Ninguém espera que uma jovem de 17 anos, cheia de sonhos e expectativas, e que passa boa parte do dia acessando a internet e conversando com amigos pelo celular, tenha um diagnóstico de depressão. Essa, no entanto, é a realidade de Ketlin da Silva Soares. Ela mora em Montenegro com a família há dois anos, após uma infância com várias mudanças de cidade, cursa o Ensino Médio e, em meio a uma rotina típica de adolescentes, faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
Apesar da juventude, a relação de Ketlin com a depressão já é antiga. Há 10 anos, após um problema familiar que não será divulgado para preservar a jovem que, então com sete anos, começou a dar sintomas de que algo não ia bem. Esses sinais, porém, demoraram a indicar uma depressão. O pai de Ketlin, Célio, conta que ela por muitos anos se queixou de dores no estômago que foram se arrastando sem que médicos descobrissem a causa. A família já residia em Montenegro quando o diagnóstico de “gastrite nervosa” apareceu e o clínico encaminhou para tratamento com psicólogo e psiquiatra. O diagnóstico de depressão veio logo depois.
Saber que a filha era depressiva surpreendeu, mas não chegou a ser um susto completo. Depressão não era uma novidade na família. “Ela ficava irritada facilmente. Mas não imaginávamos”, conta. “Já tínhamos conhecido a doença. Meu pai teve. E a mãe dela também trata depressão. Então recebemos a notícia sabendo que ela podia tratar”, complementa.
O tratamento ajuda, mas as mudanças na rotina são inevitáveis. Além das visitas ao psicólogo, Ketlin faz uso de um medicamento. “Se ficar três dias sem tomar volta a tristeza e a irritação”, conta. Ela diz aceitar que, possivelmente, tenha de fazer acompanhamento médico por toda a vida apesar do médico afirmar que será por um período apenas. “No início era mais difícil. É também aceitar que tem depressão”, revela. Agora mais controlada, mesmo que por conta do medicamento, Ketlin percebe o quanto a depressão afetava o seu dia a dia. “Problemas de concentração na aula, dificuldade de se relacionar com os colegas e com os professores”, conta ela.
A família acompanha Ketlin de perto, com hábitos rígidos, se comparados com os de outros lares. A adolescente utiliza a tecnologia e passa várias horas do seu dia com os olhos na tela do celular, assistindo vídeos do YouTube ou trocando mensagens. Mas por uma regra da casa, a noite o aparelho fica na sala. “Pela manhã, primeiro faço as minhas coisas e depois pego o telefone e fico mexendo”, conta, com o smartphone nas mãos.
A jovem diz acompanhar as notícias sobre o Desafio da Baleia Azul, que culminaram em tentativas de suicídio, casos por vezes vinculados a diagnósticos de depressão. Mas afirma que isso lhe soa estranho. “Mesmo estando com muita tristeza, eu nunca pensei nisso. Nunca me passou pela cabeça me matar”, diz. O pai confia nela, na forma de agir da filha e no tratamento. Quer também que ela logo comece a ter uma atividade profissional, se ocupe e saia mais de casa.
Pessoas de fé, eles são Testemunhas de Jeová, há na família a certeza de que Ketlin conseguirá superar a depressão. Mesmo assim, o pai segue mantendo a atenção sobre a filha. “Acompanho de perto”, resume. A jovem, que pensa em cursar odontologia, espera muito da vida e faz planos, mesmo que a depressão a siga de perto. “Quero tentar me controlar, amenizar isso, alcançar meus objetivos”, finaliza.
Uma geração muito conectada, porém isolada em seus quartos
Nunca se falou tanto de depressão na adolescência. Muito em função dos casos de suicídio motivados pelo jogo da Baleia Azul. Há, ainda, uma intensa discussão motivada pela série “13 Reasons Why”, da Netflix, que aborda o caso de uma jovem que tirou a própria vida. Muito mais do que debater os efeitos do jogo ou criticar a série, é necessário que as famílias tentem identificar sinais de problemas em seus adolescentes.
A psicóloga clínica Bárbara Hohr diz que os casos de tentativa de suicídio na adolescência estão longe de ser raros. Muitos, felizmente, são frustrados e servem de alerta. Mas a vontade de encerrar a própria vida e realmente agir para isso vem sendo bastante manifestada. Os números mais recentes disponíveis foram divulgados pelo Ministério da Saúde em 2014 e mostram que em uma década (de 2002 a 2012) os suicídios entre crianças e pré-adolescentes com idade entre 10 e 14 anos cresceram 40%. Já na faixa etária de 15 a 19 anos, o aumento foi de 33,5%.
Apesar de salientar que cada caso é diferente, Bárbara diz que alguns sinais devem deixar os pais em alerta. Isolamento, marcas de automutilação ou práticas de atividades arriscadas, todos com repetição, são considerados sintomas de que aquele adolescente precisa de ajuda. É difícil vincular um adolescente a um caso de depressão porque os sintomas são características desse período da vida. Porém, exacerbados. “Oscilações de humor são normais na adolescência. Acorda feliz e logo está cabisbaixo. Não é bipolar nem depressivo. É da adolescência. Mas nunca quer sair do quarto ou chora com frequência, bom daí pode ser tristeza patológica, que vai além da tristeza normal que todos sentimos”, detalha Bárbara.
Diálogo e limites são necessários
Que essa é uma geração mais triste que suas antecessoras parece ser consenso. As causas estariam ligadas a mudanças nas relações familiares. Na rotina agitada, muitos assistem aos filhos crescerem sem conhecê-los. Lares onde não há diálogo e os filhos se isolam. Muitas vezes, a fragilidade das relações é compensada com bens materiais. “Eu trabalho demais para trazer tudo que meu filho precisa, dizem. É muito consumo e pouco contato.
