Suicídio: não pode ser ignorado e deve ser combatido por todos

Setembro Amarelo. Bate-papo no Estúdio Ibiá tratou do assunto nesta semana

A cada 40 segundos, uma pessoa morre por suicídio no mundo. São registrados cerca de 1 milhão de casos de mortes por suicídio por ano em todo o planeta. No Brasil, são mais de 13 mil casos de óbitos anualmente, 35 vidas interrompidas por dia, números que podem ser bem superiores, devido às subnotificações. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Nesta sexta-feira, 10, é celebrado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, e precisamos falar (cada vez mais) sobre o assunto. A campanha “Setembro Amarelo”, organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) desde 2014, visa reforçar a importância de abordar este tema, além de reduzir os preocupantes índices de suicídio no país.

Na última quarta-feira, dia 8, o Estúdio Ibiá recebeu a psicóloga Milena Bitencourt, a enfermeira Camila Anversa, que é coordenadora de Saúde Mental do Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) de Montenegro, e o pastor luterano Márcio Simões, para um bate-papo sobre suicídio e saúde mental. Com o aumento considerável de casos de suicídio e tentativas nos últimos anos, eles destacaram que o tema não pode ser ignorado pela população.

Psicóloga Milena Bitencourt destaca a importância de observar os sinais

“A exemplo da Covid-19, o que a gente está enfrentando no suicídio é uma pandemia, que está cada dia aumentando mais. Quanto mais a gente conversar sobre o tema, e não sobre o ato suicida em si, cometido por alguém em um momento de dor ou desespero, isso pode proteger as pessoas que estão em sofrimento”, ressalta a psicóloga Milena Bitencourt.

A enfermeira Camila Anversa corrobora com a declaração de Milena e frisa que, no Caps, o aumento da demanda de atendimentos também é notado. “Consequentemente, a maior parte dos casos que atendemos é de tentativa de suicídio, o pensamento suicida”, frisa.

O comportamento suicida engloba vários aspectos, como o pensamento, o planejamento, mas sem a tentativa propriamente dita, que pode vir até “mascarada”, com comportamentos de riscos, como o uso de drogas, o sexo sem preservativo, dirigir em alta velocidade. “Muitas vezes, são comportamentos suicidas, sem que a pessoa esteja efetivamente tentando”, alerta Milena.

O pastor luterano Márcio Simões afirma que os julgamentos devem ser evitados. “No meio cristão, por vezes se julga o ato da pessoa, ou quem já tentou e não conseguiu (o suicídio). Porém, nosso papel, enquanto cristãos, não é julgar e também não é somente abraçar os familiares enlutados, nosso papel é ir ao encontro das pessoas que estão com esse pensamento, passando por crises, fragilidades, depressão. Enquanto sociedade, não podemos simplesmente ver as pessoas silenciando, no canto delas. Precisamos ser o apoio a elas”, declara.

Precisamos estar sempre atentos aos sinais
Como podemos identificar que uma pessoa está passando por uma crise, com ideação suicida? Essa questão, levantada pelo mediador do bate-papo, o jornalista Reinaldo Ew, é de extrema importância para tentarmos evitar que um familiar ou um amigo próximo chegue ao ponto de atentar contra a própria vida.

Se você já escutou – ou escuta – frases como: “Eu só atrapalho, só incomodo as pessoas”, “Não aguento mais, sou um peso na vida dos outros”, “Eu preferiria estar morto” ou “Seria tão mais fácil para todo mundo se eu não estivesse mais aqui”, o alerta deve estar ligado. Muitas vezes, os sinais de uma pessoa que está passando por uma crise, enfrentando uma depressão, não são percebidos por familiares e amigos. No entanto, esses sinais são “bem fortes”, explica Milena:

“Quando falamos sobre o ser humano, nada é tão fácil e simples. Mas sim, os sinais são bem fortes. Além dessas frases, existe o comportamento que a pessoa tem de se isolar, se fechar, de parar de fazer coisas que ela gostava de fazer. Exemplo: um adolescente que sempre saía para jogar futebol com os amigos, e de repente não sai mais”, evidencia.

O pastor Márcio salienta que muitas vezes não enxergamos as fragilidades das pessoas, que acabam se afastando e silenciando. “Esse grito fica guardado dentro do peito e a gente simplesmente acaba ignorando. Por isso esse tema é tão importante e pertinente”, pontua.

Milena observa que, dentro do funcionamento da dor que a pessoa está sentindo, essa pessoa sabe que faz seus familiares sofrerem com o sofrimento dela, e chega num determinado momento que parece que nada mais vai acontecer. Então, ela pensa que, se morrer, a família vai sofrer, mas logo vai passar e as pessoas vão se acostumar com sua ausência. “É como se estivesse tirando o peso das costas da família, e na verdade não é isso”, complementa Camila.

