Penitenciária Modulada de Montenegro quer ser modelo para o Estado

HUMANIZAÇÃO. Educar para ressocializar é a meta da instituição

O conceito de prestação de serviço humanizado está ganhando mais espaço na Penitenciária Modulada Estadual Agente Jair Fiorin de Montenegro (PMM). Através do Modelo de Gerenciamento Sustentável para o Sistema Prisional, idealizado e formatado pela direção e servidores da casa prisional, os detentos do regime fechado têm melhor aproveitamento de tempo e de suas habilidades. A iniciativa quer quebrar paradigmas, através de ações que envolvem temas como meio ambiente; sustentabilidade; economicidade na gestão pública e mudança cultural. Tudo para que, após pagar sua dívida com a Justiça, o ex-detento possa voltar ao convívio social e dar continuidade a sua vida.

O idealizador do projeto é Edson Neves, atual diretor da PMM. A ideia de criar um modelo de gestão, preocupado não só com o período de permanência do preso no sistema prisional, surgiu ao longo da trajetória profissional do diretor. Edson assumiu o cargo de chefia da PMM em julho de 2020, mas sua relação com a casa prisional é antiga. Ele teve duas passagens como chefe de segurança da penitenciária, num total de 10 anos de serviços prestados, também foi policial penal, supervisor de módulo e possui uma bagagem de experiências conquistadas nos 15 estabelecimentos penais onde já atuou.

“Estamos implantando um novo processo de gestão na penitenciária. É um projeto que visa a descentralização das atividades, a desburocratização dos serviços, a sustentabilidade e a economicidade. O projeto é sustentado por quatro pilares: trabalho prisional; educação prisional; tratamento penal e assistência religiosa”, explica Edson.

Para o diretor, é preciso mudar o pensamento que algumas pessoas têm sobre os apenados. “Alguns acham que se a pessoa cometeu algo errado deve ser atirada dentro de uma penitenciária para cumprir sua pena. Se somente isso for feito, ela vai voltar para sociedade em uma condição mais precária de quando entrou no sistema prisional”, justifica Edson.

Edson Neves assumiu a administração da Penitenciária de Montenegro em julho de 2020

Mãos à obra: projeto em fase de implementação
O trabalho prisional, que já ocorria em outras gestões, está em processo de ampliação. A reciclagem, o tratamento penal e as ações religiosas também são realidade na casa prisional. Demais iniciativas, como o plantio de hortas, por exemplo, aguardam alguns tramites para serem colocados em prática.

Neste primeiro momento, direção e setor técnico da PMM – representados, além de Edson, pelo diretor adjunto, Bragagnolo, pela psicóloga Rosane Lucena, e pelos agentes penitenciários Marlo Carbonel e Anderson da Silva – trabalham juntos para que, em um futuro próximo, possa ser formado um conselho de gestão o qual, em conjunto com servidores, dará continuidade às ações.“É um projeto para ser aplicado a médio e longo prazo. Não teríamos tempo suficiente para escrevê-lo e aplicá-lo. Começamos paralelamente fazendo as duas etapas, aplicando e formatando ele ”, conta Edson.

Os pães são enviados para venda externa em Montenegro

Aprendizado para além da pena
Atualmente cerca de 500 dos 1.774 apenados da PMM realizam algum tipo de atividade, remunerada ou voluntária. Os serviços de manutenção da penitenciária são realizados pelos próprios detentos, acompanhados pela supervisão de policiais penais.

Diariamente, na cozinha 19 homens trabalham, divididos em turnos, para preparar mais de 3.600 refeições, mais o café da manhã. A prisão também conta com uma padaria, que fornece pães para todos os apenados.

O trabalho de marcenaria ocupa o tempo daqueles que optaram a se dedicar a confeccionar e restaurar móveis. Conforme o diretor adjunto, Bragagnolo, além de fabricar camas, que são enviadas para penitenciárias em todo o Estado, quando solicitado, os detentos consertam mobílias. “Qualquer órgão público que vier aqui solicitar algo, se tivermos condições, a gente atende”, revela o adjunto.

