Rotina tensa expõe policiais ao risco de SUICÍDIO

Perda. Morte de integrante do 5º BPM colocou em evidência problemas enfrentados por servidores da segurança pública

O suicídio tira a vida de 32 brasileiros por dia. O número representa de 6 a 7 mortes para cada 100 mil habitantes. O mais alarmante é o fato do índice apresentar crescimento constante no país, enquanto a média mundial apresenta estabilidade. Os dados do Centro de Valorização da Vida (CVV) evidenciam a importância de o assunto ser tratado como prioridade.

O risco é ainda maior entre os policiais. Medo constante de serem feridos ou mortos, escala de trabalho exaustiva, treinamento e equipamentos aquém do necessário, falta de reconhecimento pela sociedade, baixos salários. Essas são algumas respostas para a pergunta “Por que os policiais se matam”, título do livro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Dudu com a esposa Grazi, a filha Brendha, e o enteado Kevin. Fotos: Arquivo pessoal

De 224 policiais militares entrevistados, 10% disseram ter tentado suicídio e 22% afirmaram ter pensado na possibilidade em algum momento da vida profissional. A coordenadora do estudo, a cientista política Dayse Miranda, ressalta como um fator que contribui para os suicídios cometidos por PMs é a facilidade de acesso aos meios. “Vemos uma interface de tensão entre o mundo do trabalho, com o policial sujeito a relações abusivas, e o mundo fora do trabalho, quando o policial doente reproduz relações violentas. Tudo isso num contexto em que o policial tem acesso a uma arma, o que facilita qualquer ato violento. Outros profissionais também têm problemas no trabalho. Mas não têm uma arma na cintura”, destaca Dayse, em matéria publicada no site do CVV.

O Vale do Caí registrou, recentemente, um caso relacionado a esse contexto. O soldado do 5º Batalhão de Polícia Militar (BPM) Carlos Eduardo Pinto, 34 anos, tirou a própria vida depois de perder a luta contra a depressão. Com sua arma, ele efetuou um disparo contra a cabeça no dia 14 de julho, em São Sebastião do Caí, e morreu no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Canoas, no dia 16.

Mesmo medicado, PM perdeu a luta contra a depressão
A esposa e os amigos de Carlos Eduardo, o “Dudu” ou “Edu”, como era carinhosamente chamado pelos conhecidos, ainda tentam assimilar a perda repentina. Ele sofria da doença há vários anos, mas buscou tratamento com um psiquiatra há apenas três meses, quando começou a tomar remédios controlados. De acordo com a esposa Graziela Britto, 31 anos, bombeira voluntária, o policial vinha apresentando comportamento violento e possessivo. Foi a principal motivação para buscar ajuda médica.

Dudu e Grazi estavam juntos há cinco anos e tinham uma vida tranquila

Apesar de não ser uma pessoa agressiva, o marido, de acordo com Grazi, como é conhecida a bombeira voluntária, em momentos de surto, chegou a ameaçá-la com sua arma. Também falava em suicídio, para acabar com os momentos de sofrimento enfrentados. “Eu sempre me preocupei em relação a mim. Nunca pensei que ele faria aquilo com ele próprio”, comenta a viúva.

Certa vez, inclusive, Dudu chegou a efetuar um disparo próximo ao rosto dela. O policial militar costumava escolher as roupas da mulher.
No dia do suicídio, Edu parecia tranquilo e feliz, mas um pedido da mulher mudou o seu estado de humor. Ela estava em São Sebastião do Caí, onde aguardava o marido para irem a um evento, quando falaram via WhatsApp. “Pedi para ele me levar umas coisas e uma roupa, diferente da que ele já havia escolhido pra mim. Ali ele já não gostou muito. Começou a ficar meio estressado e eu percebi. Eu só cogitei trocar de roupa e ele não gostou”, comenta.

O marido, mesmo descontente, atendeu à solicitação da companheira, mas deixou a roupa no carro. Entrou na casa de um amigo dos dois no Caí e entregou para Grazi outros objetos pedidos por ela. Foi quando iniciou uma discussão, na cozinha da residência.

Com medo de ocorrer algo grave por ele portar arma de fogo, a esposa pediu para o marido voltar para a casa deles, no bairro Senai, em Montenegro. Dudu chegou a sair e a retornar por três vezes, na tentativa de fazer as pazes com Grazi. Contudo, com vergonha dos amigos, a esposa queria deixar a reconciliação para o dia seguinte. “Quando ele saiu e retornou, foi telefonado para a Brigada Militar por três vezes, visando evitar algo trágico, mas como se tratava de um colega na situação, eles não compareceram”, relata.

