Seu lixo me serve. Voluntários ajudam a forrar casas para dar melhores condições de moradia a quem precisa de ajuda
Presentes em quase todos os lares e normalmente descartadas como lixo inútil, caixinhas de leite e de suco estão fazendo a diferença em São Sebastião do Caí. Através do projeto Seu lixo me serve, casas de famílias carentes estão sendo forradas com o material, que serve como isolante térmico.
A diferença é tanta que bastou apenas uma noite para a família de Tatiane Fonseca Portela, 35 anos, notar a mudança. “Antes não tinha nada de revestimento, entrava bastante vento. Agora ficou bem mais quentinho”, garante a auxiliar de confeiteiro. “A gente fechava a porta de noite, mas era frio igual porque entrava (vento) pelos buracos. Tinha bastante fresta na parede”, recorda.
Ao lado do marido e filhos, Tatiane mora na localidade de Várzea da Vila Rica, área inundável pelo Rio Caí. Além de cobrir as paredes da casa simples, as embalagens também estão no forro do cômodo que serve de quarto para a família. “Nunca passou pela minha cabeça que caixinhas de leite poderiam fazer uma diferença tão grande”, afirma Tatiane.
Criadora do projeto, Lerenice da Câmara Nunes Klein, 49 anos, conta que outras quatro casas de famílias carentes de São Sebastião do Caí já receberam o revestimento térmico e outras cinco esperam pelo momento em que suas moradias receberão os voluntários que instalam as chapas feitas com caixas de leite. O contato entre Tatiane e Lerenice se deu através de uma amiga em comum, mas algumas famílias também são identificadas com o auxílio das agentes comunitárias de saúde da cidade.
Para montar as chapas que irão revestir as casas, Lerenice conta com o apoio de cerca de 15 voluntárias que se reúnem todas as terças-feiras em sua casa. Lá, elas lavam o material, o separam por cor e o recortam no tamanho certo antes de montarem as chapas, unindo-as com colas e grampos. Para instalar o revestimento térmico nas casas, elas contam com o apoio do grupo de escoteiros de São Sebastião do Caí e outros voluntários. Segundo Lerenice, são necessárias cerca de 1.200 caixinhas para revestir uma residência.
Ainda com alguns limites em sua estrutura, as voluntárias não possuem meios de buscar caixinhas nas casas das pessoas que as possuem, mas quem quiser realizar doações pode entrar em contato pelo número 9 9722-2940 ou pela página no Facebook do Seu lixo me serve. “Temos vários endereços onde podemos receber”, destaca Lerenice. A voluntária pede que as caixinhas sejam limpas antes de doadas. Inclusive, um vídeo na página do projeto ensina a forma certa de fazer isso.
Professora aposentada de Lajeado foi inspiração
Há quatro anos, Lerenice acompanhou pela televisão uma reportagem sobre uma professora aposentada de Lajeado que passou a ocupar seu tempo fazendo o revestimento térmico de casas com caixas de leite. A manicure gostou da ideia, mas não tinha condições de aplicá-la no momento. “Tudo tem sua hora”, garante. Assim, três anos depois, ela se mudou para uma nova casa e passou a cuidar da mãe.
“Eu e meu marido não consumimos leite, só que minha mãe consome muito e as caixinhas começaram a me incomodar”, conta. Assim, ela fez um teste e pediu mais caixinhas da família para ver o espaço que elas ocupariam após abertas e limpas. “Num mês, eu tinha mais de 150 caixinhas e eu estava guardando na minha churrasqueira”, recorda.
Assim, no final do ano passado, ela divulgou ainda mais sua procura por caixas de leite e suco e, em abril deste ano, passou a efetivamente tocar o projeto com a primeira casa recebendo o revestimento. Em poucos meses, a rede de solidariedade cresceu. Já foram recebidas doações de pessoas vindas de Porto Alegre, Novo Hamburgo, Ivoti e cidades do Vale do Caí.
Sobre o nome do projeto, Lerenice diz que a ideia é fazer com que as pessoas pensem antes de descartar algo. “Tem muita coisa que a gente põe no lixo e que pode ser reutilizada. Será que o que eu estou colocando no lixo não serve para alguém?”, sugere a coordenadora.
Voluntária já passou por situação parecida
Uma das pessoas que ajudam a preparar as caixinhas que irão garantir proteção contra o frio para famílias que possuem residências humildes é Mara Teresinha da Silva, 66 anos. Aposentada, ela ajuda no recorte das embalagens, em sua lavagem e também na hora da instalação das chapas ao fazer os arremates. Mara conta que começou a ajudar no projeto levando caixinhas que tinha em casa e, depois de um convite de Lerenice, resolveu entrar de vez no voluntariado. “É maravilhoso”, afirma.
A aposentada aponta que o trabalho social voluntário não requer muito esforço e dá a oportunidade de convivência. “É até bom para o estresse.”. Outra vantagem é que Mara pode ajudar pessoas a superarem uma situação pela qual ela já passou. “Minha primeira casa tinha frestas também, o ventinho era de cortar a orelha”, recorda.
Poder ajudar os necessitados faz com que a aposentada se sinta bem. Para ela, a alegria dos que recebem ajuda do projeto é perceptível. “O olhar deles modifica quando a gente chega. A gente vê um brilho a mais nos olhos deles”, afirma.
Terapia contra a depressão
Pela insistência da irmã Lerenice, Leonice Hentz, a Nice, 63 anos, acabou indo participar das atividades. Mais quieta, prefere ficar no trabalho de separação das caixinhas, que são divididas de acordo com a marca e a cor. “Eu estava em depressão e ela queria me tirar de casa. Eu fui e adorei.
Agora estou todas as terças de tarde ajudando”, conta. Nice se diz 100% melhor e sua médica aprovou a “terapia”. “Pra mim, foi maravilhoso (começar o voluntariado)”, afirma. Hoje, Nice incentiva conhecidos a fazerem trabalho voluntário e ajudarem outras pessoas. Esse incentivo parte de uma conhecida frase que ela comprovou na prática: fazer o bem faz bem.