Os prós e os contras das redes sociais
O avanço das tecnologias proporcionou uma aproximação maior das pessoas através das redes sociais e facilitou muitas questões do nosso cotidiano. Isso é inegável. Porém, a internet também influência muitas pessoas a atentarem contra a própria vida, a partir de jogos, decepções em relações pessoais, além do ódio espalhado pelas redes. Isso atinge muito os jovens. “As redes sociais têm servido, de certa forma, para as pessoas se expressarem. Mas também têm o lado negativo. A internet empodera, dá essas falsas sensações que podem ser faladas qualquer coisa sobre qualquer assunto”, alerta Camila Anversa.

Camila Anversa é a coordenadora de Saúde Mental do Caps de Montenegro

É cada vez mais comum os pais darem o “primeiro celular” para os filhos ainda na infância, antes dos 6 ou 7 anos de idade. Ao mesmo tempo em que o telefone celular pode ser educativo para as crianças, também pode ser extremamente perigoso. “Vemos muitos jovens, adolescentes, pensando em tirar a própria vida. Hoje a internet facilita muito essa questão, com joguinhos de ‘cortar o pulso’, por exemplo. Existe um incentivo muito grande entre os jovens, a se desafiar, provar algo”, adverte Márcio Simões.

Milena alega que esses ‘joguinhos’ iniciam por uma pessoa com uma mente altamente deturpada, e se propagam pelo poder do grupo. “A internet pode ser uma ferramenta muito valiosa, de comunicação, porém, é um mundo que ainda chamamos de “sem lei”. O fato é que existem pessoas más no mundo. Então, muitas vezes, a alegria de uma pessoa é ver a dor e o sofrimento do outro”, declara.

“Essa questão é um problema das escolas, isso deveria ser tratado desde muito cedo dentro da sala de aula, dentro das famílias, das igrejas, dos locais onde os grupos estão, porque a mente da criança está em formação, sendo construída”, acrescenta a psicóloga.

Números são assustadores
O número de casos de depressão entre as mulheres é consideravelmente maior que entre os homens, mas no número de suicídios é o contrário. Há razões para isso? Sim. Obviamente, há homens que buscam tratamento e falam sobre, mas a maioria não procura ajuda, é mais resistente ao tratamento, à medicação.

“Vivemos em uma cultura onde o homem não pode ser frágil, não pode mostrar fragilidade. Justamente por isso, os números são potencializados. Enquanto as mulheres estão tentando se tratar, buscando resolver sua dor e seu problema, os homens estão sofrendo calados e, em algum momento, essa chave vira e eles acabam partindo”, lamenta Milena.

“Vem muito de uma cultura machista que carrega junto. Acredito que o Setembro Amarelo nos conscientiza para dizer a essas pessoas que estão passando por esse sofrimento, que não têm coragem de se expor e tem vergonha, que elas podem pedir essa ajuda, podem pedir apoio. Não pode ficar com isso guardado”, corrobora o pastor Márcio.

Na ala psiquiátrica do Hospital Montenegro 100% SUS, o número de internações aumentou nos últimos meses deste ano. O setor mantém a demanda relacionada aos quadros agudos de depressão e contabilizou 78 internações nos oito primeiros meses de 2021. O HM informou ainda que essas taxas vêm se mantendo elevadas no decorrer dos últimos anos.

Os dados referentes às internações na ala psiquiátrica do HM deste ano: em janeiro, foram 9; em fevereiro, 12; em março, 6; em abril, 9; em maio, 6; em junho, 10; em julho, 13; e em agosto, 13 novamente.

Pastor luterano Márcio Simões fala que devemos evitar julgamentos

Durante o bate-papo, Camila Anversa trouxe mais números do município. “Pedi alguns dados para a Vigilância em Saúde. Temos 46 violências autoprovocadas notificadas, que são as tentativas de suicídio, lesões e automutilação. Desses, 31 são adolescentes e 15 adultos. Isso mostra o perfil da nossa cidade. E são apenas casos notificados, então não significa que são apenas esses números”, revela.

“De forma geral, uma a cada 100 mortes é por suicídio, é a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. A cada 46 minutos uma pessoa se mata no Brasil. Nessa questão da idade, tem muito do ‘quanto sou aceito pelo outro’ no caso dos adolescentes. A internet potencializou muito esse processo”, acrescenta Milena.

No Hospital Sagrada Família, de São Sebastião do Caí, o número de atendimentos na ala psiquiátrica também aumentou. “Atendemos, somente neste ano, 74 pessoas com ideação suicida, sendo 26 tentativas de suicídio. Um aumento de 30% em relação aos números antes da pandemia”, informou o psicológico Giovane dos Santos, responsável pela ala psiquiátrica do hospital.

Suporte familiar é fundamental
Entre os fatores protetores, de uma pessoa que raramente evolui para um quadro crítico de depressão ou alguma crise, ter a família por perto é muito importante. Além disso, Milena Bitencourt cita outras questões fundamentais para evitar que um familiar ou amigo próximo atente contra a própria vida: “Autoestima elevada, laços sociais bem estabelecidos com família e amigos, espiritualidade, senso de responsabilidade com as pessoas próximas, capacidade de adaptação positiva, a chamada resiliência, e a capacidade de resolução de problemas. Esses fatores precisam ocupar o lugar da dor”.
Coordenadora de Saúde Mental do Caps da cidade, Camila Anversa conta que as pessoas em casos mais graves, são as que faltam o suporte familiar, a rede de apoio. Ela frisa que o paciente que chega ao local para tratamento, precisa ter a família envolvida com esse processo.

