há uns três anos atrás e levaram algumas coisas e outras até deixaram, mas estragaram. Não podemos deixar a casa sozinha por conta do risco de entrarem de novo”, comenta a proprietária Juliana de Azevedo.
Conforme a moradora, equipes da Prefeitura já estiveram diversas vezes no local e, no ano passado, a arquiteta solicitou o escoramento da parede que está balançando. “Fui diversas na Secretaria da Habitação para pedir providências, mas até indicaram que eu fosse ao Fórum para resolver este problema”, revela Juliana.
No temporal de outubro do ano passado, telhas de fibrocimento (as comuns) voaram. “Recebemos novas da Prefeitura, mas faltaram as cumeeiras”, aponta. Em dias de chuva a água passa pelas grandes rachaduras. Outra imperfeição é a porta de entrada da casa, que está parecendo de papel, totalmente danificada na parte externa e com buracos que atravessam a madeira.
A moradora diz que, se tivesse condições financeiras, até poderia reformar, porém, essa possibilidade está descartada. A promessa de uma boa casa, em local apropriado, se tornou motivo de decepção. “Minha casa na beira do rio era boa, melhor que esta. Se soubesse que seria deste jeito, não sairia de lá”, lamenta a dona de casa.
CPI na Câmara de Vereadores também vai investigar o caso
Não é somente na Justiça que a construção das casas do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) é alvo de responsabilizações. Na manhã de ontem, 28, foram escolhidos os vereadores que vão compor a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende investigar detalhadamente os problemas que envolvem o Loteamento Bela Vista, no bairro Estação.
Os trabalhos serão presididos pelo vereador Talis Ferreira (PR) e a relatoria do caso ficará por conta da vereadora Maristela Josiane Paz (PSB). O grupo ainda é composto pelos vereadores Joel Fabiano Kerber (Progressistas), Juarez Vieira da Silva (PTB) e Valdeci Alves de Castro (PSB).
Foi acordado entre os edis o aproveitamento dos trabalhos da primeira CPI que discutiu o assunto, durante o ano passado (CPI PSH 069 – SI 050/17), cujos trabalhos não foram finalizados por falta de participantes em número mínimo legal. As reuniões da comissão serão abertas à imprensa e à população. Somente nas ocasiões em que haverá depoimento de testemunhas que os encontros poderão ser reservados.
Conforme a Câmara de Vereadores, a próxima reunião ocorre na quinta-feira, 30 de agosto, às 18 horas, e outra na terça-feira, 4 de setembro, após a Comissão Geral de Pareceres (CGP). O pedido de abertura da CPI foi protocolado em 18 de julho. Dos dez vereadores, seis assinaram o documento: Joel Kerber (Progressistas), Josi Paz (PSB), Juarez Vieira da Silva (PTB), Rose Almeida (PSB), Talis Ferreira (PR), Valdeci Alves de Castro (PSB).
Principais problemas
– Casas semi-acabadas e com padrão de baixo de qualidade;
– sem pintura;
– sem vidro nas janelas;
– sem piso nos dormitórios e na sala (há piso apenas na cozinha e sanitário);
– reboco interno em apenas uma das paredes;
– porta principal, de acesso à unidade, semi-oca.
As questões a serem esclarecidas
1 – Em que estado se encontram as residências do Loteamento Bela Vista – PSH;
2 – possíveis irregularidades na fiscalização e no recebimento dos materiais, em especial a qualidade da pedra grés, entre outros, utilizados na obra;
3 – se houve algum tipo de descumprimento contratual pela empresa vencedora da licitação e qual a medida adotada pela Administração Municipal;
4 – se foram cumpridos os prazos para a prestação de contas por parte do Município;
5 – se a execução das residências foi fiscalizada e por qual profissional. Se foram apontadas irregularidades e quais as medidas adotadas pela Administração Municipal;
6 – se existe posse irregular no Loteamento; em caso positivo, quais as providências adotadas; quando a Administração Municipal tomou conhecimento das invasões;
7 – se o Conselho Municipal de Habitação foi ouvido;
8 – quem foi o responsável pelo recebimento da obra e posterior liberação e entrega para ocupação, qual o valor final de cada residência à época e se alguma foi entregue inacabada;
9 – se, em decorrência destes fatos, foi instaurado algum procedimento no Ministério Público local (Inquérito Civil, Ação Civil Pública ou Ação de Improbidade Administrativa). Se positivo, o que foi apurado e qual o resultado destas ações;
10 – se houve a realização dos estudos de impacto financeiro por parte da Administração e a previsão total de gastos com as reformas.
Relembre o caso
– Em 2008, foi assinado um convênio para a construção de 166 casas populares no bairro Estação e 34 no bairro Senai (Vila Esperança). O projeto fazia parte do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), uma linha de crédito da Caixa para empreendimentos habitacionais para populações de baixa renda. Foram disponibilizados R$ 1,6 milhão para construção das 200 moradias.
– O valor precisou ser complementado pela Prefeitura, que disponibilizou R$ 360 mil e buscou junto ao Estado, em parceria com o Banco Economiza, R$ 200 mil, em duas parcelas. As obras iniciaram com apenas R$ 10,8 mil para a construção de cada casa.
– Em 2010, as primeiras famílias carentes, que viviam em áreas de risco, receberam as primeiras residências.
– Algumas residências foram invadidas.
– Em 2012, o Ministério Público ajuizou uma ação para que os diversos problemas estruturais fossem resolvidos.
– Em 2014, era preciso prestar contas ao Estado em relação aos primeiros R$ 100 mil repassados. Uma vistoria foi realizada pelos técnicos e a prestação passou com ressalvas.
– Já era 2015 e dos 19 itens solicitados para comprovar a obra para o Estado, sete não puderam ser apresentados. Faltavam casas a serem concluídas e as edificadas não haviam sido reparadas, como estipulado no ano anterior, e essas estavam em situação precária.
– Montenegro tinha até o dia 1º de julho deste ano para devolver a segunda parcela disponibilizada pela parceria com o Estado: os R$ 100 mil, corrigidos pela taxa Selic, ficaram em R$ 170 mil. Em abril de 2018, a prefeitura encaminhou um Projeto de Lei, aprovado na Câmara de Vereadores, que pedia a abertura de crédito especial de R$ 200 mil, prevendo o pagamento.
– Em maio deste ano, a Prefeitura recebeu uma notificação judicial que obriga o Município a reformar as casas do Loteamento Bela Vista, feitas e entregues às famílias com diversos vícios de construção. O documento determinou à Administração que deixe as residências com as mínimas condições de “habitabilidade”. Os reparos, contudo, ainda não iniciaram.