O eco das sirenes

O sol ainda mal dissipava o frio no final da manhã da última quarta-feira quando, no coração de Montenegro, o Tenente Daniel Augusto de Souza, do 5º BPM, comandou aos PMs presentes uma continência em homenagem ao policial civil Edler Gomes dos Santos. E sirenes de viaturas da Brigada Militar, Polícia Civil e Susepe gritaram seu dolorido adeus ao escrivão morto numa operação policial ali na cidade, no dia anterior. Augusto também foi policial civil, além de brigadiano, e sua voz emocionada ao citar mais um herói que tomba na defesa do povo gaúcho, não era só o símbolo de uma comoção que parou o Rio Grande do Sul inteiro. Era o retrato de nossa essência, da integração policial que nos faz unos na luta diária e ingrata contra uma cultura apodrecida de lucrar sem respeitar o outro, sem pudor ou escrúpulos, e usar a violência como instrumento desse lucro. Tristeza e incredulidade. E o canto de dor das sirenes gaúchas se misturou, naquela brisa gelada, ao eco das sirenes que ainda choram as mortes dos soldados Gustavo Júnior, Rodrigo Seixas e Marcelo Feijó.
Eu e uma turma de alunos-soldados, prestes a se formar, embarcamos no micro que nos levou ao ato num silêncio pesado. Eles estão chegando na vida policial e se formam na semana que vem. Eu estou saindo, já poderia estar fora, cumpri quase um ano a mais das três décadas que me permitem pendurar os coturnos. Mais tarde, um aluno me procurou no intervalo dos treinamentos. Queria saber se perdi muitos colegas na vida, eu que, antes de servir na Escola de Formação e Especialização de Soldados, havia vivido, até março deste ano, exclusivamente em batalhões, no front do combate à criminalidade. Tive vontade de mentir. Mas a mentira não é um direito que cabe a um bom policial. E eu decidi, há mais de trinta anos, ser um bom policial. Não decidi ser um policial cheio de louros. Apenas ser um bom policial.
Sim, perdi muitos, perdi até a conta, expliquei àquele rosto menino com idade para ser meu filho. Perdi grandes amigos. Irmãos. Mas, completei, também perdi a conta de quantos ladrões, assassinos, estupradores, golpistas, corruptos e toda sorte de lixo humano tive o prazer de prender. Mesmo que fossem soltos logo em seguida. O importante é nunca desistirmos da nossa missão. Ter coragem para honrar os colegas que tombaram. E perseverança para fazer jus ao suor e às lágrimas desse povo sofrido que, nos quatro cantos deste estado, só tem seus policiais para pedir socorro. Precisamos seguir correndo na direção contrária dos que fogem do perigo. E dos que aceitam a malandragem como meio de vida, seja ladrão de gado ou de carro, seja quem compra desses caras e se acha espertinho. Seja o traficante sem escrúpulos ou o usuário irresponsável que o patrocina.
A questão é que temos nos reunido em homenagens póstumas demais, nestes dias. Temos chorado demais. E há bandidos demais, armas demais nas mãos de criminosos e garantias legais demais para que eles continuem livres por aí, não se contentando em matar o cidadão comum, indo além e assassinando seus guardiões. Está claro o que falta. A imprensa da nossa terra se uniu para mudar uma cultura de violência e crime, impregnada no comportamento cotidiano da cidadania, comprometendo a essência democrática. Já passou da hora de todos os Poderes, sustentados pelo povo, se despirem de vaidades e teorias furadas e se unirem, em bloco, na defesa da cidadania e da liberdade.

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