As histórias de montenegrinos que dedicaram décadas de suas vidas a uma mesma empresa e venceram junto com elas
Grandes indústrias são recebidas com alegria por qualquer Município. Elas representam geração de empregos, novos investimentos e colocam as cidades em destaque dentro do segmento em que estão inseridas. Porém, além do aspecto “macroeconômico”, há o impacto pessoal, na vida de cada um dos que trabalha nestes empreendimentos, gerando transformações.
Os montenegrinos Pedro Antônio da Silva Roza, de 61 anos, e Alceri Quevedo, de 53, são exemplos disso. Ambos construíram suas vidas em décadas de trabalho dedicadas a duas importantes empresas da cidade. O primeiro atuou por 32 anos na Tanac e só saiu no ano passado, com a aposentadoria. O segundo já completou 36 anos de dedicação à JBS, é aposentado, mas segue na empresa. “Enquanto eles me aturarem, eu vou ficando”, brinca Alceri.
Em três décadas trabalhando no mesmo local, os dois experimentaram diversas mudanças. Viram as empregadoras passarem por períodos turbulentos, a inovação chegando e muitos postos de trabalho serem substituídos por máquinas. Também testemunharam mudanças na legislação trabalhista e o rigor crescer na seleção de funcionários. E lógico, viram a vida mudar e a família crescer.
“Tchê, dali eu conquistei tudo o que tenho”, reflete Alceri. “Desde a minha casa, a minha família. Com o que eu tenho, eu ajudei os meus três filhos. Consegui comprar um carrinho para cada um deles. É tudo fruto do meu trabalho”. Hoje supervisor no setor de evisceração, ele lembra que entrou na JBS – na época, a Frangosul – com 17 anos de idade. A esposa, Josemara, também trabalhou no local por 26 anos e, hoje, dois dos filhos do casal também atuam na empresa.
Na casa de Pedro, não é diferente. Soldador na Tanac até o ano passado, quando optou pela aposentadoria, ele avalia que deve ao trabalho os estudos da filha – formada em Administração – e a casa própria. “Nesse tempo de trabalho, nós fomos construindo. Levei 12 anos fazendo a casa, por etapas. É tudo bem batalhado”, conta. “Se tu tem um planejamento e trabalha em cima daquilo ali, dá certo”, reflete.
Do primeiro dia de trabalho, a gente nunca esquece!
Podem se passar mais uma ou duas décadas, mas Pedro e Alceri não esquecerão do primeiro dia de trabalho nas empresas às quais dedicaram grande parte de suas vidas. Aos 17 anos, Alceri já havia atuado em três lugares antes de ingressar na Frangosul. No último, junto ao Polo Petroquímico, acabou demitido após um acidente levar a instituição a dispensar todos os funcionários menores de idade.
Ele entrou na Frangosul em 29 de junho de 1982. Dois de seus irmãos já trabalhavam na mesma empresa. “Tu chegava lá, fazia a ficha e entrava direto”, conta. “Hoje tem currículo, tem todo um processo de seleção, com comitê, integração e coisas que não existiam antes.” A primeira atividade foi na plataforma, com a pendura dos frangos. Naquele dia, por engano, ele deixou seu uniforme pendurado em um registro de chuveiro e ele acabou molhando. “Lembro como se fosse hoje. Botei do jeito que tava e fui trabalhar”.
Três anos depois, em 1985, Pedro começava na Tanac. Por coincidência, também era o seu quarto emprego e, entre os anteriores, ele também tinha trabalhado no Polo. “A Tanac é uma empresa onde todo mundo sonha trabalhar. Quem conseguia vaga lá pedia as contas onde estava e ia”, recorda. Foi por indicação de um conhecido que já atuava na fábrica de taninos que ele conquistou o cargo. Virou soldador na equipe de manutenção de maquinário, área na qual já tinha certa experiência.
Da primeira atividade, ele não esquece. “Meu chefe chegou, me apresentou e disse ‘cara, nós temos um serviço pra fazer. Vamos ver se tu é bom mesmo’”, lembra. Era a montagem de um complexo sistema de resfriamento. “Eu me lembro perfeitamente. Interessante como aquilo ficou gravado na minha cabeça”, coloca.
Com mais idade do que Alceri, Pedro chegou na empresa já casado e com uma filha de nove meses de vida. Era forte na Tanac da época a política de ceder casas aos funcionários como forma de prover melhores condições de vida e ter o trabalhador perto, em períodos de plantão. “Logo depois que eu entrei, nós fomos morar nas casas da firma e ali nós começamos a vida. Ela é uma empresa que abre as portas pra ti e é por isso que a maior parte dos funcionários que está lá, tem mais de 30 anos de casa”, declara.
