Comunidade Terapêutica Recreio, extensão do Recreo, atende 15 adolescentes, mas tem capacidade para mais cinco
“Minha história não é diferente de ninguém que ‘tá’ aqui. Só muda o personagem.”
É assim que a maioria dos doze jovens atendidos pelo Recreio, braço do Retiro Comunitário Reabilitação Ocupacional (Recreo), começam a contar como sucumbiram às drogas. Meninos de 14, 16, 22 anos que lutam para se verem livres do vício e voltar à vida. Homens de 26 ou 30 anos que procuram uma forma de ter novamente a companhia dos filhos, irmãos, mãe e pai.
Ao lado do fogão a lenha, alimentado com frequência para aquecer a manhã fria, os jovens formam um círculo onde contam, um a um, como chegaram até ali, idade, cidade, tempo que estão no retiro e como se sentem. Assim como a cuia passa de mão em mão até encerrar a volta, cada um dos jovens narra parte de sua vida até conseguir encontrar o fim deste ciclo.
Na antessala ainda enfeitada com as bandeiras de São João, os sotaques vindos de diferentes locais do Estado e até de outros pontos do País se misturam, mas no final o desejo é o mesmo: superar a dependência química.
E foi essa vontade de recuperação que motivou Otávio Luiz dos Santos Furtado, idealizador do Recreo, a ampliar o trabalho e a investir na recuperação de adolescentes. Em 2010, o primeiro grupo de jovens foi levado até a Comunidade Terapêutica para iniciar o processo de “limpeza” com uma proposta totalmente diferente: reeducação, ou seja, os jovens têm atividades voltadas ao espaço deles. “De experimentar a vida, de saber sobre as suas características e se descobrirem nessa idade. Então, a gente trabalha assim. Tentando explicar o lado certo da vida, tentando mostrar os valores sociais, cristãos e tentando sempre moldar para eles uma forma correta de encarar a vida, honesta, direita, que não de problemas sociais”, explica Otávio.
O período médio de internação no Recreio dura cerca de nove meses. “É um estado de vida que eles tentam mudar junto com a gente”, defende. Apesar de ser um tempo considerável, Otávio explica que o processo de recuperação é mais demorado. Na primeira internação de nove meses, o jovem faz a retomada da vida. “Ele (jovem) é menor, chega aqui com 16, ficando nove meses e ele ainda terá 16 anos, é um ‘piazão’. E aí se ele sai para a rua sem ter uma continuidade de orientação. Facilmente, ele pode usar drogas de novo”, argumenta.
Mantida por convênios com prefeituras gaúchas, que adquirem as vagas para os adolescentes, e por meio das internações, hoje a entidade que trabalha na reeducação dos jovens vê os investimentos reduzirem em função da crise econômica que trava o País desde 2014.
Com capacidade de receber cerca de 20 adolescentes, hoje o Recreio acolhe apenas 15. “Então muitos lugares cancelaram convênios com adolescentes, porque as prefeituras acabam não tendo verbas para investir. E é a questão social que acaba sofrendo com tudo isso”, lamenta.
Na última semana de junho, Montenegro teve a Semana de Prevenção ao Uso de Drogas, cujo foco foi justamente promover um debate para que as diferentes entidades do município se engajem com o objetivo de elaborar uma rede para inibir o uso de drogas.
Na oportunidade, o presidente do Conselho Municipal Antidrogas (Comad), Rogério do Santos, argumentou sobre a necessidade de se trabalhar o ano todo com estas ações, já que uma das preocupações é a reincidência dos jovens. “A polícia faz a prisão, é encaminhado para uma comunidade terapêutica para fazer o tratamento, mas e depois disso? O que tem para fazer?”, questionou Santos. Para ele, a assistência precisa ter continuidade.
De adolescente infrator a adulto orientador
“Me lembro certinho. Foi dia 10 de fevereiro de 2010 que eu internei. Foi uma noite que eu tinha aprontado. Me levaram para a delegacia e aí lá perguntavam: ‘O que vamos fazer com o Lugui?’. Minha mãe estava junto. Decidiram me internar. Vim direto.” Foi assim que Lugui Ramon Conceição Walter, hoje com 22 anos, chegou ao Recreio. Na época tinha 14 anos e era presença frequente na Delegacia de Polícia.
De família humilde, criado pela mãe e pelo padrasto, era adolescente quando começou a vagar pelas ruas de Montenegro. Com 13 anos, conheceu o crack. Começou a pedir dinheiro no Centro para manter o vício. Quando isso não bastou, passou a cometer furtos dentro de casa e depois no comércio. Muitas vezes, a mãe de Lugui teve que ir buscá-lo na delegacia.
A primeira internação do menino foi em 2010 — época em que a Recreo iniciou o trabalho focado na recuperação de adolescentes. Lugui passou um ano e meio na fazenda. Estudou em meio período. Conseguiu concluir o 5º, 6º e 7º ano do Fundamental. Na outra metade do dia, ele trabalhava e fazia terapia.
Depois dessa internação, saiu para a rua. Conseguiu fazer curso de Menor Aprendiz, trabalhou e completou o Ensino Fundamental por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Começou o Ensino Médio, passou o primeiro ano regular e, quando foi passar para o segundo ano, teve uma recaída. Foram mais nove meses de tratamento. “Bah…é uma história porque eu me enrolei, me compliquei e teve mais uma recaída. Tive umas três. Eu recaía, ficava um tempo e vinha para cá pedir ajuda”, recorda.
Dentro do Recreio, percebeu o “lado bom da história”. Da sua história. Dentro da Comunidade Terapêutica, ele conseguiu ver o que poderia ser, o que poderia se tornar e fazer. “Aquilo foi sendo alimentado dentro de mim.”
Depois de muitas idas e vindas, hoje Lugui está novamente dentro do Recreio, mas o que faz atualmente, agora aos 22 anos, é a conclusão do Ensino Médio e almeja uma graduação, isto é, o oposto daquilo que fazia quando adolescente, procurando a entidade na tentativa de se encontrar.
Lugui trabalha como monitor da Comunidade Terapêutica. Do outro lado do caminho, ele trabalha para que os adolescentes que chegam possam se livrar do vício. “Todo mundo que chega e pede ajuda tem vontade de parar de usar. Só que tu não consegue evoluir aquilo dali. Precisa de ajuda”, alerta.
O desejo é seguir estudando, trabalhar e ajudar os jovens que, como ele um dia, procuram o Recreio para abandonar as drogas. “É diferente. É tri, porque me vejo neles. Penso que, como tive lá, é mais fácil para ajudar. É mais fácil contribuir ou conversar. A gente pega uma afinidade e eles veem que estou aqui e isso é bom. Hoje até na rua me olham diferente. Eu me olho diferente”, compara.
Lugui sabe da sua história, reconhece os seus limites e está firme na missão que recebeu. “Tô firme. Quero trabalhar e ajudar pessoas”, garante.