Morte ocorreu no final de evento
Eduardo, mesmo contrariando a esposa, permaneceu no Caí e foi ao evento. Lá, o policial militar tentou o diálogo com a mulher. Mas ela se manteve firme em não falar com o marido. “Durante todo o evento, fugi de conversas com ele porque achei que estava armado. Ele sempre estava armado. Depois soube que nossos amigos colocaram a condição de que, para ele ir, deveria estar sem a arma. Eu não sabia, isso é o triste, porque eu não conversei com ele por achar que tava armado”, lamenta.

A situação piorou quando Eduardo começou a beber cerveja, mesmo sob efeito de medicação controlada. No final, saíram juntos e, com os amigos, foram ao estacionamento. Cada um no seu carro, dariam carona ao grupo. Nessa hora, Eduardo segurou Grazi pelo braço e disse para ela nunca esquecer do quanto a amava. “Ele correu para o carro dele, como se fosse fazer algo pra gente rir, e sentou no banco do carro, abriu o porta-luvas e atirou na nossa frente”, lembra.

A vítima chegou a ser socorrida pelo Samu ao Hospital Sagrada Família, do Caí. Contudo, foi transferida para o HPS de Canoas, onde faleceu.

Brincalhão e preocupado com a própria saúde
Márcio Pavão da Silva, 31 anos, não perdeu apenas um colega de farda com quem convivia desde 2013, quando se apresentou no 5º BPM. “Nós sempre dividimos os sonhos, de fazer concurso para sargento, depois para capitão, mas ele nunca comentou de estar passando por algum problema sério. Nunca vi ele triste, cabisbaixo, estava sempre alegre. Chegava e fazia o pessoal dar risada. Para nós, foi um choque”, frisa.

Os dois também eram colegas na faculdade de Direito do campus da Universidade de Caxias do Sul (UCS) em São Sebastião do Caí. “Era um cara super inteligente, se saía bem em todas as matérias”, afirma Pavão. Assim como ele, a turma da universidade no grupo de WhatsApp demorou a acreditar no fato. Cerca de 20 colegas foram à despedida do amigo.

Além de ser um cara de sorriso fácil, Pavão lembra o fato de Dudu sempre ter valorizado a saúde e a prática de esportes. “Futebol era com ele, jogava bem. Estava sempre se cuidando, correndo, às vezes comentava que estava fazendo dieta para baixar o peso. Não gostava de ter barriga”, lembra.

O sargento César Gaertner também já sente a falta de Dudu, com quem trabalhava no Setor de Inteligência do 5º BPM desde 2012. “Ele estava sempre se preparando para concurso, fazendo planos. Nunca vi ele para baixo, triste”, comenta. Gaertner lembra a dedicação de Dudu ao trabalho. “Tinha uma ótima relação com a comunidade, estava sempre bem informado”, frisa, ressaltando a importância disso na função exercida pelos dois na corporação.

o que é depressão?
A depressão atinge mais de 300 milhões de pessoas de todas as idades no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, a estimativa é que 5,8% da população seja atingida.
Quem sofre da doença apresenta tristeza profunda, perda de interesse generalizado, falta de ânimo, de apetite, ausência de prazer e oscilações de humor que podem culminar em pensamentos suicidas Por isso, o acompanhamento médico é imprescindível , tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento adequado.

Fonte site: Minha Vida

Exemplo de pai, marido e profissional, brigadiano faz muita falta à família
Natural de Uruguaiana, Eduardo tinha dez anos de Brigada Militar. Estava casado com Graziela há cinco e, com ela, tinha Brendha de três. Também ajudava a criar o enteado, fruto da primeira relação da esposa, que hoje está com 11 anos. O policial ainda era pai de um garoto do primeiro casamento, de 6 anos, morador de São Gabriel, para onde Eduardo foi levado com apenas um mês de vida.

Ótimo marido. Pai e padrasto dedicado. Profissional exemplar. Essas são algumas qualidades do policial descritas por Graziela Britto. Ela recebeu a reportagem do Ibiá na casa onde passou a morar, no bairro Rui Barbosa, depois da perda de Eduardo. Confira a entrevista exclusiva.

Jornal Ibiá: O que aconteceu naquela noite?
Graziela Brito: Na noite de sábado (14 de julho), eu tinha um evento profissional, no qual eu iria trabalhar todo o final de semana. Durante o dia, tinha evento e, à noite, nós recepcionamos as pessoas de outras cidades. Desde a sexta-feira, a gente se organizou muito para esse evento, tanto eu quanto ele. Na sexta de noite, ele passou toda a minha farda e lustrou meu coturno, ele era muito cuidadoso com as minhas coisas. Comprou roupa nova para ele ir ao evento privado à noite. Na sexta, dormimos juntos. Eu ia dormir no quartel (dos bombeiros voluntários caienses), mas ele me implorou para que eu não fosse, frisou muito que tínhamos que dormir juntos. No sábado à noite, ele chegou em São Sebastião do Caí e cumprimentou todo mundo, enquanto eu estava sozinha na casa do meu amigo. Ele entrou e ali a gente começou a discutir. A gente começou a discutir baixinho, eu estava com vergonha, daí ele começou a se alterar e ficou transformado.