Aquele filho por vezes só quer que olhe pra ele. E chama a atenção com uma atitude como automutilação. Começam a se cortar, até com o objetivo da mãe ver” diz a psicóloga clínica Bárbara Hohr.
A tecnologia, muito mais presente para quem é adolescente hoje, também pode prejudicar relações. “Eles estão sempre conectados, trocando mensagens com várias pessoas, com muitos amigos. Mas também estão sozinhos”, diz Bárbara. Desejando a segurança dos filhos, os pais gostam de tê-los no quarto. “Os pais temem perder os filhos para as drogas. Mas podem perdê-los para a internet, trancados na segurança do próprio quarto. Devem se perguntar o que ele está fazendo no quarto, no celular”, diz Bárbara citando que esses jogos, como o da Baleia Azul, são especialmente convidativos para jovens fragilizados. Os demais, mesmo que haja exceções, entenderão que é arriscado.
A compreensão por parte dos pais de que aquele jovem é um indivíduo com as próprias características é importante. Mas isso não significa ignorar os limites. Não fazer tudo o que os filhos desejam é uma forma de desenvolver neles a capacidade de lidar com frustração e perdas. “Muitos adolescentes têm dificuldades de lidar e tolerar a frustração. Nem tudo será como queremos e é preciso aprender a lidar com dificuldades e decepções. Têm pais que não conseguem ‘frustrar’ seus filhos”, finaliza.
Baleia Azul e “13 Reasons Why” intensificam discussão
Apesar dos casos de depressão entre jovens não serem novidade, o Desafio da Baleia Azul e o seriado “13 Reasons Why” trouxeram a tona o tema. No caso do jogo, uma ação criminosa e sob investigação policial, que propõe aos participantes 50 desafios e cujo a culminância é a morte. Os participantes que entram no jogo são ameaçados caso tentem sair.
Já o seriado, criticado por alguns especialistas, conta a história de Hannah Baker, uma garota americana de 17 anos que se suicida e deixa 13 fitas contendo as razões daquela atitude. Acontecimentos, mentiras, crises financeiras, bullying, estupro e uma intensa solidão a levam a isso. Quem conta esse enredo é uma fã da série, Tatiane Goulart, de 26 anos. Ela, que se diz membro da “geração Netflix”, apaixonada por séries, diz ter se envolvido com a história de Hannah.
“Ela foi vítima de uma série de ataques a sua moral. Tentou se manter forte. Tentou pedir ajuda. Mas todos estavam ocupados. Hannah estava acabada física e moralmente e não aguentou, se matou. Cortou seu pulsos em uma banheira e sangrou até a morte”, conta Tatiane. Os críticos à série preocupam-se com a glorificação da ação de tirar a vida, que por vezes pode transformar Hannah em uma heroína corajosa o bastante para se matar.
Para Tatiane, porém, a série é importante para abrir a discussão. Há situações em 13 Reasons Why que fazem cada um se questionar a respeito do diálogo familiar, limites e uma certa cegueira familiar ao que acontece com os filhos. “Se a Hannah tivesse tido apoio da família, uma abertura maior, uma mãe amiga, poderia ter sido revertido”, compara Tatiane com a realidade. Citando as estruturas familiares fracas e um mundo dominado pela tecnologia, Tatiane, que é mãe, questiona a necessidade de oferecer apoio e limites aos filhos. “Adolescentes frustrados, sem amparo. Aparece um joguinho legal. Eles caem. A solução está dentro de casa também. Conversa, amizade entre pais e filhos”, acredita Tatiane.
A psicóloga Bárbara Hohr diz não conhecer a fundo a série, mas destaca que não há glória em cometer um suicídio. Por isso, não acredita que possa ser incentivadora de casos. Mas serve de alerta. “Aos pais, digo que assistam com os filhos. Falem sobre isso. Olhem para eles e conversem sobre a valorização da vida”, destaca.
“Depressão é real, independente de jogos”
Não chegou ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) nenhum caso de tentativa de suicídio com relação ao Desafio da Baleia Azul. Jaqueline Porto, coordenadora do Caps, diz que a unidade é referência em termos de serviço público, nesse tipo de atenção à saúde. Mas, casos podem ter ocorrido e serem encaminhados a serviços privados. Já a depressão em adolescentes não é uma ocorrência rara.
“Depressão em adolescentes é real. A maneira deles expressarem isso é que pode ser diferente do que quando em adultos. Meninos ficam mais agitados, agressivos. Meninas manifestam mais tristeza”, comenta a psicóloga Daiana Gallas. No turbilhão de mudanças natural dessa fase da vida, o processo depressivo pode estar mascarado. “Baixa autoestima, não vê saída para os problemas, se isola. Mas tudo tem de se ver a medida. Não é o jovem que hoje quis ficar sozinho. É a repetição”, diz Jaqueline citando também questões como mudança brusca de comportamento, envolvimento com drogas, desinteresse com objetivos ou estudos. “Às vezes o uso da droga é uma tentativa de se ferir e não um vício realmente”, diz Daiana.
Ao perceber sintomas, a primeira ação indicada pelas profissionais é conversar e tentar entender aquele jovem. Se o caso é grave, há necessidade de procurar o serviço de saúde. Ir a um dos postos de saúde da cidade ou no próprio Caps – localizado na rua Dr. Bruno de Andrade, 1847, no Bairro Timbaúva – é indicado.