Primeira versão do projeto de incentivo à preservação é de 2012, mas andamento é barrado pela falta de interesse
Quem acompanha a política local já deve ter ouvido falar da tal “lista do patrimônio histórico”. O documento é uma relação dos prédios antigos com interesse histórico que ainda existem na cidade. As edificações não chegam a ser tombadas como patrimônio, mas existe um decreto, desde 2012, que as protege de intervenções que possam reduzir ou eliminar seus traços históricos.
O dispositivo, no entanto, não é respeitado por todos e por isso buscou-se projetar uma lei que prevê benefícios e sanções para os donos destes prédios, já desde 2012, forçando a preservação. A proposta está completando seis anos, mas, de acordo com a Procuradoria Geral do Município (PGM), deve ser encaminhada para votação na Câmara em breve, encerrando a espera.
O tema gera discussões. É a Prefeitura, com duas servidoras que compõe uma “Comissão Inventariante”, que mantém e, idealmente, atualiza essa lista dos prédios. Uma arquiteta e uma historiadora fazem o levantamento pela cidade e, no documento, realizam o registro fotográfico, descrevem as características da edificação que as torna “de interesse histórico”, colocam o endereço e demais dados.
“Há entraves burocráticos e de liberação de horários para que isso aconteça na prática”, ressalta o presidente do Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico, Mauro Henrique Kray. “A lista deveria ser seguidamente atualizada, mas não é. Muitos prédios da lista já foram levados ao chão e outros, que talvez deveriam fazer parte, não estão ainda.”
Na relação que se encontra na Prefeitura, existem mais de 160 edificações. O documento indica que a ultima atualização data de 2012 – quando foi feito o decreto e iniciadas as tratativas para a lei – mas a Administração Municipal garante que uma atualização foi realizada sem que o campo “data” tenha sido corrigido na lista. Por um mês, a reportagem aguardou retorno da Comissão Inventariante da Prefeitura para falar da falta de atenção à lista, mas não houve posicionamento.
Para os listados, cabe ao Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico – entidade formada por voluntários preocupados com a manutenção da história e que não tem ligação política –, de acordo com o decreto existente, ser consultado quando os proprietários pedirem aval da Prefeitura para qualquer reforma ou modificação. O Movimento, em tese, protege o prédio da perda de suas características históricas. Mas, sem lei, hoje, a consultoria nem sempre é respeitada.
Projeto de lei vai propor compensações aos proprietários
O Movimento de Preservação do Patrimônio reconhece que muitos dos proprietários dos prédios da lista se sentem penalizados pelas regras que lhes são impostas. Por isso, o projeto de lei prevê incentivos a eles. O principal, de acordo com a entidade, seria uma isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Na outra ponta, devem ser previstas multas e outras penalidades para quem não respeita a preservação.
A lei foi projetada pelo próprio Movimento, em 2012, tendo passado pela PGM e já ido para a Câmara no mandato de Percival de Oliveira. Quando Paulo Azeredo assumiu, em 2013, ele retirou o texto do Legislativo, alegando que eram necessárias adequações. O vai e volta levou anos e, em 2018 – com toda a bagagem do processo original – o Movimento encaminhou um novo projeto, o que está para ser enviado para votação pelos vereadores.
“Nas trocas de prefeito cada um tem uma vontade, cada um tem um amigo envolvido que é dono de um prédio da lista e, infelizmente, as relações de interesse público e privado se cruzam às vezes”, lamenta Letícia Kauer, integrante do Movimento. “Atualmente, estamos esperançosos. O Prefeito Kadu, desde que assumiu, sempre se mostrou muito aberto.”
Recentemente, o projeto de lei foi devolvido ao grupo para alguns ajustes apontados pela PGM. “Isso deve ser resolvido em breve e, logo após, o texto será enviado ao Legislativo para trâmite legal”, posicionou-se a Procuradoria da Prefeitura, via Assessoria de Comunicação. Passando pelos vereadores, a lei é sancionada pelo prefeito e as regras passam a valer com maior rigidez.
Falta de definição legal gera polêmicas a cada demolição
A proteção dos prédios da lista apenas com o decreto de 2012 já gerou diversas polêmicas. “Várias vezes o Movimento de Preservação do Patrimônio teve confrontos diretos com proprietários para preservar alguns bens”, conta a integrante da entidade Letícia Kauer.
Ela não pode listar situações específicas, mas o caso da demolição do prédio histórico onde funcionava a Livraria Intelectual, na Rua Ramiro Barcelos – e que repercutiu em toda a cidade – é exemplo da falta de um maior controle. Na época, a Prefeitura emitiu o alvará para a intervenção alegando que o prédio não existia na lista.
Foi constatado, por fim, que ele estava listado no documento, mas que existiam quatro versões diferentes da relação. O Movimento frisa que existe apenas uma lista oficial. De uma forma ou de outra, a edificação, onde uma vez funcionou o antigo Armazém Licks e que testemunhou a história da cidade, foi ao chão.
Mas há os dois lados. A falta de uma legislação detalhada também impõe certos riscos. Há alguns anos, quando vereador, Gustavo Zanatta relatou na Câmara a situação de uma edificação em mau estado, com possibilidade de desabar e até com laudo dos bombeiros atestando o seu risco, mas cujo proprietário não conseguia autorização para demolição junto à Prefeitura pela presença do prédio na lista. Na ocasião, o político pedia bom senso.
Presidente do Movimento, Mauro Henrique Kray salienta que o grupo tem abertura para o diálogo com proprietários de prédios e afirma que é necessário o reconhecimento de que um bem histórico tem um valor que não pode ser contabilizado. “Há uma incompreensão dos proprietários de que o Movimento só diz ‘não’. Nosso desejo é trabalhar em parceria para que se chegue a um entendimento”, coloca.
Só com o decreto, também são necessárias maiores definições. Apesar de o grupo afirmar que todos os donos das edificações listadas foram notificados da entrada do imóvel na relação, alguns proprietários afirmam que não têm conhecimento disso. Juliano Mottin, por exemplo – que tem os prédios das duas unidades de sua farmácia listados como históricos – conta que nem sabia da situação. Apenas imaginava, pelas características das edificações.
O prédio da farmácia do Centro é de meados de 1952 e, segundo ele, o da Timbaúva é mais antigo ainda. “Nunca recebi nenhuma orientação em relação a isso. Eu bem gostaria de uma organização com os direitos e os deveres de um proprietário de um prédio desses e saber o que está nessa lista”, aponta.