Quase 4 mil refeições são preparadas na cozinha da casa prisional

Trabalho como forma de reintegração social
Por meio de Protocolo de Ação Conjunta (PAC), 14 homens trabalham na fabricação de bolas para uma empresa da região. O Projeto Tecendo Possibilidade emprega outros 25 indivíduos que costuram peças para vestuário como bombachas e uniformes para detentos de outras cadeias gaúchas.

“A nossa tentativa é desenvolver trabalhos para que quando o apenado saia daqui não tenha necessidade de ficar em um local sofrendo preconceito. Queremos que ele possa trabalhar em casa até começar a se inserir na sociedade, gradativamente”, diz Bragagnolo.

25 detentos costuram peças para vestuário, outros 14 fabricam bolas

“A costura, por exemplo, é algo que quando o apenado sai daqui pode investir de forma autônoma e colocar mais pessoas da família para trabalhar com ele”, acrescenta a assistente social Ana Caroline Ferreira.

O trabalhador tem hora para entrar e para sair, cumprindo a carga horária prevista em seu contrato. Além disso, se dedicar a uma atividade diminui o tempo real de permanência na “casa”. A remissão de pena possibilita reduzir um dia de detenção a cada três trabalhados.

Mais conhecimento e trabalho
Ainda este ano, através do Projeto de Capacitação (Procap), os detentos serão instruídos a como colocar em prática o plantio de uma horta ecológica (assim chamada por não utilizar aditivos agrícolas). Eles terão aulas teóricas e ao final do curso receberão certificado do Senac. Um grupo de 40 homens será escolhido para trabalhar na horta, o que irá aumentar o número de apenados em atividade na casa de detenção.

“A ideia é trazer para os apenados uma possibilidade de alimentação mais saudável. Além do auto-sustento da penitenciária, queremos enviar produtos para escolas, entidades e para as famílias dos apenados. A ideia é levar o que acontece de positivo, aqui dentro, lá para fora, para que as pessoas consigam entender o que é feito aqui”, comenta a assistente social Débora Rodrigues. “O preso poderá vender as verduras, parte do valor fica com ele, outra vai para a família e o restante para manutenção do projeto”, acrescenta. A instituição também possui espaço reservado para cultivo no sistema de hidroponia.

“Com a pandemia algumas coisas ficaram trancadas, mas, a partir desse segundo semestre os projetos vão passar a acontecer. Os planejamentos já foram feitos, os projetos já foram inscritos, agora é só deixar o fluxo acontecer”, diz a assistente social Ana Caroline Ferreira.

A casa penal também busca parceiros interessados em ministrar oficinas e cursos de artesanato e outros. Interessados em colaborar podem entrar em contato com o setor técnico através dos números 51 3649 9225 ou 3649 9241. “Não vejo o sistema penitenciário funcionando sem a participação da sociedade civil organizada e dos outros entes, poder municipal, organizações não governamentais, e é isso que a gente vem procurando fazer. Parcerias para fortalecer esse vínculo”, justifica o diretor Edson Neves.

Educar para transformar
A direção da Penitenciária Modulada espera, em breve, ofertar mais conhecimento aos apenados através do Núcleo de Educação que começará a funcionar no local. A inauguração estava prevista para ocorrer no ano passado, mas em razão da pandemia não foi possível. A “escola” como é chamada também levará novas experiências para casas prisionais de Taquara, Novo Hamburgo e para o Instituto Penal de Montenegro.

A assistente social Ana Caroline Ferreira destaca o desejo dos detentos por estudar. “Eles fizeram abaixo assinado para pedir a escola. Esse ano são quase 300 inscritos para fazer o Encceja PPL”, sublinha.

A leitura também tem “aberto portas” no imaginário de quem sonha com uma vida melhor. No momento, a remissão por leitura está suspensa, mas, a biblioteca composta por mais de 3 mil títulos de ficção possibilita acesso a “outros locais”. Um detento executa a função de facilitador de leitura. A cada mês é encaminhada uma caixa com cerca de 50 livros para cada galeria.

