País se prepara para chegada do 5G, mas sinais de 4G e 3G seguem falhos

Também há problema no sinal de telefonia, principalmente na área rural

O Brasil vem avançando no mundo tecnológico com o leilão de quatro radiofrequências para a disponibilização da tecnologia de dados móveis 5G no país. Essa nova tecnologia, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), não trará apenas um incremento nas taxas de transmissão de dados, mas também na especificação de serviços que permitam o atendimento a diferentes aplicações. Um exemplo apresentado pela Anatel é o da tecnologia 4G, que introduziu diferentes modelos de negócios e a “Era dos Aplicativos”. “Os avanços que virão com o 5G devem ocorrer com o tempo, à medida que diferentes segmentos comerciais encontrarem soluções para atender às suas necessidades e às demandas das pessoas e dos negócios”, diz o órgão em seu site.

A 5G deve acelerar o avanço da Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) e providenciar conexões mais velozes e estáveis. No entanto, essa realidade ainda é distante para os Municípios da região. E não apenas porque a tecnologia 5G deve começar a chegar às capitais até julho de 2022 e atingir Município de menor porte somente a partir de 2027, mas porque as cidades da área de circulação do Jornal Ibiá ainda sofrem com a cobertura falha das redes de dados móveis das tecnologias 4G e 3G, bem como de telefonia.

Uma das diversas localidades dos Municípios da região que sofre com isso é a de Rincão dos Brochier, no interior de Brochier. Moradora do local, a aposentada Vera Franke, 60 anos, conta que conseguir sinal para telefonia móvel e de dados móveis é um desafio. “Eu já passei por quase todas operadoras. As que eu não passei, meus filhos passaram. E a gente segue procurando lugar melhor para achar sinal”, conta. “Até já aconteceu de meu marido ir até do outro lado do morro para pegar sinal”, comenta.

Com a dificuldade para conseguir sinal de telefone e de internet móvel, o jeito foi apelar para outras formas de acessar a tecnologia. No caso, a busca foi pela instalação de internet via fibra óptica. Assim, por meio do aplicativo WhatsApp, que permite a troca instantânea de mensagens e ligações, Vera consegue se comunicar com o mundo. Para ela, o advento da 5G não deverá mudar as coisas no interior. “5G ou a quantia de G que tiver, para o telefone não vai resolver”, afirma e já apresenta uma solução: a construção de novas torres de telefonia na área rural.

Também moradora de Rincão dos Brochier, Ladi Griebeler, 76 anos, sofre com os mesmos problemas. No entanto, a solução que ela encontrou para a falta de sinal de telefone móvel foi diferente: o uso de um telefone rural. O aparelho fixo conta com melhor captação de sinal, viabilizando as conversas com os filhos e outras pessoas.

Cada vez mais raro na zona urbana, telefone fixo mantém importância na área rural

De acordo com o painel de cobertura móvel da Anatel, que permite o mapeamento do sinal de telefonia e de cobertura 3G e 4G, Montenegro possui 77,88% de sua área total com cobertura 3G e 4G, o que representa sinal em 96,50% dos domicílios montenegrinos. Quando o foco é a zona urbana esse número sobe para 97,02% da área e 99,42% dos domicílios. No entanto, na área rural a cobertura de rede de dados móveis cai para 67,77% do território.

A cidade com menor área coberta por sinal 3G e 4G é Brochier, com 54,12%. No entanto, essa cobertura atinge 76,16% dos domicílios totais. Por outro lado, São José do Sul possui 69,02% de sua área com sinal de dados móveis, mas isso representa apenas 59,21% dos domicílios em área com cobertura. Inclusive, a cidade apresenta, segundo o painel da Anatel, uma das piores coberturas de 3G e 4G na área urbana no Brasil: 28,26% da área e dos domicílios cobertos.

O que a 5G trará de diferente?
De acordo com o professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Computação Jéferson Campos Nobre, existem dois pontos principais que diferem a tecnologia 5G da 4G: maior velocidade de transmissão de dados e menor latência. O docente explica que isso significa que os acessos e as respostas da internet serão mais rápidos.

