Os conceitos da economia nas propriedades rurais

Com controles de gestão, Núcleo da Unisc busca mudar a realidade dos pequenos agricultores e estimular ganhos

O produtor acorda com o cantar do galo, se veste, dá pasto para as vacas e volta para tomar seu café. Depois, retorna à estrebaria para tirar leite. Cada litro é computado e vai para uma planilha, em seu caderno, estrategicamente colocado na entrada do pavilhão. Os dados somam a produção do dia e, após, a do mês. Em um Demonstrativo do Resultado do Exercício, esses litros são convertidos no valor por que foram vendidos, mas descontados dos gastos com a ração dos animais, com a luz, com a água – tudo devidamente separado. Os quilos de aipim que a esposa vendeu para a vizinha também entram como receita da chácara. Está tudo ali. Tudo o que entra e tudo que sai do bolso e do trabalho braçal da família.

Este é o perfil de um pequeno agricultor que, além das muitas atividades de sua rotina diária, dedica seu tempo aos controles de gestão da propriedade. É a essa realidade, ainda distante para a grande maioria, que se volta o Núcleo de Extensão Tecnológica e Gestão Rural para Agricultura Familiar (Negaf), que é desenvolvido pela Unisc. Atuando no campus de Montenegro e de Sobradinho, o grupo tenta levar conceitos da Contabilidade e da Administração para dentro da produção rural.

Projeto introduz ferramentas e metodologias de gestão nas propriedades

O trabalho teve início em maio do ano passado, com uma reunião entre o Núcleo e alguns produtores que foram mobilizados com o apoio de entidades como a Emater e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Ele nasceu a partir de uma pesquisa feita anteriormente pela universidade, que traçou o perfil das propriedades rurais do Vale do Caí e identificou a falta de controles de gestão. “O que se tinha era muito superficial. Uns faziam tudo de cabeça e outros poucos tinham só algum controle”, explica a professora e coordenadora Cidonea Machado Deponti.

O Negaf, segundo a profissional, chegou não para trazer ideias prontas para a aplicação das ferramentas, mas para entender as diferentes demandas e aplicar os conhecimentos da economia dentro disso. O desafio – diz Cidonea – é aliar o conhecimento técnico com o popular, já existente nas propriedades.

Produtor de leite na localidade de Canavial, em São José do Sul, Rodrigo Faria estava com a esposa já no primeiro encontro. Ele conta que, a partir dali, foi organizada uma visita dos profissionais do Núcleo à sua propriedade. Lá, os especialistas realizaram um diagnóstico patrimonial, com tudo o que a família tinha, incluídos maquinário, animais e aplicações no banco. Também levando em conta as despesas, o Negaf lhe forneceu um “parecer econômico e financeiro”, com indicações em relação à margem de lucro em cada litro de leite e o que seria necessário para que a produção atingisse um ponto de equilíbrio na arrecadação.

“Isso é importante, porque tu precisa trabalhar certo para sobrar”, avalia Rodrigo. “O leite, hoje, está R$ 1,38 o preço do litro, mas isso varia. Pode estar um dia em R$ 0,80 e aí tu tem que se organizar, preparado para quando está em alta e também para quando está em baixa.” O produtor conta que, a partir das orientações do Núcleo, tem controlado seus ganhos e sobras. “Tu vai fazendo um balanço, para ter lucro. Ficar empatado não dá certo”, salienta. A produção média da propriedade, com suas 40 vacas, é de 500 litros de leite por dia.

Trabalho leva em conta as particularidades
Seis famílias foram visitadas para a realização dos diagnósticos e, hoje, duas já o receberam de volta com as orientações – a produção de Rodrigo Faria é uma delas. A coordenadora Cidonea conta que uma das principais constatações destes primeiros passos do trabalho foi a de que os conhecimentos econômicos convencionais nem sempre podem ser aplicados diretamente nas propriedades da agricultura familiar.

“As propriedades são muito diversificadas e complexas e se precisa olhar pra elas como um todo”, coloca. “Elas não trabalham só com uma atividade e, às vezes, uma coisa pode dar lucro e outra dar prejuízo, mas acaba que uma sustenta a outra.” O princípio básico de que uma atividade secundária precisaria ser cortada se desse prejuízo não pode sempre ser aplicado, pois, na realidade das famílias, critérios como o consumo próprio, a sazonalidade, a complementação e até a importância afetiva da atividade precisam ser levados em conta.

E cada caso é único. Rodrigo Faria, de São José do Sul, assumiu o negócio do sogro e, em cinco anos, mais que dobrou a produção, com foco no desenvolvimento produtivo. Cidonea traz, no entanto, o caso de outro produtor de leite com uma visão totalmente diferente. Lá, ela conta, cada vaca tem um nome próprio e uma relação especial com a família, produzindo um leite que acaba sendo mais artesanal. A abordagem para a melhoria na renda e na produção, diante disso, precisa ser diferente.

Aplicabilidade dos conceitos ainda é desafio

Cidonea Machado Deponti

Cidonea Machado Deponti é professora de Economia e doutora em Desenvolvimento Rural. À frente do Negaf, ela conta que o que mais se discute internamente é a aplicação de uma abordagem que, além do diagnóstico feito pelo grupo, permita que os próprios produtores tenham autonomia para aplicar os conceitos dentro de sua realidade. Diante disso, já ocorreu uma oficina de introdução às tecnologias e também uma palestra motivacional. No segundo semestre, no entanto, é que devem começar os encontros com foco nos controles de gestão, de fato.

Ainda sem data definida, os encontros ocorrerão na universidade. Envolvendo cálculos e um resultado só alcançado a longo prazo, algumas das famílias que participaram da reunião inicial acabaram se afastando do projeto na etapa dos diagnósticos. “Alguns cálculos realmente não são simples, mas a gente quer construir com eles. Não adianta eles não terem autonomia para fazerem sozinhos. O ideal é que exista um trabalho contínuo e que a gente siga em contato para que eles confiem na gente e que a gente possa fazer a diferença”, coloca Cidonea.

Ciente das dificuldades, a coordenadora adianta que, a partir das observações das primeiras oficinas, a universidade quer desenvolver um aplicativo que, seguindo a metodologia do Núcleo, possa ser usado pelo produtor, que registra diferentes dados e tem acesso a indicadores. “Colocamos alguns pontos que vão ficar verdes, amarelos ou vermelhos. Aí ele já pode ter uma ideia do que precisa de atenção e nos procurar”, explica. O Negaf já levantou alguns outros softwares no mercado, mas objetiva a criação de um que seja simples, dialogue com a realidade do agricultor e, ao mesmo tempo, seja útil para os objetivos visados.

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