Sem moradia, irmãos Trentin vivem na beira da faixa

Contando com a solidariedade dos outros, eles dividem a sua história de vida junto a uma rodovia de Montenegro

Na ERS-124 – passando a entrada da Unisc, em direção ao Polo – vivem dois irmãos. Não em casas, mas em estruturas montadas com lonas logo após o barranco que margeia a rodovia. Apesar da relação de parentesco, eles não “moram” juntos. Cada um vive no seu espaço e cerca de 500 metros dividem o ponto de parada de um do “endereço” do outro. Na casa dos 60 anos de idade, ambos já passaram por muitas situações e uma soma de adversidades os colocou na complicada situação em que se encontram. Conheça estas histórias.

“Quando eu vi, eu já tava só com a roupa do corpo”
Luis Carlos Trentin, o Luizinho, foi o primeiro a chegar no local, há três anos. O olhar distante ainda parece enxergar uma vida passada onde ele morava na Vendinha, cuidava dos pais e tinha casa própria. Lá criava galinhas e porcos e tirava a renda do comércio dos animais, com a ajuda da aposentadoria do pai e da mãe. Só que o pai veio a falecer e a mãe acabou com a saúde muito debilitada. Sem condições de lhe oferecer o cuidado necessário, ela foi amparada por um dos irmãos. Luizinho, por sua vez, acabou indo para o município de Sobradinho – onde nasceu – para trabalhar nas lavouras e juntar dinheiro.

Quando retornou a Montenegro, tudo tinha mudado. “Quando eu voltei, aquele meu irmão tinha vendido tudo o que eu tinha. Quando eu vi, eu já tava só com a roupa do corpo”, recorda. A mãe veio a falecer e o irmão se suicidou. “Eu perdi tudo, aí eu vim trabalhar aqui perto. Trabalhava numa propriedade e parava ali. Também arrumei um bico numa floricultura, até que encontrei esse lugar”, conta. Fechado de árvores, o ponto é protegido de quem passa na rodovia e também de grandes chuvas e vento. Com lonas, utensílios e alguns móveis doados, foi ali que Luizinho se instalou.

Ele tem seguido nos seus “bicos” como pode. Já até plantou aipim e moranga no local e nunca temeu que alguém fosse tentar tirá-lo de lá. “A área é do Daer e eu não tô incomodando ninguém”, avalia. Logo no começo, só o que ele recebeu foi uma visita da Brigada Militar, que apenas questionou se não havia crianças no local. De resto, nunca recebeu nenhum atendimento de Assistência Social e nem mesmo pensa em procurar o auxílio. Mas conta com algumas doações de alimento, roupas e cobertores. “Sempre tem um ou outro que ajuda. Domingo mesmo veio um e me trouxe umas broinhas”, diz.

Luizinho já foi até atropelado na 124 e, desde o acidente, já não consegue trabalhar como antes. Ele ainda mantém relação com outros irmãos e sobrinhos que vêm visitá-lo e até lhe trazem presentes. Pensar em uma ajuda da família, no entanto, o incomoda. “Eu sempre disse que, de parente, eu nunca vou querer nada. Nunca dependi de nenhum. Prefiro até que venha de um estranho, mas, mesmo assim, eu não peço nada pra ninguém”, declara. O sonho de sua vida, ele relata, é voltar a ter uma casa para chamar de sua. Apesar da relação conturbada com a família, Luis Carlos, há nove meses, ganhou um vizinho: um de seus quatro irmãos.

“Me coloquei provisório, mas já passaram nove meses”

Celestino Antônio Trentin chegou depois, há cerca de nove vezes. Esperava que a situação fosse provisória, mas a realidade tem sido bem diferente

Celestino Antônio Trentin vive a cerca de 500 metros do irmão já há nove meses. “Antes, eu já morei no Santo Antônio, na Vendinha e no Aeroclube. Tudo de aluguel, porque eu não tinha condições de comprar uma casa só minha”, conta. Sua vida profissional foi dedicada ao corte do mato de acácia, ramo difícil e no qual, há cerca de um ano, sofreu um acidente.

O ocorrido está gravado em sua memória. Na ocasião, Celestino observava de longe enquanto uma árvore era derrubada. Quando ela caiu, acabou atingindo outro tronco, já no chão, que rodou e o atingiu nas canelas. O impacto derrubou o cortador, que bateu com as costas sobre um toco. A batida lhe feriu severamente a coluna. “Por pouco, eu não fiquei em cadeira de rodas. Tenho que me considerar feliz só de estar caminhando um pouco”, reflete.

Trabalhar com o mato já não era opção. Com dificuldades até para caminhar, Celestino encaminhou os papeis para receber o benefício do INSS. Sem condições de bancar o aluguel, resolveu seguir os passos do irmão e se instalar à beira da rodovia. “Me coloquei provisório, mas já passaram nove meses”, lamenta. Somente nesta semana, ele conseguiu que fosse marcada sua perícia junto ao INSS.

E é nessa realidade que ele precisa se virar. Também conseguiu doações de lonas, de um sofá e até de um fogão a lenha. Roupas lhe foram doadas e, com esforço, ele trabalha no que pode. Em um vizinho das proximidades, consegue capinar um pouco para ganhar R$ 20,00 no dia. “Só que é no máximo três horas e eu já não aguento. É certo que se eu trabalho num dia, no outro eu já não consigo”, explica. “Assim eu vou levando, mas é uma vida muito sofrida.” Até para o banho é preciso ir longe para buscar água.

Sobre a busca por um auxílio de assistência social, Celestino também segue o pensamento do irmão e diz que nem procurou nada do tipo. Não vê efetividade no atendimento oferecido. Ele aguarda que o dinheiro de seu benefício seja liberado para que ele possa construir uma casa para si. Para isso, já ganhou até algumas telhas. “Pretendo construir por aqui mesmo. Só sairei daqui se me derem outro lugar. Me tirar daqui, eu acho que ninguém vai”, observa.

Um espaço para os amigos de quatro patas
Característica marcante nos pontos em que vivem Celestino e Luis são os cachorros que dividem o espaço. Ao todo, são dois adultos e quatro filhotes que encontraram nos dois – apesar das dificuldades – uma fonte de carinho e cuidado. Até “casinhas” foram improvisadas para abrigar os companheiros peludos. “Eu sempre fui de cuidar dos bichinhos. Acho na rua e trago pra cá. Eu tiro um pouco da minha ‘boinha’ para alimentar eles”, admite Luis.

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