Qual a importância do perdão para a saúde?

Cardiologista Mário Borba
Foto: arquivo pessoal

Você costuma pedir perdão ou perdoar pessoas importantes em sua vida? Mário Borba, médico cardiologista do hospital Santa Casa e Diretor Financeiro do Departamento de Espiritualidade e Medicina Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica que, em linhas gerais, o perdão é uma virtude atribuível à pessoas espiritualmente mais evoluídas, ao contrário das que não praticam o perdão, que são consideradas atrasadas.
Ainda, segundo Mário, o perdão não é uma virtude pronta, e sim, deve ser praticada e aprimorada. Já a psicóloga Milena Bitencourt afirma que a ação de perdoar é uma atitude consciente e racional, que liberta da dor e do sofrimento causado por uma ação de outra pessoa. “Não se trata de esquecer, mas sim de deixar ir embora a raiva e a angústia”, acrescenta.

Psicóloga Milena Bitencourt
Foto: arquivo pessoal

É importante salientar que, quando não se pratica o perdão, o rancor é alimentado, e junto dele, uma série de sentimentos negativos surge. O cardiologista Mário define que estes, são “sentimentos que vivemos quando alguém faz algo que foge à nossa compreensão ou em contrário a nossa vontade”. Para ele, o rancor, ódio, raiva, ira e a mágoa são manifestações visíveis de um processo que fica oculto dentro de cada ser.

“A mágoa é uma má água que fica dentro de nós, contaminando e adulterando a pureza do nosso ser e quanto mais essa má água estiver presente, mais ela infiltrará nos diferentes tecidos do nosso corpo”, explica. A psicóloga Milena pontua que o rancor tem poder devastador dentro do emocional humano. “Raiva, frustração, ansiedade, tristeza, depressão e solidão são apenas alguns dos sentimentos comuns a quem guarda o rancor”, enfatiza.

Por que é difícil perdoar?
Para a psicóloga Milena, as pessoas costumam confundir o perdão com esquecer o que aconteceu, se obrigando a conviver no dia a dia com alguém que lhe fez mal. Entretanto, não é assim que deve funcionar, obrigatoriamente. O perdão pode incluir o afastamento da pessoa que lhe fez algum mal, por exemplo. É válido desde que o perdão exista, para, assim, a ação ser finalmente deixada de lado.

“É uma escolha de não manter toda aquela dor dentro de si, buscando compreender que as pessoas erram por suas próprias questões, sua história pessoal de vida, suas próprias dores e mágoas”, expõe. Por isso, afirma que para conseguir praticar o perdão, é necessário primeiro ser capaz de praticar a empatia, que é a capacidade de me colocar no lugar (emocional e físico) do outro. Mário aborda, ainda, que perdoar é não estar mais ligado a tal situação.

Quando o comportamento de outro ser humano abre feridas e cria cicatrizes emocionais, é difícil perdoar. Isso porque, muitas vezes, o ato de perdoar passa por diversas fases, desde a decepção com a atitude do próximo. Lembre-se que as emoções são energias em movimento. Quando nos apegamos a alguma emoção específica, ela nos paralisa e nos impede o “fluir’”, ou seja, ficamos ressentidos. A palavra significa, literalmente “sentir de novo”, ou seja, revisitar a emoção e apegar-se a ela, sem deixá-la passar. Isso é muito comum no caso do rancor, quando se torna mais difícil o perdão.

Rancor acarreta doenças
Milena destaca que quando se fala de doenças psicossomáticas, que são aquelas que acabam se manifestando no corpo, sem necessariamente uma causa/explicação biológica, um dos grandes causadores é a grande quantidade de sentimentos negativos reprimidos dentro do ser humano. Dentre os exemplos, ela cita a gastrite, úlcera, enxaquecas, doenças autoimunes e até mesmo o câncer.

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Mário acrescenta que hoje, sabe-se que a raiva e o rancor são gatilhos para o acidente vascular cerebral. “Faltou à sociedade médica entender e debruçar-se melhor sobre esse mecanismo e teríamos prevenido muitos dos acidentes que vitimaram fatalmente ou retiraram a qualidade de vida de milhões de pessoas”, adverte. Ainda pode ocorrer o aparecimento de doenças cardiovasculares. Essas doenças são desenvolvidas a partir de sentimentos ruins reprimidos, porque além de tirar a paz, afetam em diversos setores da vida, como na qualidade do sono.

Por que perdoar e aceitar o perdão são importantes?
Apesar de não ser um exercício fácil, perdoar e aceitar o perdão traz diversos benefícios, como a paz de espírito, um coração mais tranquilo, sistema imunológico reforçado, controle do estresse, sono tranquilo, redução do nervosismo e ansiedade e a grande contibuição para o auto perdão. Milena destaca que perdoar não necessita do pedido de perdão do outro do outro para acontecer. Porém, quando existe este movimento, temos algo importante em mãos. “O outro agiu de forma errada, e percebeu que acabou o magoando. É muito importante aproveitar este momento de crescimento do outro e de si mesmo para elevar a vida e os sentimentos”, aconselha.

Segundo Mário, aceitar o pedido de perdão de alguém exige também do espiritual. “Exige capacidade de resiliência, de temperança e de adaptação que nos leva à paciência para seguirmos adiante aguardando os obstáculos com que nos defrontamos e que serão progressivamente maiores”, argumenta. “O processo é de sensibilização e, sendo assim, ao superarmos uma adversidade esperamos uma maior, porque aquela primeira já foi resolvida e superada”, acrescenta.

Como começar a praticar o perdão?

A psicóloga Milena sintetiza que o perdão pode começar a ser praticado através das pequenas coisas do dia a dia, para depois ir ao próximo passo e atuar nas mágoas mais profundas. “É sobre conseguir não dar aquele xingão porque o outro estacionou na vaga que eu vi primeiro, sobre não ficar ruminando os sentimentos por aquela colega não ter te dado bom dia com o mesmo bom humor que o fez com o outro colega”, exemplifica. Para ela, meditar, escrever e fazer atividades prazerosas que tragam sentido e razão em viver ajudam nesta tarefa inicial.

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O cardiologista Mário Borba reitera que iniciar a prática do perdão não é exercício simples. “Talvez para algumas pessoas seja mais fácil, por já terem vivenciado acontecimentos que lhe proporcionaram o aprendizado, mas não é assim para todos”, assinala. Ele salienta que isso ocorre de pessoa para pessoa. Há aquelas que estão profundamente machucadas e não gostam nem mesmo de abordar o assunto. “É semelhante àquela pessoa que fraturou a perna, sabe que terá de colocar no lugar, mas não quer que toquem nela porque a dor é muito grande”, destaca. Sendo assim, o exercício deve respeitar o momento e as condições de cada pessoa, assim como se respeita uma pessoa que esteja com alguma fratura. “Para que esta seja “curada” ou melhor restaurada, deve ser “manipulada” ou “trabalhada” com extremo cuidado”, afirma.

Por isso, para ele, antes de estarmos aptos ao perdão, uma dica é começar com o exercício da compreensão. A busca de tentar entender porquê a pessoa agiu de tal maneira, ou até mesmo porque nós fizemos ou deixamos de fazer de um modo que poderia ter sido melhor para todos. Em sua visão, o perdão só ocorre, de fato, com a reconciliação, etapa que demora bem mais para chegar. “Reconcilia, ou seja, concilia novamente. É fazer novo concílio com aquele amigo com quem nos havíamos desentendido e que, por vezes, somos nós mesmos com nossos conflitos que criamos por ilusões de incompreensão do cotidiano e do propósito da vida ou da existência”, comenta.

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