Construção da fé. De uma pequena capela de tábuas à Catedral da Diocese
Se antigamente era tudo a luz do lampião, a pequena capelinha de tábuas localizada no alto do morro se adaptou e transformou ao longo dos anos. Considerada o centro da fé para uma pequena vila de 7 mil pessoas, nesta quarta-feira, 28 de abril a Paróquia São João Batista completa 150 anos de existência, com 14 comunidades, 4 lares de idosos atendidos, 29 movimentos e pastorais, e claro, muita fé e amor.
Para celebrar essa data, uma missa em ação de graças será realizada hoje, às 20 horas, na igreja, com transmissão ao vivo pela página no Facebook “Paróquia Catedral São João Batista – Montenegro/RS”. Devido à pandemia da Covid-19, o momento histórico será reduzido, com a participação de representantes das capelas e movimentos que compõem a paróquia e presidida pelo bispo da Diocese de Montenegro, Dom Carlos Romulo Gonçalves e Silva. Para mais informações basta ligar para a secretaria paroquial pelo número 36321196. A celebração também terá momentos em que será lembrado um pouco da história da Paróquia.
Através de livros tombo – onde o pároco anota acontecimentos importantes da igreja e da cidade –, e documentos históricos, é possível conhecer um pouco dessa comunidade que tem como padroeiro São João Batista, primeiro mártir da Igreja, e o último dos profetas. Segundo o pesquisador e montenegrino Mauro Henrique Kray, foi através da doação de terras de Tristão Fagundes que tudo teve início. “A primeira coisa que ele fez foi demarcar uma área de terras no lugar mais alto do povoado em formação e doar para ser construída uma capelinha. Isso em 1851”, conta. A pequena capela de tábuas foi erguida por moradores locais, no terreno do outro lado da rua da atual igreja, mais ou menos onde hoje é a pracinha, mas ainda ligada à Paróquia de Triunfo.
Em 1866 Dom Sebastião Dias Laranjeira, segundo bispo da diocese do Rio Grande do Sul, trouxe a imagem de São João Batista como padroeiro dessa capela, mas foi no dia 28 de abril de 1871 que o bispo criou oficialmente a Paróquia São João Batista, e a desmembrou da paróquia do Bom Jesus, de Triunfo. Dois anos depois, em 5 de maio de 1873 foi criado o município São João do Montenegro.
Com a criação de uma paróquia havia necessidade de um padre residindo no local. Por falta de padres no clero diocesano, Dom Sebastião entregou aos cuidados dos padres jesuítas alemães a nova paróquia. O primeiro vigário (hoje seria o pároco) foi o Pe. Miguel Kellner, que ficou na Paróquia até 1880. Mauro relata que os padres jesuítas atenderam a Paróquia São João Batista por pouco mais de 23 anos. “Só em 1895 que os jesuítas entregaram a paróquia para o bispo novamente, e com isso ele mandou um padre diocesano, que são os que permanecem até hoje”, fala. O primeiro pároco então foi Pe. Bartolomeu Tiecher (que era tio-bisavô do bispo emérito de Montenegro, Dom Paulo Antônio De Conto).
Construção de uma nova igreja
Com o crescimento da população a necessidade de um novo templo era visível. Aos poucos, a antiga igreja de duas torres foi construída com a liderança do Padre Francisco Schleippen, segundo vigário da paróquia. A igreja foi solenemente inaugurada em 24 de junho de 1888. Em 1940 novamente o espaço era ínfimo para a quantidade de fiéis da paróquia. “Nas grandes festas como Natal e Páscoa as pessoas não conseguiam mais se acomodar dentro da Igreja por ela ser pequena, então se teve a ideia de dar início o projeto de uma nova igreja”, fala o pesquisador.
Projetada para ser bem maior que a antiga, a nova igreja começou a ser construída aos poucos no terreno onde está atualmente. Mauro cita que o padre que encaminhou o projeto de construção foi o pároco Pe. Alberto Träsel, e o arquiteto responsável foi Benedito Calixto Neto, que projetou também a Basílica de Nossa Senhora Aparecida em São Paulo.
Apesar do lançamento da sua pedra fundamental em 8 de dezembro de 1951, a inauguração oficial ocorreu somente em 12 de dezembro de 1965, com o pároco Pe. Bráulio Aloysio Weber, em uma missa inaugural que contou com a presença de Dom Vicente Scherer à época, arcebispo metropolitano de Porto Alegre.
Polêmica
Com apenas a nova igreja sendo utilizada surge a questão: o que fazer com a antiga? “Por três anos elas ficaram uma em frente à outra, até 1968. No meio do ano foi tomada a decisão de demolir o prédio mais velho. Mesmo na época, as pessoas que tinham noção de história ficaram horrorizadas”, descreve Mauro Kray.
