Recém chegado, Mustafa Sylla fala sobre adaptação e quebra do preconceito
A migração africana é um fenômeno que vem se acentuando no Brasil na última década. Ao lado dos haitianos, muitos senegaleses se espalharam por diferentes regiões do país, destacando-se, principalmente, em sua atuação no comércio de rua. Segundo recentes pesquisas brasileiras que observam esta movimentação, a grande maioria opta pela vinda porque a economia do Senegal não acolhe toda a mão de obra existente por lá.
Montenegro não ficou alheio a esta realidade e já abriga diversos imigrantes, facilmente reconhecidos pela cor da pele e pela forma diferente com que falam o português. Mustafa Sylla é um deles. Tendo chegado ao Brasil no final de 2014, com 24 anos de idade, ele veio morar na “Cidade das Artes” há poucos meses, devido a uma oportunidade de emprego. Mustafa é gerente de uma loja de vestuário recém inaugurada na cidade.
O cargo de destaque no recente empreendimento acaba contrariando o que o consenso atribui como lugar dos imigrantes senegaleses na sociedade brasileira. “Antes daqui, eu morava em Caxias e era gerente também na filial de lá”, conta. “Já tinha as pessoas que chegavam perguntando pelo gerente e aí me mostravam. Olhavam pra mim como se pensassem ‘como que ele chega em um cargo assim tão grande’. Parece difícil de as pessoas entenderem”.
Superar o preconceito, o gerente ressalta, tem sido um desafio. “Essa coisa de eu estar trabalhando como gerente nem é o meu ponto alto. Eu estudei bastante. Tenho meu diploma. Estudei árabe, francês e inglês. Tudo é cabeça. Não é pele e cor”, destaca.
“Em Caxias, eu sofri preconceito e tem muita coisa. Mesmo se não aconteceu contigo, aconteceu com um amigo. Se tu olhar no Facebook, todo dia tem um caso diferente. Esses dias, eu tava olhando um senegalês que um brasileiro matou lá em Porto Alegre. Isso dói no coração”, lamenta. “Não estamos roubando. Quem está vindo, está vindo para trabalhar, para conhecer ou se sustentar. Nós temos o nosso orgulho.”
O imigrante é natural da cidade de Dakar, a capital do Senegal. Ele reconhece que muitos dos seus conterrâneos saem do país em busca de emprego. No seu caso, no entanto, a viagem deu-se pela busca da experiência em conhecer um lugar novo. “Tem quem sai por causa do emprego, porque aqui tem mais trabalho do que lá e lá é preciso estudar bastante para conseguir trabalho bom. Mas tem quem sai para conhecer outro lugar e ficar mais inteligente”, diz.
Imigrante estranha características de “cidade pequena”
Montenegro fica há mais de 6 mil quilômetros do Senegal. Saindo de Dakar e passando por São Paulo e Caxias, Mustafa destaca que o que mais o impactou foram as características de “cidade pequena” do município. “Eu gostei porque é mais calmo, mas achei estranho logo que comecei a morar aqui”, revela.
O imigrante diz que, pela rotina do trabalho, acaba não saindo muito – intercalando suas atividades entre seu apartamento, a loja e a academia -, mas já traz alguns apontamentos. “Aqui não é o movimento de tu estar no centro de outra cidade. Aqui o comércio fecha cedo e uma coisa estranha é que, em domingo, nada abre”, considera. “Lá em Caxias, tudo o que você precisar comprar, você vai achar. Aqui, você chega no mercado e algumas coisas não encontra.”
Outra curiosa percepção do senegalês é em relação ao trânsito montenegrino. “Eu tenho carro e o jeito de dirigir das pessoas aqui é muito estranho”, revela. “As pessoas estão sempre com muita pressa e buzinando. Elas não param e não têm paciência”, analisa.
Já somando experiência no comércio local, o imigrante tem boa visão de algumas características da economia em Montenegro. Ele aponta que a comunidade ainda valoriza o “fator novidade” da loja recém inaugurada, mas destaca o impacto que o recente período de chuvas teve nos negócios, com as pessoas saindo menos de casa para comprar.
Os primeiros passos no Brasil
Mustafa já tinha um amigo no Brasil e veio sozinho em busca da experiência. Instalou-se primeiramente em São Paulo, mas a falta de segurança do lugar o fez deixar a cidade. Ele lembra que pensava em tentar a sorte nos Estados Unidos, quando conheceu o dono da loja em que trabalha hoje. Também imigrante, o empresário ofereceu ao senegalês a oportunidade de trabalho em Caxias do Sul. E para lá ele foi, por três anos.
O imigrante conta que nunca se identificou com o comércio de rua – atividade comumente relacionada aos vindos do Senegal – e comemora ter conquistado o emprego para se sustentar em terras brasileiras. Aqui, a comunicação com a família é diária, via redes socais, e ele conta que, apesar de ainda não saber quando, pretende voltar para perto dos seus. “Um dia”, resume, cheio de planos.
Um pouco mais sobre o Senegal
O Senegal fica no continente africano e, segundo dados das Nações Unidas de 2014, é habitado por 14,54 milhões de pessoas que se distribuem em uma área de 196.720 quilômetros quadrados.
Dakar, a capital, é a cidade mais populosa, com cerca de 2,2 milhões de habitantes. O território senegalês foi colonizado pela França e a independência do país só foi alcançada no ano de 1960. Lá, a língua oficial é o francês, mas outras línguas locais, como o uolofe, também se destacam.