Debate. Viação Montenegro expõe os motivos pelos quais o serviço, essencial, não atinge as expectativas da população
De um lado, queixas constantes de que o transporte público precisa melhorar. De outro, sobre o mesmo assunto, audiência pública esvaziada, com participação popular quase nula. A comunidade quer ou não um serviço melhor, afinal? O fato é que andar de ônibus não anda fácil, seja pelo valor da tarifa, seja pelas condições estruturais do sistema. Administrar empresas deste setor também não, diz a empresa da cidade, a Viação Montenegro (Vimsa), que em maio completará 70 anos.
O Jornal Ibiá entrevistou o gerente operacional da empresa, Julio Hoerlle, e a coordenadora comercial, Aline Riffel, com relação a perspectivas para o setor, tendo em conta que neste ano haverá eleições gerais, portanto uma boa oportunidade para o cidadão exigir mais projetos e investimentos dos governantes. É tanta preocupação com saúde, educação e segurança que, às vezes, o debate acerca de transporte coletivo — não menos importante — fica em segundo plano, como mostraram os protestos de junho de 2013, que acenderam feito rastilho de pólvora a partir do aumento das passagens no valor de 20 centavos. Acompanhe a entrevista a seguir:
GRATUIDADES
Este ano haverá eleições gerais. Não é hora de o povo exigir mais investimentos para melhorar o transporte público? As queixas não são poucas.
A nossa associação nacional de transportadores [NTU] tem coisas bem pontuais. Trabalha em cima de uma Cide Municipal para subsidiar o transporte público. As gratuidades estão muito altas, de 20% a 30% — Porto Alegre está até mais. Bateu recorde. Foram feitas coisas sem pensar. A integração tarifária precisa ser bem estudada. Porque não acaba numa utilização séria. Existem os flancos para desvio de receitas. O problema não é quem precisa ou não de integração, que é um incentivo ao uso do transporte público. Lá, vários cobradores foram se munindo de cartões, aí cobravam a passagem do usuário e, em vez de passar a roleta sem nada, passavam o cartão de gratuidade, e isso dá direito a uma integração. Passavam 20 ou 30 pela roleta e, quando chegava ao fim no terminal e ia fazer sequência numa linha, era 20 ou 30 passagens que os caras tiraram em uma, duas horas. E depois não tem mais como controlar. Além disso, deram gratuidade para desempregados, mas como é que se vai comprovar isso no dia a dia, porque hoje o cara tem um emprego, amanhã não tem mais.
Montenegro também tem abuso em gratuidades?
Somos rígidos no controle. Em média, é de 12%, 13%. Tem algumas linhas que vão a 20% e uma em Estância Velha que vai a 28%, mas porque lá a gratuidade para idosos é acima de 60 anos. A passagem de R$ 3,25, se não fossem as gratuidades, seria de R$ 2,70. E, muitas vezes, o pagante tem menos condições financeiras do que quem possui gratuidade. Daí tem a situação do cara que precisa de acompanhante por supostamente ter problema de saúde. Aí ele pega a carteirinha, vai até a parada, pergunta pra pessoa ‘onde o senhor vai?’, aí responde ‘tal lugar’. Se a passagem é R$ 5,00, a pessoa diz ‘me dá dois pila e vai comigo’. São as ‘mulas’. Aqui em Montenegro isso acontece. O sistema de bilhetagem já identificou casos de pessoas que andaram de ônibus mais de 30 vezes em um dia. Esse caso foi levado à Prefeitura, começaram os trâmites internos, que pararam, mas acho que é hora de retomar. Pessoas que participam de programas, como diabéticos, por exemplo, precisam ir à Assistência, aí ganham gratuidade. Com o sistema que temos, se poderia fazer acompanhamento, parametrizar tal dia, a ida e a volta, mas não: a gratuidade é geral.
Que órgão faz este controle de gratuidades?
Dos portadores de necessidades especiais é com o Município [linhas urbanas]. Das linhas intermunicipais é com o Estado.
SUBSÍDIOS
Países desenvolvidos criaram sistemas de transporte coletivo que atendem muito bem as pessoas. Aqui isso é impossível?
Eles têm esse serviço subsidiado. A pessoa não pode ter um custo de passagem tão elevado que a leve a ter alternativas. É preciso ter convicção de que o serviço público é a melhor opção em termos de custo. E com qualidade, ou seja, facilidade de embarque/desembarque, frequência de horários, pontualidade. Isso é realidade, porque em vez de termos um círculo virtuoso, nós temos um círculo vicioso. É que os custos estão aumentando, as demandas estão baixando, então qual a alternativa do transportador? Diminuir custos por meio da diminuição da oferta, mas isso vai contra qualquer princípio de mobilidade urbana. Como não se consegue ampliar as ruas, deveria haver políticas para fomentar o transporte público.
