Quais são os impactos do projeto que reduz o ICMS sobre combustível e energia?

Aprovado na Câmara dos Deputados, texto passa a ser avaliado no Senado

Os senadores brasileiros estão analisando um Projeto de Lei Complementar (PLC) que impede a aplicação de alíquotas de ICMS iguais às cobradas sobre produtos supérfluos para bens e serviços relacionados a combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. A proposta classifica esses setores como essenciais e indispensáveis. O texto foi aprovado pelos deputados federais na última semana e pode impactar as contas de Estados e Municípios, uma vez que prevê a redução na alíquota, bem como a vida do cidadão brasileiro, que poderá pagar menos por esses produtos e serviços.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a alíquota de gasolina e álcool é de 25%. Conforme a proposta, deve ser fixada em, no máximo, 17% – mesma alíquota das operações em geral de bens e serviços. Cálculo da secretaria estadual da Fazenda (Sefaz) aponta que, da forma como foi aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto retira da base tributária do Estado cerca de R$ 4 bilhões.

Segundo o projeto aprovado na Câmara, Estados que tenham dívidas refinanciadas no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal, ao qual o Rio Grande do Sul está aderindo, as perdas com a arrecadação do ICMS durante 2022, em comparação com 2021, serão compensadas integralmente pela União. Nos demais Estados que não participam do regime, a compensação ocorrerá também por meio da dedução dos valores das parcelas de dívidas junto à União e atingirá somente as perdas em 2022 que passarem de 5% em comparação com 2021.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também fez um levantamento das perdas que as cidades teriam. A Área de Estudos Técnicos da Confederação aponta que, se o projeto for sancionado como está, os municípios podem ter reduzidos a sua cota parte do ICMS (veja tabela abaixo).

O presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio Caí (Amvarc) e prefeito de Montenegro, Gustavo Zanatta, afirma que o projeto causa preocupação aos Municípios. Diz que a medida tem o potencial de reduzir uma série de preços ao consumidor. “O que é bom, especialmente neste momento de crise em que a inflação vem derretendo o poder de compra das pessoas”, aponta, mas faz ressalvas. “Por outro lado, a perda de arrecadação destes impostos vai obrigar muitas Prefeituras a frear seus investimentos em melhorias e obras de infraestrutura. Até mesmo alguns serviços devem ser afetados. E isso é ruim para a população”, analisa.

Zanatta aponta, ainda, que o projeto que está em análise no Congresso Nacional até prevê que parte das perdas seja substituída por redução nas dívidas das Prefeituras e dos Estados com a União. “Só que, na nossa região, os Municípios praticamente não possuem débitos com o governo federal. Nossa luta é para que, na medida em que sequestra parte dos impostos, a União estabeleça uma compensação adequada”, afirma.

Estado defende ampla reforma tributária
Em manifestação enviada ao Jornal Ibiá, a secretaria estadual da Fazenda (Sefaz) diz que o Governo do Estado defende o fim do ICMS com suas distorções em uma reforma tributária nacional, ampla e que colabore para reduzir o peso dos impostos para a população e o custo de vida. Segundo a Sefaz, tal reforma deve ser feita de forma planejada, sem riscos para as finanças dos Estados e Municípios. “Desde 2019, defendemos uma reforma séria e tecnicamente responsável e é com esse espírito que seguiremos encaminhando nossas pautas tributárias com todos os entes federativos”, reforça a nota.

A Sefaz afirma, ainda, que o Governo do Rio Grande do Sul sempre defendeu a simplificação tributária e já reduziu o ICMS dos combustíveis, energia e comunicações de 30% para 25%. Além disso, o Executivo estadual, desde novembro de 2021, mantém congelados os valores de referência para a cobrança do ICMS sobre os combustíveis, e a alíquota do diesel é a menor do país.

