Quebra de tabu: uma vendedora que faz a diferença

Superação. Com Síndrome de Down, a auxiliar de vendas Joice encontra no trabalho uma forma de superação

Nos corredores de uma loja no centro de Montenegro, uma jovem chama atenção. Olhar tímido, cabelos loiros e sorriso radiante, assim é a auxiliar de vendas Joice de Azevedo de Oliveira, de 23 anos. Com Síndrome de Down, a montenegrina descobriu no trabalho uma forma de superar problemas de saúde e quebrar paradigmas diariamente.

Em meio as araras de roupas e pilhas de calçados, ela conta como é a rotina de quem é visto por grande parte da sociedade com discriminação. “Eu acordo cedo e venho para a loja, quando chego aqui, as meninas ( suas colegas de trabalho) me falam o que devo fazer”, explica Joice, mostrando uma banca de roupas cuidadosamente organizadas por ela. Com o novo emprego, a felicidade de poder trabalhar é um de suas maiores realizações. “Eu amo muito ficar aqui e fazer meu serviço, ajudar a arrumar as roupas e distribuir os jornaizinhos (encarte publicitário), é muito bom”, revela a auxiliar de vendas.

Todas as atividades desenvolvidas por Joice na loja têm o acompanhamento de uma vendedora, que apoia e orienta a execução das tarefas. Entre a equipe, duas se destacam. “A Vanessa e a ‘Tati’ sempre me ajudam”, salienta a auxiliar de vendas. “Elas cuidam de mim com muito carinho e eu gosto muito delas”, disse um pouco emocionada, enquanto olhava para as colegas no outro lado do estabelecimento.

As duas profissionais a quem Joice se refere são Vanessa Carames e Tatiana Bauer, gerente e subgerente da loja. “Todo mundo aqui gosta de trabalhar com ela porque o ambiente é contagiado pela alegria e simpatia dela”, comenta Vanessa, destacando a recíproca. “Nós contribuímos como podemos e notamos que, apesar de ter pouco tempo de serviço, ela melhorou muito o desempenho das atividades e a própria autoestima.”

Mesmo diante do esforço e dedicação da auxiliar de vendas, a gerente salienta os desafios que surgem no caminho e revela o quanto o preconceito ainda está presente e se mascara a sociedade. “Grande parte do público que nos procura elogia a contratação e atendimento da Joice, contudo, ainda percebemos certo incomodo com a presença dela por parte de algumas pessoas”, lamenta Vanessa. “É tão gratificante quando os clientes chegam na loja e pedem para serem atendidos por ela, ficamos muito felizes, já que essas pessoas se reconhecem nela e enxergam o potencial que ela tem.”

Muitas vezes, por falta de informação, essa parcela da população fica exposta ao preconceito que se manifesta de diferentes formas. Conforme informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 45 milhões de pessoas possuem alguma deficiência física ou mental no Brasil. Destas, estima-se que 300 mil tenham Síndrome de Down, que ocorre com uma prevalência de 1 para cada 600 nascimentos aproximadamente. Diferente do que pensa grande parte da população, não existem níveis dessa condição genética e o desenvolvimento está relacionado ao estímulo que as pessoas com a síndrome recebem.

O trabalho como uma ferramenta de transformação
Entre as colegas da auxiliar de vendas Joice de Azevedo de Oliveira, é unânime a compreensão sobre a importância de políticas de inclusão social para a inserção das pessoas com deficiência intelectual e física no mercado de trabalho.

“Há uma grande diferença entre a Joice que conhecemos e a de hoje em dia”, revela Tatiana Bauer. “Ela era tímida e não gostava muito de conversar, mas, agora, é nítido o quanto mudou, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento intelectual”, completa Tatiana. “No início, ela tinha bastante dificuldade em diferenciar as cores, por exemplo, mas estamos percebendo que, quanto mais a estimulamos, mais expande a compreensão dela sobre as coisas”, completa.

Por mais inclusão social
Apesar de ter conseguido emprego logo que iniciou a procura, a realidade da jovem se revela complicada ao ponto que as oportunidades não são as mesmas para todos quando o assunto é inclusão social. “Eu estava estudando, mas parei, não tinha como continuar”, disse Joice, que não soube responder os motivos.

Joice (no centro) com as colegas Tatiana Bauer, Vanessa Carames

Para a mãe da jovem, Loenir de Azevedo, os motivos são evidentes. “Tanto na educação quanto no mercado de trabalho o problema é o mesmo, falta incentivo, apoio, formação da sociedade para saber educar e trabalhar com as pessoas que têm dificuldades, sejam físicas ou intelectuais”, desabafa Loenir, acrescentando que a filha estudou até o 1º ano do Ensino Médio, mas parou por não conseguir acompanhar o ritmo dos colegas.

Pizza, sorvete e amizades
Engana-se quem pensa que só de trabalha vive a mais nova auxiliar de vendas de Montenegro. Na lista de prioridades da jovem Joice, sair com as colegas de trabalho está no topo. “Geralmente nos reunimos nos finais de semana e ela vai junto, sempre trocamos risadas”, disse Vanessa Carames. “Às vezes saímos para tomar sorve, comer pizza ou fazemos jantinhas na casa de alguém.”
Entre desafios, trabalho e risadas, Joice mostra para si e para o mundo que é preciso quebrar barreiras, e ensina a todos a importância da empatia num mundo melhor e mais humano.

“Além de ser filha única,
ela é nosso maior tesouro…”

Por onde passa, a jovem Joice de Azevedo de Oliveira deixa um rastro de carinho e lição de vida. Na família não poderia ser diferente. Sua mãe, Loenir de Azevedo, revela que decidiu largar a vida na localidade de Fortaleza, interior de Montenegro, para proporcionar uma rotina melhor para a filha.

Joice ao lado da mãe Loenir de Azevedo e do pai Nilson de Oliveira

“Além de ser filha única, ela é nosso maior tesouro, por isso, eu e o pai dela decidimos mudar para a cidade e proporcionar a ela uma nova perspectiva”, disse Loenir. “Antes, nossa casa tinha muito mais conforto, mas nossa filha não estava feliz e começamos a ficar preocupados com o que poderia acontecer.”

Diante da situação e com o apoio do marido, Nilson de Oliveira, a família vendeu tudo que tinha e há três meses estão morando no bairro Germano Henke, em Montenegro. “Logo que mudamos a Joice conseguiu arrumar emprego, foi tudo muito rápido”, relembra a mãe, orgulhosa. “Até alguns parentes acharam que era loucura nosso plano, mas estamos percebendo que foi a melhor escolha, nossa filha é uma nova pessoa e eu e o pai dela também.”

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