O montenegrino explica que o pároco da época, Pe. Bráulio Aloysio Weber, em conjunto com a Administração Municipal, no qual o prefeito Ivo Bühler estava à frente, assinaram um acordo. A paróquia doa o terreno da igreja velha para o município, e em contrapartida o município desmancha a igreja toda sem custos e se compromete em construir uma praça com brinquedos infantis, além de asfaltar as ruas que contornavam a praça e a frente da igreja. E assim foi feito.
Adversidades
Ao longo dos 150 anos de Paróquia muitos foram os tipos de adversidades que a comunidade teve de enfrentar. Mauro conta que durante as duas guerras mundiais a igreja sofreu muito com o quesito comunicação. “O padre que ficou o mais longo período, Pe. Nicolau Knob, era nascido na Alemanha, então por ser a sua terra natal ele enfrentou dificuldades e até perseguições no período da 1° guerra, em que ele ainda era o pároco”, diz.
Na época as missas ainda eram rezadas em latim, e de acordo com o pesquisador os sermões (homilia) eram divididos em português e alemão, para que todos entendessem, já que grande parte da população falava a língua estrangeira. “Ele anotou diversos tópicos que as autoridades policiais o perseguiam muito, porque foi proibido falar o alemão. Ele chegou a prestar depoimento na delegacia, mas não o prenderam”, relata.
Na Segunda Guerra, segundo Mauro, a proibição de falar o alemão também ocorreu, e dessa vez de forma mais rigorosa. Já na ditadura militar o problema com os padres locais foi mais brando, já que dependia da ideologia do sacerdote.
Referência para a região
Servindo de referência para as cidades da região desde os seus primórdios, a igreja matriz São João Batista foi elevada à condição de Catedral no dia 6 de setembro de 2008 pelo Papa Bento XVI, com a criação da Diocese de Montenegro. Com isso, a Catedral, ou seja, igreja que abriga a cátedra do Bispo Diocesano é hoje referência para as 30 paróquias distribuídas nos 32 municípios que formam a Diocese.
Dom Paulo de Conto foi nomeado pelo Papa como primeiro bispo da Diocese de Montenegro, no qual ficou durante dez anos e está há três como emérito. “Eu estava antes em Criciúma, Santa Catarina, e vindo a Montenegro, tive uma recepção calorosa, todos entusiasmados por se sentirem agora como Diocese e tendo também o seu bispo. Realmente foi uma sensação muito vibrante, o povo feliz da vida, e com este povo tendo como centro a Catedral São João Batista eu pude também ajudar, animar e administrar todas as paróquias que faziam e fazem parte da Diocese de Montenegro”, descreve o bispo emérito, Dom Paulo De Conto.
Ele relembra que o padre Bartolomeu Tiecher, seu tio-bisavô, foi o primeiro padre Italiano da Diocese de Trento, na Itália, e veio para o Brasil com os seus pais e os seus irmãos acompanhando 700 imigrantes italianos. Pe. Bartolomeu se tornou pároco da Paróquia São João Batista, onde dezenas de anos depois ele serviu como referência também para a comunidade. “Eu tenho uma grata lembrança da família, que começou há 140 anos em Montenegro. Isso pra mim é marcante”, fala. Para Dom Paulo, também é marcante todos os padres que passaram, as comissões, os movimentos e pastorais que muito contribuíram para o que hoje é Montenegro.
Dom Paulo também recorda o seu momento de posse na Catedral. “Tinha uma multidão de povo, e eu dava um nome: ‘de hoje em diante a Diocese de Montenegro se chamará Diocese da Alegria’, foi um aplauso muito grande, e até hoje aquilo que partiu de dentro da Catedral espalhou-se, e o povo agora recorda e vive com alegria”. O bispo emérito segue residindo no Município e contribuindo com as necessidades da Diocese.
Revitalização
O ano de 2008 foi realmente de grandes mudanças positivas para a Paróquia Catedral São João Batista. No mesmo ano em que foi elevada à cátedra do Bispo Diocesano, teve início o projeto de revitalização da igreja. A data de previsão para o término da obra era 2021, no ano do sesquicentenário, mas devido à questão financeira agravada pela pandemia provavelmente não será possível.
Desde então, cerca de 80% da revitalização já foi concluída, mas ainda falta a troca dos bancos, a climatização, a adaptação do PPCI, sala de atendimento e um órgão eletrônico de tubos. Pároco da Paróquia desde 2016, o padre Diego Knecht acompanhou grande parte da obra, e relembra que a troca do piso, em 2019, foi a última grande etapa finalizada. “Toda a revitalização é fruto da generosidade e colaboração da comunidade, eu vejo que isso é um sinal de gratidão, e sinal de uma comunidade viva”, completa.