Não se tem evolução em nada?
Muitas coisas melhoraram, mas ainda há muito subsídio ao transporte individual. Não há uma cultura para freá-lo. Agora mesmo o governo está estimulando as motos. Mas aí pergunto: a moto é uma forma de o povo se conduzir? O Brasil gasta mais em acidentes de moto do que na saúde. O brasileiro é muito suscetível a modismos. Em países desenvolvidos, se tem a navegação como transporte público, o trem, o metrô, e nós aqui fomos iludidos pelo capital de empresas estrangeiras para alterar esse modelo. Montenegro, por exemplo, teve barco, que até hoje se poderia usar para ir a Porto Alegre. Tínhamos o trem. Por que foi tirado? Modismo. Perdemos no país o bonde e o trem devido a investimentos de uma empresa estrangeira em lobby. Existia estrutura para certas coisas, então deveríamos ter mantido. Ônibus, pelo certo, têm de alimentar linhas de trem. Tivemos trens de primeiro mundo aqui no Estado, bem confortáveis, mas foi posto fora.
TECNOLOGIA
Existe alguma esperança?
Sim, através da tecnologia. Somos muito penalizados pelo modelo energético do sistema. Usamos apenas óleo diesel. Mas agora, depois que a Petrobras foi desestabilizada, temos de recuperá-la, por isso temos o combustível mais caro do mundo. Mas deveria estar entre os mais baratos, já que é uma estatal que o produz. O diesel, depois a gasolina e agora o gás de cozinha estão fadados a recuperar a Petrobras. A gente espera um modelo diferente. O carro elétrico, por exemplo. Mas até que ponto deixarão que ele entre no Brasil? É tanta taxação que um ônibus elétrico custa mais de R$ 1 milhão. Deveria ser o contrário, ou seja, dar incentivo. Mas dizem que se autorizar a entrada do ônibus elétrico será o fim da Petrobras. Seria uma saída para diminuir custos, seria mais conforto, menos poluição. E, sim, tem coisas que melhoraram. O movimento de 2013 [os protestos que tomaram conta do país] foi excelente. Deveria haver mais disso.
Melhorou em que sentido?
Antes se via apenas as empresas privadas sendo criticadas pela população por falta de conhecimento de como as coisas funcionam. A partir dos protestos, a pauta começou a se abrir, teve a Frente dos Prefeitos, o passe livre estudantil. O setor de transportes conquistou quase 10% de incentivo. Tiraram 3,65% de PIS/Cofins e desoneraram a folha de pagamento do INSS. Tiraram 20% [cota patronal de INSS] sobre o valor da folha e, em troca, colocaram 2% sobre o faturamento, o que nos trouxe mais de 6% de redução em custo final. A tarifa vinha subindo acima da inflação e, a partir de 2013, deu uma arrefecida. Em Montenegro, ficamos 2014 e 2015 sem nenhum aumento, como consequência dos protestos. Outra coisa que deve melhorar é a Reforma Trabalhista, que reduzirá custos e redundará em melhorias para a sociedade. Atendemos bem os funcionários para que eles sejam estáveis, porque é a rotatividade que faz gastar na mão de obra, fazer demissões, treinar. Temos 180 funcionários somando Montenegro e a filial em Estância Velha. Mas chegamos a ter 560 funcionários ali por 1998, 2000. Chegamos a ter 150 veículos. Era a época em que atendíamos ao polo. Hoje temos 73 ônibus.
ABRIGOS NAS PARADAS
O Município não teria de investir mais, já que transporte é serviço essencial?
Teria que recuperar os abrigos de ônibus. Cansamos de ver, por exemplo, mães levando crianças para creches e parando em pontos sem nenhuma estrutura, cheias de sacolas, sem um local decente para esperar os ônibus. Onde tem não piso, fica um buraco, aí quando chove vira poça d’água. De todo o nosso faturamento, pagamos 1,5% para o Fundo Municipal de Transportes justamente para investimentos em paradas, abrigos e outras melhorias. Com esse dinheiro se poderia construir um novo abrigo por mês.
Que apelo a empresa faria à classe política para melhorar o transporte coletivo?