Na declaração, a Sefaz também alerta que o projeto que impede a aplicação de alíquotas de ICMS iguais às cobradas sobre produtos supérfluos para bens e serviços relacionados a combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo trata de mudanças em uma base de recursos que envolve cerca de 30% das receitas de ICMS do Estado. “Ou seja, parte absolutamente expressiva do que o Rio Grande do Sul arrecada e, por isso, é objeto de grande preocupação para todos os gestores públicos”, diz a nota.

A Sefaz lembra, ainda, que para muitos Municípios a arrecadação de ICMS é também relevante porque, na maioria dos casos, o ICMS tem peso maior dos que os tributos próprios (como ISSQN e IPTU), tendo em vista que os repasses da ordem de 25% feitos pelo Estado relativos ao ICMS são essenciais para a manutenção dos serviços públicos municipais.

Economista faz alerta para riscos
O professor doutor em Economia do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Eugênio Lagemann alerta que o projeto como aprovado na Câmara dos Deputados pode não ter os efeitos esperados. Falando sobre os efeitos da proposta diretamente aos bolsos do cidadão, Lagemann explica que a medida terá efeito garantido sobre o preço pela energia, mas não necessariamente sobre o preço dos combustíveis.

Lagemann alerta para riscos que o projeto apresenta ao se pensar no futuro. FOTO: Arquivo Pessoal

Segundo o economista, o cidadão tem ganhos diretos no seu poder aquisitivo quando há redução de tributos em setores econômicos onde os preços são administrados, que é o caso da energia elétrica. No entanto, nos setores econômicos onde os preços são livres essa certeza desaparece. Isso porque as empresas podem optar por absorver fatia do valor a ser reduzido do ICMS, aumentando assim a sua margem de lucro.

Quanto aos impactos de arrecadação para Estados e Municípios, Lagemann, que atuou 30 anos como fiscal de ICMS, diz que é certo: redução na receita. “Estão mexendo naquilo que é mais importante da receita dentro do ICMS”, resume. “No fundo, se tu olhares bem, uma medida dessas tem um peso de uma reforma tributária porque tem um efeito econômico e financeiro muito forte. Isso desestrutura os Estados”, reforça. Segundo Eugênio, se o projeto for sancionado como está, uma opção aos Estados seria buscar uma arrecadação compensatória de receita em outros produtos.

Problema conjuntural x problema estrutural
Na avaliação do economista Eugênio Lagemann, há um grande problema no projeto que está sendo analisado no Congresso Nacional: ele busca uma solução estrutural para um tema conjuntural. Ou seja, a atual alta nos valores dos combustíveis, por exemplo, se dá por um conjunto de fatores, como a alta do valor do petróleo por conta da guerra na Ucrânia, e sua contenção deveria se dar por uma medida que atendesse aos fatores do momento, sem grandes impactos para o futuro.

“Os Estados, de certa forma, estão, hoje, em condições de sofrerem uma redução conjuntural dessa receita. Mas o projeto que está no Congresso não faz só um ajuste conjuntural. Eles querem mexer na estrutura desses três produtos. Significa que essa perda (de arrecadação de ICMS) vai ser contínua. E esse é o problema”, detalha o professor doutor. Ele reforça que o primeiro passo para enfrentar a situação vivida no país deveria ser justamente identificar se o que temos é um problema estrutural ou conjuntural e, a partir daí, dar uma solução adequada à situação. “E não aproveitar uma situação conjuntural para criar um problema estrutural”, enfatiza.

Lagemann aponta, ainda, que a mudança que está sendo proposta não dá uma resposta de como os Estados e Municípios poderão se reequilibrar financeiramente a essa perda de arrecadação. Ele observa que o projeto, no que concerne as perdas de receitas de Estados, prevê a compensação do Governo Federal até o dia 31 de dezembro de 2022 – algo conjuntural –, mas não há previsão de compensação para o futuro – algo estrutural. “No futuro, ano que vem, aí está: terminou a guerra e os preços dos combustíveis caem. O que vai acontecer com a arrecadação dos Estados e Municípios? Elas caem ainda mais porque, agora, a alíquota não é mais 25%, não tem mais como recuperar”, comenta.

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