Tratamento penal
O projeto de humanização na casa penal engloba atendimento social e de saúde mental. A prestação desse tipo de serviço é ofertada também às famílias. “O setor técnico mantém parcerias públicas com o serviço de assistência social e saúde para fazer esse acompanhamento”, explica a assistente social Ana Caroline Ferreira.

Ana salienta ainda que também se passa a ter um olhar diferenciado para os servidores da instituição, para que quando preciso, seja prestado o devido apoio. “A gente sabe das deficiências que o Estado tem. Nós acessamos os presos, mas em algum momento vamos embora pra casa, os agentes, em geral, ficam a quinzena aqui, dormem aqui…”

Fortalecimento religioso
Igrejas que já prestavam ajuda material agora também oferecem conforto espiritual para o apenado que se dispõe a aceitar. “Para eles é muito difícil estar aqui, a religião acaba dando uma força pra suportarem”, defende o diretor adjunto, Bragagnolo.

Antes da pandemia eram realizados cultos com a presença de representantes das igrejas, agora os próprios detentos organizam as reuniões. “É ofertado para todos os apenados, ninguém é forçado a participar. Cada um escolhe seu segmento religioso”, pondera o diretor adjunto.

As igrejas Católica, Universal e Assembleia de Deus são as mais presentes, mas, pós pandemia, a intenção é diversificar a oferta de crenças na casa prisional.

Ambiente mais limpo e sustentável
A separação de resíduos faz parte da nova fase na Penitenciária. Aos poucos, os detentos aprendem a importância da ação para o meio-ambiente e para o sustento de suas famílias.

Um galpão foi erguido para que o processo de separação de materiais ocorra de forma adequada e limpa. As caixas de leite, por exemplo, que antes eram jogadas fora, sem qualquer cuidado, agora são lavadas, cortadas e vendidas para reciclagem. Parte do valor recebido é destinada às famílias dos detentos, eles também têm a possibilidade de ficar com parte da renda.

O galpão de reciclagem vai ganhar mesas para separação de objetos

Atualmente, uma estação de tratamento de esgoto está em fase de implantação na PMM. Enquanto não é finalizada, o esgoto é recolhido e transportado através de caminhões até uma estação de recolhimento da região metropolitana de Porto Alegre. Mesmo tendo muito trabalho pela frente, o diretor da casa prisional mostra-se otimista.

“A gente vai ter processo de reciclagem, painéis solares e utilização da água da chuva. É algo que não vai ser da noite para o dia, mas, é a primeira vez que um grupo de profissionais do serviço penitenciário se preocupou em escrever um projeto e tentar aplicá-lo”, avalia Edson.

Regularização de documentos
Outra demanda que tem sido trabalhada na penitenciária é a regularização de documentos dos apenados. “Para conseguir a reinserção, é preciso devolver essas pessoas para a sociedade com documentos. Muitos nunca tiveram, outros perderam. Ter documentos é uma questão de dignidade”, considera o diretor ajunto Bragagnolo.

Para a assistente social Ana Ferreira, Registro Geral (RG) e Cadastro de Pessoa Física (CPF) são fundamentais, pois só com eles, os apenados têm acesso a atendimentos especializados em Saúde e também à carta de emprego (encaminhamento a empresas). “A dificuldade para conseguir emprego pode levá-los a cometer novo delito. A documentação facilita a vida deles, aqui dentro para participar dos Programas (Pac), e lá fora”, diz Ana.

Atualmente a penitenciária conta com um posto do IGP em suas instalações, o que possibilita aos presos solicitar a carteira de identidade lá mesmo. “A gente tinha muita dificuldade em conseguir fazer as identidades. Com isso conseguimos economia para o Estado, por que tínhamos que levar o preso ao Centro de Montenegro, eram dois por semana, deslocávamos servidores, escolta…”, explica Bragagnolo. “Essa estação do IGP não estava em uso, estava parada, pois não tinha funcionário para operá-la. Não tiramos ela da sociedade, trouxemos para cá emprestada, aqui temos dois dos nossos servidores estão capacitados para operá-la. Vamos devolver quando for solicitado”, pontua.

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