Temos que avançar na mobilidade urbana como um todo. Em Montenegro, por exemplo, precisamos urgentemente melhorar nossas paradas, conforme vocês mostraram numa grande reportagem. Até 11 anos atrás, por contrato, tínhamos o compromisso de construir uma parada por mês. Hoje não tem mais, pois é tudo com o Município. Também não há um bom terminal de ônibus. Em menos de seis anos, tivemos que trocar quatro vezes de local. Saímos da praça, fomos para a Capitão Cruz, depois para o antigo Bicão na Dom Pedro II, posteriormente para o início da Ramiro Barcelos e, por fim, para a rodoviária, mas ali não tem espaço. Nossos ônibus não podem encostar simultaneamente lá. Nossas pesquisas mostram deficiência em pontualidade, mas isso ocorre porque não temos um terminal. Precisamos de um local para regulação de horário. Não temos aonde fazer integração e deixar os ônibus parados simultaneamente, tampouco para atender à clientela, que gostaria de um espaço com entretenimento para aguardar. As pesquisas dos clientes internos indicam essa necessidade, pois a tripulação não tem nem banheiro nos terminais. Não temos mão de obra feminina porque elas não têm nem banheiro.
TARIFA SOCIAL
Existem propostas para o transporte público brasileiro ser qualificado?
Deveria haver um subsídio às gratuidades. Hoje, quem paga a gratuidade são as outras pessoas que andam de ônibus. Há cidades que fizeram experiência com tarifa zero, dividindo as despesas pela conta de luz de todos. Mas aí o pessoal teria que saber utilizar. Acho que tarifa social seria o ideal. Aqui em Montenegro daria uns R$ 450 mil [de investimento mensal do poder público para subsidiar a tarifa]. O que é isso para uma cidade? Paga, por exemplo, apenas o recolhimento do lixo. Teríamos que aumentar a frequência, a qualidade e estimular que todos utilizem, além de controlar os usos indevidos. Em São Paulo, não é tarifa social, mas subsidiada. Em Florianópolis também. Mas na Europa é [subsidiada]. Em Roma [capital da Itália], o subsídio é de 40%. Uma tarifa para fazer as pessoas andarem seria de cerca de R$ 1,50. Além isso, as pessoas estão muito individualistas, tendendo ao isolamento. Alguém vai sentar ao seu lado [no ônibus], alguns gostam, outros não. A própria climatização às vezes é problema, muito frio ou não. Fazemos pesquisas para monitorar a satisfação do público e, para a temperatura, adotamos o padrão de 24ºC, mas sempre tem quem peça para aumentá-la. Depois tem a cultura do automóvel, de status. Imagina um rapaz indo namorar, chegando à casa dos sogros de ônibus, sendo que na casa ao lado o namorado chega de carro do ano. É questão cultural. Na Europa, é mais importante o cara que anda em transporte público. O carro vai se abolindo. Temos que amadurecer. Mudanças estão ocorrendo, mas bem lentamente.
Pouco uso
Por que eliminaram a linha com destino a Porto Alegre que saía às 4h45min?
Deu repercussão, mas eram poucas pessoas. Tínhamos uma média de sete clientes habituais. Eram pessoas que não tinham outra opção [de deslocamento] em função de seus empregos. Ficamos bem sensibilizados. Para todos que nos contataram foi visto uma alternativa. Teve um apenas que a gente não conseguiu readequar em outra linha. Era uma pessoa que não tem como vir até a rodoviária, de onde sai ônibus às 4h40min para São Leopoldo. Temos integração com o trem e, com isso, talvez eles estejam chegando até mais cedo no trabalho. Há trinta anos, se tínhamos 10 passageiros em uma linha, era um sucesso. Hoje temos linhas com 40 passageiros que ainda assim não se pagam.
Ônibus lotado dando prejuízo?
A questão é que o custo fixo se tornou muito alto, incluindo a mão de obra e toda a estrutura. Se é uma linha curta, onde não se utiliza muito o veículo, é prejuízo na certa. As tarifas são calculadas em cima de uma média de 5 mil quilômetros mensais por linha, então se não se chega ao menos à metade disso, é prejuízo. Um percurso médio de 2 mil quilômetros por mês, que é uma linha de pequeno percurso, dificilmente cobre os custos. Aí não alcança a mão de obra e mais o investimento no veículo. Essa linha de Porto Alegre via BR-386 nunca foi boa. Tinha 13 passageiros/dia, em média. Aí não tem como manter. Houve reclamações à Metroplan e estamos tendo que responder.
Não teria como diluir essa despesa em outras linhas mais rentáveis?