E no mesmo dia em que o tema foi debatido na Rádio Ibiá Web, a Brigada Militar da Feliz teve sucesso ao impedir que uma mulher pulasse da Ponte de Ferro, no Centro. O fato aconteceu na quarta-feira à noite. Os agentes usaram técnica de negociação para colocá-la em situação de segurança e calma, até os Bombeiros Voluntários do município realizarem o socorro. Populares avistaram a vítima, que chegou a se pendurar no lado de fora do para-peito da ponte. Foto: CRPO Vale do Caí

“A pessoa que está pensando no suicídio, na verdade ela não quer morrer. Esse é um conceito que as pessoas têm muita dificuldade em compreender. A pessoa quer acabar com a dor e o sofrimento que está sentindo. Chega em um momento que ela acredita, de verdade, que a única forma possível é a morte. E não é. A gente tem dados, que cerca de 90% dos casos de suicídio ou tentativa, tem prevenção”, enfatiza Milena.

Nesta sexta-feira, Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, o Caps realiza o 2° Seminário de Prevenção ao Suicídio e Valorização da Vida, na Câmara de Vereadores, a partir das 8h30min. “Faremos algumas abordagens sobre o tema, teremos uma apresentação do ambulatório de saúde mental, de uma psicóloga do Caps e duas convidadas. O Caps atende por demanda espontânea, então o pessoal pode ligar, o telefone é 3632-5317. Temos uma rede de atenção básica bem fortalecida”, completa Camila.

“Vamos levar essa dor para o resto da vida”
Atleta e professor de jiu jitsu, Luciano Pinto perdeu sua irmã para a depressão há quase quatro anos. Ela partiu sem deixar uma carta, sem uma explicação, o que ela deixou foi um vazio enorme na vida dos familiares e amigos, como acontece na maioria dos casos. Depois do ocorrido, Luciano passou a se ater nos pequenos detalhes das pessoas ao seu redor.

“Não entendo porque minha irmã se foi. Tenho uma saudade gigantesca dela e uma dor por não entender. Se pudesse voltar atrás, eu prestaria atenção nos pequenos detalhes. Nunca percebi que ela tinha depressão ou algo parecido. Era uma pessoa amorosa, querida, feliz aparentemente. Hoje, olho para trás e vejo que alguns sinais passaram despercebidos por nós, porque era o jeito dela e não pensávamos que poderia ser depressão”, relata.

Luciano Pinto perdeu sua irmã para a depressão. Foto: reprodução

O esportista conta que a irmã era uma pessoa recolhida, introvertida, que não saía muito para festas e gostava muito de dormir, passava muito tempo no quarto. “Ela sempre foi assim, então era difícil perceber (a depressão). Ninguém que convivia com ela percebeu nada, só depois que aconteceu, tanto que foi uma surpresa gigantesca para nós”, acrescenta.

Para Luciano, a principal lição desse triste acontecimento é saber a importância que todos têm na nossa vida. “A pessoa que se suicida não tem noção da importância que tem na vida dos outros, ela não tem essa percepção, e faz uma falta muito grande para as pessoas que ficam. Por isso, precisamos dizer para as pessoas o quanto elas são importantes, seja teu irmão, pai, mãe, vizinho, amigo, mas temos que falar enquanto a pessoa está contigo”, declara.

“A vida não é fácil para ninguém, acredito nisso. Mas tirar a própria vida não é uma solução. A pessoa tem que tentar vencer seus problemas e procurar ajuda. Já tive vários casos de depressão na minha academia, algumas conseguiram sair da depressão praticando esporte. Já chorei abraçado com aluno meu que chegou e me agradeceu. Acredito em todos meus alunos, considero todos meus amigos, então procuro cuidar deles e estar junto. Isso é algo que me abalou com minha irmã”, acrescenta.

Um dos conselhos de Luciano é para as pessoas procurarem fazer o que gostam, o que faz bem a elas, mesmo com a rotina “corrida” que muitos levam. Sair do sofá, sair da frente do telefone/computador, conversar, dar risada, praticar esporte. Práticas simples, mas que podem melhorar a autoestima e a vida de muitas pessoas. “Temos que cuidar um do outro, sem achar que é frescura ou preguiça quando uma pessoa nega um convite. Muitas vezes não é isso, é depressão. Mais amizade e coração, menos cobrança”, enfatiza.

“É muito triste quando tu perde alguém sem entender o porquê a pessoa se foi. Minha irmã faz muita falta pro meu pai, pra mim, pra minha sobrinha… Vamos levar essa dor para o resto da vida, por não entender. Ela resolveu o problema dela, mas deixou um problema para nós, que é a saudade. Acredito que todo problema na vida da gente tem uma solução, e temos que buscar essa solução, se não conseguir sozinho, buscar ajuda. Mas a solução não pode ser partir daqui”, completa Luciano.

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