Pesca de piranha no Rio Caí preocupa pescadores e ambientalistas

Peixe carnívoro pode afetar ecossistema local e trazer prejuízos para a pesca

O que era pra ser uma tarde tranquila de pescaria acabou se tornando motivo de apreensão para Ivandra Luísa da Silva, 44, e o marido Anilson Gonçalves, 41. O casal se surpreendeu com a pesca de uma piranha amarela, conhecida como palometa, no Rio Caí, em Pareci Novo.

Moradores de Montenegro, Ivandra e Anilson são pescadores há vários anos, mas nunca tinham ouvido falar da pesca de uma piranha na região. “Meu esposo sempre pesca e ultimamente eu estou indo com ele. A gente pescou no domingo (26 de março) e fomos de novo na quarta, 30, foi quando não estava dando peixe. De repente, eu fui puxar a minha vara e veio uma piranha. Eu, como não conhecia, achei que era um peixe qualquer, aí o meu marido que percebeu que era uma piranha”, conta Ivandra.

Chegando em casa, eles foram pesquisar a respeito, pois até então não tinham conhecimento da existência da espécie no Rio Caí. A surpresa foi quando descobriram que a piranha não habita a região e que pode trazer impactos negativos para o ecossistema local. “Nós mandamos as mensagens para alguns amigos que pescam no Rio também, mas de começo ninguém estava acreditando. O pessoal só acreditou depois que viu as fotos ”, relata Ivandra.

Ivandra e Anilson realizaram a pesca do peixe carnívoro no dia 30 de março. FOTOS: arquivo pessoal

A preocupação dos pescadores é que com os impactos que a presença do peixe pode causar a outras espécies da região, assim como para banhistas. “Essa piranha é carnívora, e tem um monte de gente que toma banho no Rio. Em outros lugares, o relato é que ela está comendo todos os peixes. Tem só um peixe que ela não come, que é o dourado. Também pesquisamos e vimos que teve acidentes com banhistas. Isso é o que preocupa”, afirma Ivandra.

Apesar de ser um dos primeiros registros da piranha no Rio Caí e ainda não se saber se já há uma quantidade maior da espécie na região, Ivandra diz já ter notado a diminuição de peixes no local, em Pareci Novo. “Essa semana, a gente esteve de novo no mesmo lugar e não deu peixe, diminuiu bastante. Isso pode já ser em razão da presença das piranhas ali”, acredita.

Espécie nativa do Rio Uruguai afeta ecossistema local
Diretor do Instituto de Meio Ambiente da PUCRS, o biólogo Nelson Ferreira Fontoura, 59, aponta que a espécie pescada no Rio Caí trata-se da piranha amarela, também chamada de palometa. Conforme Nelson, o peixe é nativo da bacia do Rio Uruguai, mas há alguns anos começou a aparecer na região. “Essa e outras espécies, como a corvina de rio e o peixe cachorro, se estabeleceram na bacia do Rio Jacuí e hoje já são extremamente abundantes”.

A principal hipótese, segundo o biólogo, é que essas espécies, nativas da bacia do Rio Uruguai, tenham ingressado em afluentes do Rio Jacuí na região de Santa Maria, através de canais de irrigação de produtores de arroz. “Na região de Santa Maria existe um local onde as cabeceiras do rio Vacacaí, que drena para o Jacuí, se aproximas das cabeceiras de afluentes do Rio Ibicuí, que drena para o Rio Uruguai. Essa é uma região em que existe plantação de arroz, então o produtor rural às vezes está bombeando água de um lado e soltando do outro”, ressalta Fontoura. Por conta desse despejo da água de um lado para o outro das bacias, o biólogo aponta que já havia uma expectativa de que mais cedo ou mais tarde a piranha poderia ingressar na bacia do Jacuí. “Essa espécie estando no Jacuí vai estar em todos os rios que deságuam no Guaíba. Agora apareceu no Caí, mas daqui a pouco vai estar no Sinos e no Gavataí, porque não existe uma barreira física que impeça a colonização de novos rios, na medida que os rios têm comunicação direta com as água”, destaca Fontoura.

O biólogo aponta que a entrada da espécie na região certamente irá impactar o ecossistema local e pode, inclusive, provocar a diminuição de outras espécies de peixes. “Quando tu tens uma comunidade estabelecida de espécies ao longo de milênios, se estabelece uma relação de equilíbrio entre os predadores de topo de cadeia. Mas toda a vez que entra um elemento novo, esse equilíbrio é rompido”, diz Fontoura. O principal problema, conforme o biólogo, é que a piranha é um predador importante e não se sabe com será a reprodução dela na região. “Para os pescadores vai ter um prejuízo muito grande, porque além de poder causar uma diminuição da quantidade de peixes, os pescadores terão que revisar as redes com muito mais frequência. Se a rede ficar por muito tempo dentro da água, a piranha vai ir lá e vai comer os peixes que estão na rede”, aponta. Outro impacto negativo que pode acontecer são acidentes com banhistas. Isso tende a acontecer principalmente no período de Verão, quando a piranha frequenta locais mais tranquilos para se reproduzir. “A piranha não tem capacidade de devorar uma pessoa, como mostram alguns filmes, mas ela pode provocar um machucado”, diz Fontoura.

A principal questão a ser observada, conforme o biólogo, é como a espécie vai se comportar daqui pra frente na região. “Em alguns casos, após a introdução, existe um crescimento quase que explosivo. Foi o caso, por exemplo, do mexilhão dourado, há 20 anos atrás. Então após a introdução, a piranha deve aumentando gradativamente a sua abundância. Mas se a partir desse momento a espécie vai ter um super crescimento populacional ou vai ficar com uma baixa densidade, ainda é cedo para dizer”, destaca.

Situação no Jacuí pode servir de alerta
O biólogo Uwe Schulz, professor do programa de pós-graduação da Unisinos, participa de um grupo que monitora a invasão das palometas nos rios da região. De acordo com o professor, o que se observa é uma velocidade enorme de expansão no Rio Jacuí, onde a espécie ingressou.

Schulz relata que também já foram capturadas as primeiras piranhas no Rio dos Sinos e é uma questão de tempo para que ela chegue nas partes mais superiores dos rios. “É uma espécie altamente predadora, mas como ela chegou recentemente, a gente ainda não sabe quais serão os impactos. É muito claro que ela vai comer outros peixes, mas quais, ainda a gente não sabe”, diz. Para o professor, é impossível retirar uma espécie invasora e que já está se reproduzindo. Então, o papel dos pesquisadores agora é monitorar as águas para saber se em algum momento vai haver um equilíbrio dentro na comunidade já existente.

Últimas Notícias

Destaques