Professor da UFRGS dá detalhes sobre as possibilidades que a 5G trará. FOTO: Arquivo Pessoal

“A partir dessas diferenças são possíveis novos serviços que precisam de mais banda, de mais velocidade de transmissão e que, também, precisam dessa resposta mais rápida de rede”, destaca Jéferson. O professor cita como exemplos a telemedicina e a possibilidade de ver vídeos em alta resolução em qualquer lugar. Outra questão para a qual Jéferson chama atenção é a possibilidade que a 5G dará de as operadoras oferecerem conectividade para objetos inteligentes. “Esse é um mercado muito importante que vai cada vez mais ser explorado nos próximos anos”, aponta.

O professor faz uma ressalva: apenas aparelhos que possuem a tecnologia 5G conseguirão se conectar nessa nova rede. “Normalmente, como as redes são utilizadas em conjunto, em uma mesma estação rádiobase vão coexistir tecnologias 2G, 3G, 4G e 5G e daí só vai ser possível utilizar 5G se o usuário possuir um celular que possa utilizar essa tecnologia”, explica.

Jéferson também explica que a nova tecnologia não significa necessariamente melhoria do sinal em locais remotos. Ele cita como exemplo a banda licitada de 700 MHz que, simplificando, permitiria que o sinal chegasse mais longe. “Então, pela banda licitada, poderia, sim, ter uma tecnologia de 5G que ampliasse a cobertura”, comenta. No entanto, o professor aponta que a empresa que adquiriu a concessão dessa banda é nova no mercado e isso pode ter implicações.

“Essa operadora teria que construir uma infraestrutura, por exemplo, numa determinada cidade e aí poderia ter um alcance mais longe do sinal do 5G em comparação com o que existe hoje. No meu entendimento, isso não vai acontecer”, afirma o professor. Segundo o docente, a informação que se tem sobre a empresa é de que ela trabalhará com acesso de banda larga de forma estratégica, sem grande cobertura. “Mas é algo (a estratégia de mercado da operadora) que, obviamente, vamos conhecer nos próximos meses”, pondera.

Contrato prevê oferta mínima de sinal apenas para área urbana, diz Anatel
De acordo com o gerente de Universalização e Ampliação do Acesso da Anatel, Eduardo Marques da Costa Jacomassi, os editais de licitação 4G feitos com as operadoras em 2012 preveem, apenas, que elas se comprometam a atender 80% da área urbana do distrito sede do Município. Para a área rural, não há compromisso estabelecido de oferta mínima de sinal de dados móveis ou de telefonia. “O que tem, hoje, é um comprometimento de atendimento com a telefonia fixa”, comenta.

Segundo Jacomassi, leilão da 5G só exige obrigações de sinal mínimo de dados móveis para as sedes de Municípios – o mesmo que ocorre com as concessões de 4G. FOTO: Divulgatação/Anatel

E a chegada da 5G não deve mudar muito esse panorama. Segundo Jacomassi, assim como aconteceu nos editais da 4G, no leilão da 5G só existem obrigações de sinal mínimo para as sedes de Municípios. “Em paralelo existem obrigações de atendimento de localidades rurais e de rodovias federais”, ressalva. O gerente de Universalização e Ampliação do Acesso da Anatel aponta que devem ser atendidas 9.600 localidades rurais em todo o país com, ao menos, 4G e mais de 30 mil quilômetros de rodovias federais também deverão ser cobertas com, no mínimo, sinal 4G. “Quando você cobre as rodovias federais, um grande volume de pequenas localidades e de comércios vai acabar sendo atendido também”, diz.

Questionado sobre o fato de o painel de dados da própria Anatel apontar que na área urbana de São José do Sul a cobertura de 3G e 4G é de apenas 28,26%, o representante da estatal diz que é necessário avaliar o caso. Jacomassi explica que em 2012 foram utilizados desenhos da área urbana feitos pelos servidores da Anatel e que, no painel, as áreas urbanas são consideradas através do setor censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“O que acontece é que alguns setores censitários do IBGE são maiores que a área urbana. Então, em alguns Municípios aparece um percentual de cobertura muito baixo quando, na realidade, se a gente fosse pegar só a área efetivamente da cidade ele seria muito maior”, justifica. “A gente precisa investigar esse caso especificamente para saber se é um descumprimento da operadora ou se é um mapa que foi mal desenhado, mal dimensionado pelo IBGE e que pode estar afetando o resultado aí na cidade”, acrescenta.

Se houver descumprimento da necessidade de 80% de cobertura em área urbana previsto no edital, as operadoras concessionárias podem ser multadas. Para tanto é necessário abrir um procedimento administrativo da Anatel. Segundo Jacomassi, denúncias e reclamações desse tipo são mais efetivas quando encaminhadas de forma institucional, ou seja, via Prefeitura, associação de moradores ou outras entidades.