Bispo Diocesano de Montenegro, Dom Carlos Romulo Gonçalves e Silva, elogia o esforço de todos que estiveram à frente da Paróquia nos últimos anos, assim como a comunidade. “Também escutando os relatos de como foi pensado e executado este projeto, percebi o caminho acertado: um projeto bem pensado, e com uma execução por etapas, fazendo com que a execução das obras se tornasse um projeto em comunhão com a vida pastoral e de evangelização da Paróquia”, diz. Das 25 etapas, faltam somente cinco.
Os 150 anos
Por conta da pandemia da Covid-19, a grande festa que estava sendo programada para esta data teve de ser adaptada. Segundo o pároco, Pe. Diego Knecht, desde quando ficou à frente da Paróquia a comemoração nesta quarta-feira, 28, já estava nos planos. “A ‘cereja do bolo’ seria termos concluído a revitalização da Catedral. Seria esse o momento central, a nossa dedicação da Catedral, que ainda não foi feita como igreja nova”, explica.
Além disso, ele ressalta a ideia de fazer um ano de atividades, iniciando no mês de dezembro de 2020. “Isso nós estamos fazendo. Ano passado, por exemplo, a gente começou os eventos sociais com o galeto tradicional que marcou o início desse ano sesquicentenário”, fala. De acordo com ele, o mês foi escolhido devido à inauguração da igreja nova, ocorrido no dia 12.
Em junho, padre Diego aponta a pré-novena, em que a imagem de São João Batista visitará todas as comunidades, além da novena e celebração no dia do padroeiro, 24. “A ideia é que durante a novena a gente faça algo, como vender pastel, e no dia 24 também fazer uma promoção nesse sentido pra também angariar fundos para continuar as nossas obras”.
Ainda este ano será realizada a dedicação da Catedral, mas o pároco alega que há dúvida quanto à data. Um livro contando a história da Paróquia também está sendo elaborado pelos religiosos.
“A Paróquia é, para mim, uma bela família”
Em 2017, por ocasião do 75º aniversário de Dom Paulo de Conto, foi nomeado Dom Carlos Romulo Gonçalves e Silva o novo Bispo Diocesano de Montenegro. “Fui muito bem acolhido pelo povo de Montenegro e de todos os municípios que compõem a nossa Diocese. Ótima dos padres, dos religiosos, religiosas, e também por parte de Dom Paulo de Conto. Sempre me senti em casa aqui em Montenegro. A Paróquia São João Batista é, para mim, uma bela família. É a comunidade do dia-a-dia, onde sempre que possível, estou celebrando a Eucaristia”, descreve.
O bispo ressalta a sua acolhida no dia 9 de junho de 2017. “Uma noite muito fria, vivendo preocupação de uma enchente que estava acontecendo na cidade e na região, mas com uma calorosa recepção do povo da cidade e da Diocese”, declara.
Segundo Dom Carlos Romulo, a Paróquia São João Batista é referência para a história de Montenegro. “É testemunha da vida, das alegrias e sofrimentos de nosso povo. São João Batista, como padroeiro da Paróquia, acompanha a caminhada do nosso povo. […] A Paróquia São João Batista é para mim e para a Diocese de Montenegro um constante chamado à missão. Pensar no profeta bíblico, João Batista, é refletir sobre a missão de preparar um povo disposto para acolher Jesus Cristo e seu Evangelho. Assim como João Batista cumpriu sua missão, conforme lemos nos Evangelhos, hoje esta missão está em nossas mãos: somos também um povo que, pelo batismo, tem uma missão profética”, inteira.
O bispo destaca que hoje a comunidade possui os mesmos desafios que tiveram os pioneiros. “Devemos nos inspirar na fé, no ardor e na coragem, de todos os que nos precederam, para que hoje cumprir nossa missão e testemunhar com alegria o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo”. E Dom Carlos completa: “Parabéns Paróquia São João Batista! Parabéns Montenegro! Parabéns Diocese de Montenegro”.
“Tudo que eu sei e eu sou como padre eu devo à comunidade aqui de Montenegro”
A chegada do pároco Pe. Diego a Paróquia Catedral São João Batista ocorreu em 2014, quando foi nomeado padre auxiliar. Para ele, a sensação pode ser descrita como surpresa. “No início foi um susto, mas depois a gente vai conhecendo. […] Eu encontrei aqui uma comunidade acolhedora, participativa, que tem vários movimentos, pastorais e comunidades. Dentro desse processo sempre veio um padre comigo, então a gente nunca está sozinho”, descreve.