JI: Isso sem usar álcool ou drogas?
Graziela: Isso sem usar nada, só a medicação controlada para depressão. Quando ele começou a se alterar, eu, preocupada por questões que já haviam ocorrido, pedi para que ele fosse embora. Pedi para que ele não fosse no evento, pelo estado em que ele estava. Ele foi embora e nossos amigos foram conversar com ele. Pediram para que ele curtisse a noite de boa, sem brigas. Ele só queria o meu perdão pelo escândalo que havia feito. Nós dois discutindo por roupa. Ele só queria meu perdão e eu só queria que ele fosse para casa e esperasse minha volta. Eu sempre me preocupei em relação a mim. Nunca pensei que faria aquilo com ele próprio.

JI: Alguma vez ele chegou a te ameaçar?
Graziela: Muitas vezes. Sempre em função da possessividade. Nesses quase cinco anos de relacionamento, me desfiz de quase todos os meus amigos. Tínhamos um mundinho bem fechado. Não recebíamos visitas na nossa casa. Quando aparecia alguém, ele não gostava. As pessoas percebiam e estavam preocupadas que alguma coisa pudesse acontecer comigo, principalmente nos últimos três meses. Então, na noite do sábado, ele foi ao evento. Lá não brigamos, ele ficou todo o tempo comigo e com nossos amigos. Aí, quando ele pediu um baldinho de cerveja, comecei a ficar preocupada. Passamos toda a noite ali, todas as vezes que ele me abordou pedi para conversarmos no outro dia. Saímos do evento, fomos para a rua, ali a gente ia dividir as caronas. Aí ele nos chamou e gritou “Olha só o que eu vou fazer agora!”. Um pouco antes desse momento, ele puxou meu braço e disse para eu nunca esquecer que ele me amava. Ele correu para o carro dele, como se fosse fazer algo pra gente rir, e sentou no banco do carro, abriu o porta-luvas e atirou na nossa frente.

JI: Tinhas medo que ele fizesse uma “besteira”?
Graziela: Eu não acreditava, mas ele dizia que faria uma besteira. Nessa época, eu não “pagava para ver”.

JI: Ele estava nervoso na sexta-feira?
GB: Não. Até então, sempre calmo. Ele tinha crises e picos de explosões e nervosismos, mas na sexta ele estava calmo e animado para ir no evento. No sábado, todos que encontraram ele me disseram que estava feliz e só falava do evento. Nós tínhamos combinado que quando eu saísse do Centro de Cultura, a gente iria se encontrar na casa de um amigo para nos arrumarmos. Íamos cada um em seu carro para dar carona para quem não tivesse.

JI: Quando ele começou a apresentar mudanças no comportamento?
Graziela: Durante uma conversa no Whats, eu pedi para que ele me levasse algumas coisas. Ali ele já não gostou muito. Começou a ficar meio estressado e eu percebi. Questionou se eu iria. Eu cogitei trocar de roupa e ele não gostou.

JI: Ele era ciumento?
Graziela: Bastante.

JI: Vocês brigavam por ciúmes?
Graziela: A gente brigava por causa da possessividade dele, aliás, era o único motivo pelo qual a gente brigava. Eu tinha mais ciúmes que ele. Mas ele achava que eu priorizava mais algumas atividades do que ele. A gente brigava bastante pela possessividade. Ele sempre escolheu minhas roupas e eu não me importava, eu sempre atendia aos pedidos.

JI: Ele chegou a te bater?
Graziela: Nunca. Tirando todas as crises que ele teve em função de insegurança e da doença, tínhamos um relacionamento feliz e saudável, sem brigas.

JI: Chegastes a pensar que uma briga o levaria a tirar a própria vida?
Graziela: Ele quase fez várias vezes, mas eu nunca acreditei que de fato faria. Eu achava que ele fazia ameaças para me manipular.

JI: Tu achas que essa atitude dele está diretamente ligada ao quadro de depressão?
Graziela: Com certeza. Ele tem um histórico de vida muito triste e era bem perturbador pra ele. No sábado, nos falamos muito pouco porque eu estava em função do evento lá em São Sebastião do Caí.

Rodrigo Borba e Clarice Almeida

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