Tecnologia mudou muito
O avanço das tecnologias automatizou grande parte das indústrias, trazendo facilidade e agilidade, mas também substituindo a necessidade de alguns funcionários. Pedro conta que, em 32 anos de Tanac, viu setores de 30 funcionários serem reduzidos para quatro. “Muito era manual. O pessoal pegava fardos de casca e cortava. Isso tudo terminou”, explica. “Hoje, entra tudo em cima de uma esteira e vai para um picador. Quando enche, a máquina faz a pesagem e até desliga automaticamente.”
Na empresa de frangos, Alceri viu acontecer a mesma coisa. “Hoje, se tu entrar na parte de evisceração, de embalagem ou expedição, por exemplo, posso te dizer que 90% é automatizado”, relata. Com a substituição das atividades manuais, a JBS tem, hoje, capacidade para abater 24 mil aves por hora. Com o uso de robôs, ainda, muito do trabalho que demandava movimentos repetidos e trazia riscos à saúde já não existe mais. “Diminuiu bastante em questão de quadro de funcionários, mas os que ficaram realmente sentiram uma grande diferença”, avalia.
Os dois destacam que, em ambas as empresas, a preocupação com a capacitação dos funcionários sempre foi grande. Em cada instalação de novas máquinas, os fabricantes realizavam treinamentos e, à parte, o fomento a cursos e até ao ensino superior era praticado.
A marca da emoção no último dia de uma história de 32 anos
Recém chegado na Tanac, Pedro logo foi apelidado de “Pedrinho”. “O teu local de trabalho é a tua segunda família e eu tive muita sorte. Uma das maiores conquistas minhas na empresa foi a minha amizade lá dentro”, conta. Cultivando um bom relacionamento, o Pedrinho jogou pelo time da empresa e já perdeu a conta da quantidade de churrascos partilhados com os ex-colegas. Quando se aposentou por idade – ele, depois, recorreu para pedir a aposentadoria especial – fez questão de fazer uma grande festa junto dos colegas da equipe de Manutenção.
Em casa, ele guarda álbuns e mais álbuns dos momentos divididos com os parceiros. Adora tirar fotos. E a recordação do último dia de trabalho na empresa, após 32 anos de dedicação, é agridoce. “Eu me emocionei muito, porque tu sabe que aquele tempo não vai voltar mais. Quando o diretor me chamou para eu me despedir dele, aí o bicho pegou. Tantos anos juntos, tu passou por tantas situações. Só me desejaram coisas boas. E mesmo sabendo que era o fim, o último dia é complicado”, recorda.
Na reta final, a emoção transbordou. “Meus gerentes já disseram, na última semana, que eu podia ir largando o serviço e me despedir do pessoal. O pessoal chorou. O pessoal antigo se engasgava e tu via as lágrimas descendo”, acrescenta. Pedrinho deixou, no seu “cantinho de trabalho”, seu rádio, sua térmica de café e outros pertences. Partiu para a aposentadoria. Ele ganhou outra festa de despedida e, da equipe da Manutenção, uma cuia e uma camiseta oficial do Grêmio, autografada pelos queridos colegas.
De 2017 pra cá, o ex-funcionário não entrou mais na fábrica. “Se eu for lá visitar toda vez que der saudade, eu vou estar sempre lá dentro”, declara. Pedro diz ser acanhado e não quer ser “intruso” no local. Sempre que pode, no entanto, ele encontra os bons e velhos amigos. “Na minha saída, eu senti que fiz o bem e aquilo era o símbolo do meu trabalho”, reflete. Agora, é tempo de descansar.
Transições Frangosul/Doux/JBS
Um jovem Alceri, empregado pela Frangosul, viu a empresa ser comprada por franceses e virar a Doux. “Foi uma coisa meio de surpresa. Não se tinha nada programado, mas acabou sendo uma transação tranquila”, recorda. “Eles entraram e fizeram uma grande reforma em termos de capacidade de produção.”
Anos depois, ele viveu a crise e o endividamento dos gestores. A insegurança em relação ao emprego era grande, até a chegada da JBS, em 2012. “A gente sabia que a Doux tava em crise e que aquilo era uma bola de neve. Naquele ano, eles nos deram umas férias coletivas de dois ou três meses, e foi quando a JBS assumiu”, conta.
“Eu não digo que tive medo, mas um receio (do fechamento) porque existia a possibilidade. Não tanto por mim, porque em 2012 eu já estava aposentado, mas pelas pessoas que dependiam muito mais da empresa”, continua. “Das pessoas que são lá da fábrica, e isso também engloba todo o município e região. O impacto seria grande. São lojas, mercados, criadores e fornecedores que dependem dela”, conclui. Alceri ainda não pensa em parar.