Em dois anos, o padre auxiliar se tornou o pároco. E Pe. Diego agradece a confiança que lhe foi dada. “Tudo que eu sei e eu sou como padre eu devo à comunidade aqui de Montenegro. […] Eu me sinto feliz e realizado, porque a gente consegue ver alguns frutos que a gente investe”, fala.
O padre destaca os serviços realizados na Paróquia como as reformulações na catequese, batismo, e crisma; a liturgia; a visita aos doentes; a caridade, etc. “São formas que faz com que a comunidade se torne dinâmica, e que ela vá se renovando também”, explica. Ele conta que hoje a maior necessidade é trabalhar na criação de um plano Paroquial de Pastoral, uma uniformidade a partir das diretrizes da CNBB e da Diocese, mas que todo o trabalho já feito é graças a todas as lideranças, comunidades e religiosos.
Adaptações durante a pandemia
Após passar por duas guerras, ditadura, dentre outros percalços, a comunidade da Paróquia São João Batista precisou se adaptar a outra realidade em 2020: a pandemia do novo coronavírus. Durante pouco mais de um mês, em 2020, a igreja ficou com as suas portas praticamente fechadas, e isso mexeu até com os religiosos. “Foi o momento mais triste pra mim, de uma hora pra outra tu está praticamente sozinho”, diz o pároco, Pe. Diego Knecht,.
Apesar de nunca terem deixado de celebrar a missa, novas adaptações foram necessárias. Aos poucos a igreja foi se renovando, e as celebrações passaram a ser transmitidas pelas redes sociais em alta qualidade de som e áudio. “É uma coisa que veio pra ficar e estamos já pensando em formas como isso se torne de fato sustentável também. […] Esse é um tempo de purificação e ressignificação”, completa.
“Ela é a casa de todos nós”
Além de um templo liderado por padres, a igreja é igreja devido aos fiéis. Coordenador do Conselho Pastoral da Paróquia São João Batista, Paulo César Smaniotto, e a sua esposa Lisi Smaniotto, vieram do município de Horizontina, em 2005, e desde então começaram a participar das celebrações da Paróquia. “A gente sempre ia à missa, e eu comentava com a minha esposa, eu gostaria de ajudar mais, mas a gente não tinha o caminho, não sabíamos como chegar”, conta.
Católicos, o casal atuava na coordenação de uma capela no seu município natal, e se viu perdido no início da sua caminhada em Montenegro. “Essa ponte para nós nos aproximarmos mais foi graças ao padre Nicolau (o pároco da época)”, diz Paulo. A partir de 2014, os dois começaram a ter mais proximidade com as pessoas, e a trabalhar em prol da comunidade.
Há três anos na coordenação da Paróquia, Paulo já foi também coordenador do Movimento de Cursilhos de Cristandade do Brasil (MCC), festeiro, etc. Ele relata que a partir do momento que começaram a atuar na comunidade, a mudança nas suas vidas foi extrema. “A gente tinha problemas financeiros, de relacionamento, antes disso, e depois que a gente começou a se aproximar, começou a entender melhor, a ter essa convivência com a comunidade e com os nossos sacerdotes a nossa vida mudou muito. Muda em todos os sentidos, porque você acaba vendo a Igreja de uma outra forma”, fala.
Paulo diz que principalmente após fazer o Cursilho o entendimento do que é uma igreja mudou, e hoje o casal tem um grande respeito pelo templo sagrado. “É um amor que a gente tem pela paróquia muito grande, a gente zela como se fosse a nossa casa, porque ela é a casa de Deus, então ela é a casa de todos nós. […] A igreja é de todos nós, e a nossa igreja é a casa de todos, ela está aberta para todos e por isso nós precisamos cuidar dela como se fosse a nossa casa”, completa.
Curiosidades
1. Pároco mais tempo: Pe. Nicolau Knob (1896 – 1917) 21 anos;
2. Pároco menos tempo: Dom Clemente José Weber (jan 2004 – jul 2004) 6 meses;
3. Vigários que se tornaram bispos: (2) Dom Jacó Hilgert e Dom Jacinto Bergmann;
4. Vigários que se tornaram párocos: (6) sendo 3 Jesuítas (Pe. Francisco Schleipen; Pe. André Eultgen; Pe. Carlos Teschauer) e 3 diocesanos; (Pe. Felipe Marx; Pe. Carlos Roberto Vicente; Pe. Diego Knecht);
5. 19 párocos; 4 Jesuítas e 15 Diocesanos;
6. 98 vigários paroquiais;
7. 8.974 casamentos;
8. 48.424 batizados;
9. Cronologicamente é a quinta paróquia mais antiga da diocese, ficando atrás de Triunfo, Taquari, Capela de Santana e São José do Hortêncio.