Não dá, porque se mandamos um ônibus para Porto Alegre a essa hora, nós matamos a utilização dele. As outras linhas não são tão boas que pudessem absorver esse custo. Já tivemos isso anos atrás, mas hoje não mais. As próprias linhas do interior eram subsidiadas, mas agora não existe mais. Tudo isso foi bem explicado na audiência pública de outubro de 2017, mas a população não compareceu. Lamentamos bastante. O pessoal iria ter um entendimento melhor, porque não adianta só criticar. A empresa que fez o estudo apresentado na audiência tinha reclamação de superlotação de passageiros, mas se verificou que não havia sequer problema de passageiro em pé. Resultado foi que não tinha o que mexer nas nossas linhas, na estrutura.
TRANSPORTE UNIVERSITÁRIO
No ano passado, chegou a ser anunciado o fim de linhas universitárias, mas não se confirmou depois por reclamações. O que está previsto para 2018 neste sentido?
Por enquanto, não iremos fechar, mas são deficitárias. Estamos apontando isto há mais de 10 anos. Realmente, não sei até quando a gente vai conseguir mantê-las. Tem também o problema da cobrança, porque muitos passageiros usam o passe livre estudantil. O Estado até paga, mas atrasa. Ainda temos pendências de 2014 e 2015. Não temos a certeza de que iremos receber. Só que as contas vão chegando para nós.
Menos usuários
Como foi o volume de passageiros, em 2017, para a Vimsa?
Montenegro foi caso atípico. Caiu, mas não tanto como em muitas cidades. Teve algumas que caíram 12% a 14%. Aqui, menos da metade.
Todos os anos, a quantidade de usuários se reduz?
Não. O percentual é normalmente menor. É que o ano de 2017 caiu assim devido ao desemprego. E diria também a crise em si, porque as pessoas circulam menos e procuraram meios mais baratos. Quando a condição econômica é favorável, as pessoas buscam mais diversão, saem mais, andam mais. É um somatório de fatores.
Para 2018, qual a expectativa?
A gente vê que será melhor, porque a tendência é o índice de emprego melhorar. É o que apontam as projeções dos economistas, mas existe o outro lado da moeda, que é a baixa expectativa de mudanças com relação à parte política, de políticas públicas. Isso deprime e aí o pessoal se retrai. E muitos deixam de sair por causa da segurança.
PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS
Como vocês lidam com tantas elevações do preço dos combustíveis?
É preocupante. No último ano, tivemos três vezes o aumento da inflação, já tá em 15% e não podemos repassar. E aí sobra menos no final do mês, não tem negociação com a Petrobras. Pagamos R$ 2,89 o litro do diesel. Somos obrigados a absorver [os aumentos]. Todo ano, o sistema metropolitano tem o aumento, com negociações que se arrastam por meses e meses. Mas a Agergs estabeleceu uma nova forma de cálculo tarifário. Se faz a previsão para cada quatro anos e o reajuste anual é pelo IPCA.
A empresa não tem adquirido ônibus novos. Por quê?
Financiamento até existe, mas hoje não existe serviço que compense o investimento. É outro problema grave que as empresas têm. Ideal seria trabalhar com frota nova, porque aí reduziria bastante a despesa de manutenção e retrabalhos. Mas olha os últimos editais [das prefeituras] de Santa Cruz do Sul, Novo Hamburgo, prevendo frotas velhas, com oito anos de uso. Aqui em Montenegro também. Foi explicado na audiência pública que a empresa não é remunerada por ter frota nova. Aqui, a tarifa com ônibus novo equipado com ar-condicionado ficaria em R$ 7,26. Quem é que pagaria isso? Antigamente, quando saía o anúncio de aumento de tarifa, o jornal vinha perguntar quantos ônibus iríamos comprar. Isso não tem mais. Quando se compra um ônibus, é usado. Todo o Estado só compra usado para atender as cidades. Ficamos sabendo que tem uma cidade do RS onde a empresa vai entregar a concessão, porque não dá mais. Em Montenegro, tivemos o edital e ninguém apareceu. Criou-se uma imagem como se nós fôssemos os errados. Estamos tentando mudar. Fazemos muitos trabalhos na área social, mas com os recursos que a gente tem. Então, quem não conhece, fica com uma imagem ruim [da Viação]. Sobre esse contrato novo com o Município, estamos mais preocupados em cumprirmos nossa parte do que eufóricos por termos vencido a licitação. Chegou a esse ponto. O investimento não se paga mais. Apenas alguns aventureiros estão fazendo isto, mas logo logo eles se darão mal.