Um problema de difícil solução
Há anos que a falta de sinal de dados móveis e de telefonia também são discutidas na Assembleia Legislativa. Em 2016, foi criada a Subcomissão de Telefonia, Internet e Serviços no Meio Rural da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo no Legislativo gaúcho. Durante sua atuação, a comissão ouviu relatos de agricultores, cooperativas e empresas durante as audiências públicas em diferentes partes do Rio Grande do Sul e também elaborou um relatório de 59 páginas apontando falhas na licitação para prestação do serviço devido à inexistência de obrigação legal para que as operadoras instalem torres de transmissão de sinal de celular.

Cinco anos depois, o então relator da Subcomissão, o deputado Elton Weber, entende que houve poucos resultados práticos do trabalho feito. “Porque o próprio contrato de concessão desse serviço (distribuição de sinal de dados e telefonia móveis) foi muito bem amarrado e ele beneficia, principalmente, as empresas que têm a concessão”, explica.

“Nós estamos amarrados legalmente em alguns problemas. Quando você aciona órgãos de regularização, as empresas vêm e apresentam um contrato mal feito e que certamente não foi ouvido e nem olhada a realidade das pessoas”, reforça. Segundo Weber, chegou a ser solicitado à Anatel e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a revisão dos contratos e concessões para que o serviço fosse melhorado. No entanto, diz o deputado estadual, nada foi feito nesse sentido.

O parlamentar diz que o tema segue sendo discutido no Legislativo gaúcho, dessa vez na Comissão Mista Permanente de Defesa do Consumidor e do Contribuinte e Participação Legislativa Popular, a qual Weber preside. “Em alguns casos pontualmente temos avançado, mas lembro que ainda um dos maiores entraves é a questão contratual feita há algumas dezenas de anos. O contrato que está vigente deixa muito pouco espaço para se conseguir avançar no problema específico, que normalmente é falta de sinal”, aponta.

Weber entende que o leilão da tecnologia 5G e as novas concessões dela podem, em médio prazo, melhorar o sinal de telefonia, internet e outros serviços no meio rural. “Com o edital do 5G e essa obrigatoriedade que essas empresas assumiram nós vamos uma coisa poder, com certeza, fazer: cobrar mais fortemente porque há um novo marco legal e contratual que as empresas precisam cumprir”, analisa.

Prefeituras buscam alternativas
Com a dificuldade de acesso às redes de dados móveis e de telefonia que atingem suas comunidades, as Prefeituras das cidades da região buscam alternativas para minimizar o problema. Em Brochier, através da Consulta Popular, já foram instaladas antenas para distribuição de sinal de internet via rádio pelo interior e também contratação de empresa para expandir a rede de fibra óptica no interior do Município. Em São José do Sul também há a aposta na expansão da rede de fibra óptica pelas comunidades da área rural.

Clauro destaca o que se busca fazer para driblar as dificuldades de sinal em Brochier

“Hoje não se faz mais nada sem internet. Mesmo lá no interior, onde a gente acha que só tem agricultor, ele também precisa (de internet) porque, hoje, muitas máquinas e muitas funções são automatizadas”, aponta a prefeita de São José do Sul, Juliane Maria Bender. Ela destaca que a pandemia do novo coronavírus também mostrou a importância da internet no interior para o ensino.

A chefe do Executivo de São José do Sul também questiona o dado apresentado no painel da Anatel. Segundo Juli, como é conhecida a prefeita, há uma torre de telefonia na área central que melhorou a qualidade dos dados móveis na área urbana. Hoje, diz a prefeita, os piores pontos de cobertura de internet e telefonia móveis são em Linha Bonita Alta e Linha Bonita Baixa.

Em Brochier, o prefeito Clauro Josir de Carvalho observa que o relevo do Município dificulta o acesso ao sinal de dados móveis e de telefonia. Ele destaca que ter internet no interior é muito importante, ainda mais por conta da necessidade de produtores rurais emitirem a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e). O chefe do Executivo brochiense lembra que em 2018, durante a gestão de Michel Temer, Municípios da região aderiram ao programa federal “Internet para todos”, do ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que buscaria levar internet através da instalação de antenas no interior dos Municípios. No entanto, conta Clauro, o programa acabou sendo deixado de lado pelo Governo Bolsonaro, que trabalha num novo projeto nesse sentido.

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